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A grama é mais verde na Appenzell de Peter Mettler

Homem no palco
O diretor suíço-canadense Peter Mettler recebe seu prêmio após ganhar o Grande Prêmio na Competição Internacional de Longas-Metragens do Festival Visions du Reel 2023 com seu filme "While the Green Grass Grows" na cerimônia de premiação do Festival Visions du Reel na sexta-feira, 28 de abril de 2023. KEYSTONE/KEYSTONE/Cyril Zingaro

Peter Mettler recebeu elogios em todo o mundo por um projeto épico de documentário rodado na Suíça, que ainda não foi concluído. Em entrevista, o cineasta suíço-canadense explica por que isso dá a sensação de uma estranha volta para casa.

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Em 2023, um documentário suíço de quase três horas – sobre a morte lenta do pai do cineasta, os ciclos da natureza e uma pandemia que todos esperamos esquecer – ganhou vários prêmios em festivais internacionais de documentários, tendo registrado um modesto sucesso de público em vários países do mundo.

Primeiramente, o filme saiu vencedor do festival Visions du RéelLink externo, em Nyon, onde, de início, seria exibido apenas em um corte bruto, sem os ajustes finais, a fim de atrair possíveis financiadores. Depois disso, o longa levou o prêmio do Festival de Documentários de Leipzig, na Alemanha, e saiu premiado do Festival Internacional de Documentários de Montreal. Desde então, o filme já foi exibido em diversos festivais de não ficção na Índia, República Tcheca, Holanda, Austrália e em Portugal – e suas viagens pelo mundo estão apenas começando.

No início de 2024, o filme de Mettler voltou à Suíça de língua alemã, a casa ancestral do cineasta, para ser adequadamente lançado nos cinemas da região.

O fato de um filme tão longo e meditativo ter alcançado tamanho sucesso, em um mundo onde atenção é algo tão raro, já é digno de nota. O que torna tudo ainda mais incrível é a constatação de essa obra em particular não ter sido nem ao menos concluída.

Na verdade, foram premiadas apenas a primeira e a quinta parte de um épico de sete seções, que se estende por mais de 10 horas: um projeto extenso, intitulado While the Green Grass Grows (Enquanto a grama verde cresce, em tradução literal), que toma o velho aforismo “a grama do vizinho é sempre mais verde” como ponto embrionário de partida.

Épico e transcendental

O cineasta por trás desse projeto surpreendente é Peter Mettler, um artista multidisciplinar canadense, filho de pais suíços. Ele é conhecido por seus documentários em longa-metragem que abordam temas ambiciosos em formatos épicos: a aurora boreal em 35 mm no filme Picture of Light (1994); a busca de transcendência nas três horas do longa Gambling, Gods & LSD (2002); a consciência dos animais e suas interações com humanos em Becoming Animal (2018, codirigido por Emma Davie); bem como a natureza e a própria passagem do tempo em The End of Time (2012).

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“Nossa intenção [no Visions du Réel] era chegar com um work in progress, com alguma coisa muito inacabada, e tentar levantar recursos para um projeto maior”, disse Mettler à SWI após a exibição com sala cheia de While the Green Grass Grows no Festival de Cinema de Solothurn. O festival é uma vitrine da produção cinematográfica suíça dos últimos 12 meses e acontece sempre em janeiro.

“Émilie [Bujès], diretora do festival, nos encorajou a inscrever o filme na competição. Foi uma espécie de ousadia: ‘Ok, vamos ver se conseguimos finalizá-lo e vejamos o que acontece’. Todo o projeto tinha sido um pouco assim, o filme é muito pouco ortodoxo. Basicamente, não sabemos o curso do filme até darmos o próximo passo”, relata Mettler.

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A exibição em Solothurn encerrou uma turnê de várias semanas com o filme pela Suíça de língua alemã, incluindo Appenzell, a região onde foi filmada boa parte do que vemos nas duas seções concluídas do filme. O projeto começou, depois de vários anos de workshops e pitchings sem muito efeito, apenas com o aforismo central da “grama verde” servindo de guia. O pano de fundo era a região de Appenzell, no leste da Suíça. Em 2019, Mettler recebeu um alguma recurso de um amigo (testemunhamos a entrega desse valor no filme) e, espontaneamente, decidiu começar de imediato.

Tradução como encontro

Ao longo de sua trajetória, Mettler sempre esteve entre dois países – o Canadá e a Suíça. Em sua busca pelo fazer cinematográfico, sua dupla cidadania, bem como seu arquetípico multilinguismo suíço, se misturam a seu estilo extravagante e a sua disposição de se envolver vigorosamente com práticas culturais díspares, sistemas de crenças e tradições intelectuais diferentes. As locações de While the Green Grass Grows, por exemplo – quartos de hospital, estúdios de confinamento, salas de estar com vistas ensolaradas de bosques – são difíceis de serem apontadas com precisão e poderiam estar tanto no Canadá quanto na Suíça.

A maior parte da obra de três horas de Mettler se passa em um espaço imaginado, divorciado do fluxo normal do tempo ou das fronteiras fixas das cidades ou dos países. Ele é um cineasta nato, alguém para quem até mesmo um diário filmado é como a argila a ser moldada em qualquer formato que lhe apeteça. De um momento para o outro, ele consegue passar do mundano para o magistral, do cotidiano para o eterno. Isso pode acontecer no decorrer de apenas algumas sequências habilmente costuradas de, por exemplo, conversas com seu pai à beira da morte em uma caminhada suave ou de uma expedição discreta a uma caverna cerrada nos Alpes.

“Nos meus filmes – e este não é nenhuma exceção –, peço para as pessoas trabalharem com associações. Não é a narrativa que vai arrebatar o público. Nós envolvemos os espectadores para que tirem algo dali em seus próprios termos”, explica o diretor.

Mesmo considerando a renomada habilidade de Mettler, é digno de nota que apenas duas seções de um projeto completo de sete partes sejam tão impactantes e dialoguem tão bem entre si.

“Uma vez que finalmente exibimos o filme, muita gente veio até mim simplesmente para falar sobre suas próprias experiências com entes queridos que já partiram, essa sensação de que o tempo estava passando. E, de alguma forma, eu nem tinha pensado nisso antes [durante o processo]. Eu não estava esperando aquilo. Tinha muita emoção envolvida na experiência de assistir a essas duas partes”, completa o diretor.

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A nódoa pandêmica

Ao ser questionado sobre o possível estranhamento frente a uma recepção dessa ordem a um projeto que está apenas parcialmente concluído, Mettler responde: “Aqueles anos de pandemia foram uma espécie de nódoa – gosto de usar essa palavra para descrever aquele momento. O tempo era lento, mas também rápido. O tempo estava distorcido, era uma nódoa. Depois daquilo, foi bom interagir com as pessoas de novo. Como cineasta, ter retorno de um público real, estar diante das pessoas, passar por essa experiência, isso é algo especial. Essa é definitivamente uma parte importante do fazer cinematográfico. Senti que estava fazendo um exercício depois de ter ficado deitado na cama por semanas”, relata o diretor.

Mettler interrompe seu pensamento por um momento, como se estivesse considerando as armadilhas de um projeto tão épico ter sido tão elogiado quando foi concluído apenas até a metade.

“Devo dizer, contudo, que nunca quis interromper tão longamente algo que imaginava ser uma série [de filmes]. Fizemos a maior parte das filmagens até agosto de 2021. Agora estamos em 2024 e o filme será concluído e apresentado – provavelmente – em 2025. E ainda estão falando a respeito, discutindo, escrevendo sobre ele até agora. Portanto, tenho que repensar minhas estratégias. Esse objeto de dez horas será uma cápsula do tempo daquele momento”, explica.

Muita coisa aconteceu desde meados de 2021. O mundo mudou radicalmente e até mesmo os espaços domésticos e naturais que o diretor retrata – bem como sua própria abordagem do mundo – estão certamente diferentes de alguma forma.

“Ok, muitos eventos, que foram muito significativos para o mundo como um todo, têm também um efeito sobre você como artista. E, de alguma forma, sinto necessidade de reconhecer isso em um epílogo desse filme, um que esteja mais próximo do presente, mas preservando a sensação de que você está assistindo a uma cápsula do tempo. Realmente, estou ansioso para terminar esse filme e seguir em frente”, confessa Mettler.

Homem gravando filme
O diretor Peter Mettler. Peter Mettler

Retorno estranho à casa

Apresentar as duas partes desse projeto em formação nos cantões suíços de língua alemã – que é o lugar onde tudo começou, onde o diretor passa parte de seu tempo, um lugar que tem tanto significado para sua família – deve ter sido uma experiência marcante. “Com certeza,” confirma Mettler.

“Trazer o filme de volta à Suíça foi algo totalmente diferente. Meus pais são de Zurique e da região de St. Gallen, Toggenburg. Comecei a sentir que, ao exibir o filme aqui, eu estava trazendo os dois de volta para cá. Mesmo que a maioria de seus familiares e amigos não esteja mais aqui, alguns vieram assistir ao filme”, conta o diretor.

“Isso mostra a natureza circular da trajetória [dos meus pais]: eles foram para o Canadá, nem estavam casados, não tinham certeza se ficariam por lá. Não era um objetivo ficar lá para sempre. Então eu nasci e me tornei um cineasta que conta a história deles e traz essa história de volta para a Suíça… É uma espécie estranha de retorno à casa”, conclui Mettler.

Edição: Virginie Mangin e Eduardo Simantob

Adaptação: Soraia Vilela

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