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A sala de visitas de Gilberto Gil na Suíça

O mesmo trio que tocou em Cully, durante concerto no Teatro Bradesco em São Paulo. gilbertogil.com

Gilberto Gil, Bem Gil e Jaques Morelenbaum abriram sexta-feira (25/3), o Festival de Cully, o primeiro dos muitos festivais de música que ocorrem na Suíça, da primavera ao outono.

O repertório do concerto – parte de um giro de 19 shows em 40 dias por vários países – é o do disco BandaDois, elaborado e tocado durante dois anos com o filho de Gil, Bem, que toca violão e percussão.

“Um concerto de cordas em uma sala de visitas” é como Gilberto Gil gosta de apresentar o último trabalho,como o fez no Festival de Cully, oeste da Suíça. Ele conta como cordas, além dos dois violões e do violoncelo, suas próprias cordas vocais.

Na tarde de sexta-feira, antes do concerto, ele deu a seguinte entrevista à swissinfo.ch.

swissinfo.ch:  Como foi a inserção do seu filho Bem Gil nesse trabalho?

 

Gilberto Gil:  O Bem começou a tocar violão já era rapazinho. Na infância, ele não demonstrou uma intensidade particular no gosto pela música. Quando adolescente foi se interessando cada vez mais e um dia ele me disse que queria estudar guitarra. A mãe sugeriu até que eu ensinasse, mas eu não tenho aptidões didático-pedagógicas e nunca pensei que pudesse ser um bom professor pra ele. Acabamos encontrando um amigo que foi ensinar violão a ele e esse amigo é interessado na minha música. Então ele introduziu o Bem no meu universo musical. Aí ele começou a ter uma relação muito íntima com meu trabalho. Foi por causa disso que eu o chamei pra tocar comigo. Ele reproduzia meus arranjos com muita facilidade e muito gosto. Então eu achei que seria bonito, como um jogo de espelhos entre eu e meu filho. Inclusive ele ajudou muito a recuperar arranjos antigos, canções que eu já havia esquecido. Esse trabalho tem uma contribuição muito grande desse entusiasmo novo dele.

swissinfo.ch: E no palco, você olha o músico ou também o filho?

 

GG.: Basicamente o músico, mas também o filho no sentido que ele cresceu naquele ambiente, na borda desse lago (risos) que é a minha extensa produção musical. Quando eu falo que esse show parece uma coisa íntima de uma sala de visitas é muito por causa disso. Sou eu e meu filho sentado ali ao lado tocando comigo. Aquilo tem a ver com a música, mas também com a questão da família, da afetividade do plano familiar. Então não é só a música. É a música e a família, né?

swissinfo.ch: E do outro lado, no palco, tem o Jaques Morelenbaum!

 

GG: Eu e Bem tocamos esse repertório durante pelo menos dois anos. Então chamamos o Jaques e ele entrou espontaneamente no ambiente.  Contrariamente ao que ele costuma fazer em outros trabalhos,  ele não escreveu nada nesse caso. Ele não usou o expediente importantíssimo no caso dele, porque ele escreve muito bem, é um arranjador de mão cheia e tal. Mas nesse caso ele veio se adaptar aos arranjos que eu e bem já havíamos feito, dando sua contribuição espontânea justamente para se encaixar nesse ambiente de sala de visita, trazendo a musicalidade extraordinária que é a dele.

swissinfo.ch: Muitos músicos brasileiros da sua geração praticamente deixaram de criar. Você e Caetano não. Você nunca teve receio de perder a capacidade criativa?

 

GG: Não tenho receio porque eu acho que é condição sine qua non. Tem sido assim desde o inicio. Esse já foi o propósito da nossa inserção no mundo musical. Foi pra isso que nós viramos artistas. Quando nós começamos a compor, cantar e estabelecer uma relação com o público, nós já tínhamos isso no coração. Éramos discípulos de Luiz Gonzaga, de Dorival Caymmi, de João Gilberto, de Tom Jobim, todo esse povo que, como nós, dedicaram a vida toda a criar, a buscar, a interpretar e reinterpretar visões, paisagens, sentimentos.

swissinfo.ch: Mas para criar é preciso uma certa inquietação?

 

GG.: No nosso caso, não é uma inquietação que determina. Ao contrário, é uma quietude, é estar assentado nesse campo criativo, nesse mundo da criação. Então é uma coisa que vem de lá. Não precisa que novos ciclos de impulso se estabeleçam através de um expediente chamado inquietude.  É preciso, por exemplo, gostar de tocar violão todo dia. É uma coisa natural pra mim inventar histórias novas no violão. Eu não preciso estar inquieto porque a inquietude está ao redor através dos novos meninos e dos desafios que vão chegando. Todo dia tem um desafio novo, uma proposta nova, alguma coisa que instiga. Então eu não preciso estar inquieto, eu preciso de calma (risos).

swissinfo.ch: Nem no tempo de ministro houve o risco de parar de criar?

 

GG:  Não porque eu não interrompi, na verdade. Eu levava o violão pra todo lado e tocava quase todo dia. E eu tinha meus períodos de licença e de férias em que retomava o contato com o público. Cheguei a conceber um disco, o Banda Larga Cordel, ainda quando ministro. Então não houve interrupção dessa presença forte da música na minha vida, embora eu tenha tido que passar muito tempo me dedicando ao trabalho de ministro.

swissinfo.ch: O Brasil também é um pouco árabe. O que vem ocorrendo o inspira?

 

GG: Todo desejo de libertação de velhas cadeias é sempre bem-vindo para todos nós em todos os lugares do mundo. O que está acontecendo agora na rua árabe, rompendo com os velhos sistemas e as velhas ditaduras, é movimento natural da vida, da transformação. Já é criatividade em si. Aí está uma das dimensões da criatividade: não se conformar, não se ater ao que já existe, ao que já está saturado. Nada mais criativo do que o que está acontecendo na rua árabe.

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