A liberdade em três ângulos cinematográficos
Com um programa de 150 filmes de 57 países e mais exposições, “masterclasses” e debates, o Festival Internacional de Filmes de Friburgo (FIFF) está prestes a abrir suas salas e celebrar o cinema em sua totalidade entre os dias 21 e 28 de março.
A 29ª edição do festival procura focar a liberdade, abordada na programação através de vários ângulos, o do humor, do erotismo ou ainda das comunidades ameaçadas de extinção, que se libertam através de sua arte. Sessões especiais, chamadas de “cartes blanches”, organizadas por diferentes personalidades, tentarão mostrar novas perspectivas da história do cinema, tiradas de alguns ângulos mortos do mercado.
Doze filmes, produzidos por catorze países, competem pelo prêmio “Regard d’or”, no valor de 30 mil francos (30 mil dólares). Três programas de curtas-metragens também estarão competindo. Dos 150 filmes exibidos, 113 são estreias. Nunca, em sua história, o FIFF atraiu tantos cineastas. No total, 75 estarão presentes em Friburgo, na Suíça francesa, para defender suas obras e participar das festas e encontros organizados pelo festival.
Com 18 países representados, a Competição Internacional de Curtas-metragens demonstra a diversidade da produção mundial emergente em três programas, cada um com 6 curtas. Entre eles, o brasileiro “A Vida que a Gente Só Ouve Falar”, um documentário da jovem jornalista Júlia Tami Ishikawa que mostra, de forma inteligente, a percepção da linguagem do ponto de vista de duas pessoas que não sabem nem ler nem escrever (veja, abaixo, uma variação do curta apresentado no Sala de Notícias).
Rir de tudo
Durante a apresentação da programação de 2015, Thierry Jobin, diretor do FIFF, falou das coincidências inesperadas que acabaram colocando a edição deste ano em sintonia com a atualidade. “A gente começa a preparar o festival um ano antes. No começo, a ideia era trazer uma certa leveza, que acabou se tornando muito mais séria do que ela era no mês de abril do ano passado. Principalmente com a questão do humor. O título da seção dedicada ao humor que havíamos escolhido em novembro, ‘Pouvez-vous rire de tout?’ (Você pode rir de tudo?) acabou mudando de sentido no dia 7 de janeiro com o atentado contra o pasquim Charlie Hebdo”, conta Jobin.
O diretor artístico explica o que o motivou a criar uma programação especial para a comédia. “Quis ver o que faz rir as pessoas no mundo e se existe outras formas de comédia diferentes das produções americanas, esteticamente muito pobres e que não usam o valor subversivo do humor”, diz Jobim, que considera existir uma verdadeira preguiça na produção mundial do tema.
“A partir do momento em que se enche facilmente as salas com esse tipo de produção, por que ir além?”, questiona. Sem saber o que ia acontecer na França e na Dinamarca, o festival quase que antecipa a questão da liberdade de expressão dos humoristas e cartunistas com o filme “Caricaturistes, fantassins de la démocracie” (Caricaturistas, soldados da democracia), documentário francês de 2014 que mostra como a dimensão subversiva do humor é censurada, abafada ou simplesmente inexistente em muitos países.
Outros 16 filmes abordam por esse ângulo problemas nada engraçados nos nossos dias, como o terrorismo, no filme indiano “Filmistaan” (2012), ou a religião, na produção croata “The Priest’s Children” (2013).
Sacanagem é coisa séria
Para Thierry Jobin, que era crítico de cinema antes de assumir o FIFF, o problema de conseguir obras de qualidade, poéticas e de diversos continentes foi o mesmo para a outra seção do festival dedicada ao erotismo. Ainda mais comercial que os filmes de humor, esse gênero oferece de forma cada vez mais fácil um excesso de imagens através da mídia e da internet.
“Tentei encontrar cineastas que fizessem ainda alguma coisa parecida com a produção dos anos 1970, quando o corpo era celebrado de forma alegre”, diz. Embora a dificuldade em achar bons exemplos do gênero tenha sido grande, o diretor garante ter encontrado algumas pérolas poéticas e hilárias, como o filme russo “Celestial Wives of the Meadow Mari” (2012), o sul-coreano “Playboy Bong” (2013) e o argentino “2+2” (2012).
A programação, chamada Terra Erótica I, também mostra a outra realidade do gênero, cercada de hipocrisia, puritanismo, um mal-estar retratado nessa seção por diretores como o americano Larry Clark (The Smell of Us, 2014) e o dinamarquês Lars von Trier (Nymphomaniac: Director’s Cut, 2013).
No total, 15 filmes, de 12 países, mostrarão as diversas facetas do desejo, o seu lado poético, bem como a “face escondida da lua”. Nessa seção, o festival apresentará 9 filmes em estreia nacional, europeia ou internacional, entre eles o brasileiro “Bruna Surfistinha” (2011), que estreia na Europa com o nome “Little Surfer Girl”.
Culturas discriminadas
O diretor aproveita também para lembrar o papel de tomada de consciência que um festival deve exercer buscando nos ‘ângulos mortos’, como Jobin define a produção que não tem acesso aos grandes circuitos comerciais. “É aí que se encontra a luz, seções como essa dedicada à Síria, este ano, não existiriam se não houvesse uma inspiração cinematográfica nelas”, diz.
Na verdade, o festival de filmes de Friburgo procura focar dessa vez, não um país, mas algumas culturas discriminadas. Assim, outras três seções paralelas ao festival, além das duas dedicadas ao erotismo e ao humor, apresentam 45 filmes e curtas-metragens realizados, ou que abordam, as comunidades sírias, ciganas (rom) e dos índios norte-americanos.
“O cinema ocidental propõe poucas questões fundamentais ou estéticas, diferente do cinema dos ângulos mortos. Quando se tem poucos meios, ou se está submisso a restrições como a censura, a inventividade é muito maior”, explica Thierry Jobin.
FIFF
O Festival Internacional de Filmes de Friburgo, por sua vocação internacional, tem como objetivo assegurar, na Suíça e na Europa, a diversidade cinematográfica e cultural, promovendo filmes de qualidade. Para este fim, as obras selecionadas são provenientes principalmente da Ásia, África e América Latina.
A seleção oficial é separada em duas competições internacionais, uma para os longas-metragens e uma para os curtas. No entanto, existem várias seleções de longas, curtas e médias-metragens fora da competição, bem como panoramas sobre um tema e retrospectivas.
O festival espera acolher 37 mil espectadores em 2015 e tem um orçamento de 2 milhões de francos.
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