Adensamento urbano: quanto maior, melhor?
Por que tornar as cidades ainda mais densas? O trabalho encontra-se em tamanha transformação, que em breve nem precisaremos mais de escritórios. Uma análise do debate na Suíça.
A torre de 205 metros de altura, que se sobressai sobre os telhados da Basileia como uma gigantesca e estreita barbatana de tubarão, é “uma das torres de prédios comerciais mais sustentáveis do mundo”, escreveu a empresa Roche na inauguração do prédio em setembro de 2022. Trata-se de mais do que um superlativo duplo: o edifício mais sustentável, mais alto e, ainda por cima, branco, reluzente e elegante.
Surpreendente neste contexto é o fato de os diversos anúncios divulgados para o público terem destacado a sustentabilidade e não a altura recorde deste prédio. A construção que custou 550 milhões de francos suíços oferece aos funcionários da Roche um total de 3.200 postos de trabalho, distribuídos por 50 andares. O fato de o arranha-céu ter batido o novo recorde suíço de 205 metros de altura foi mencionado quase como um adendo.
Numa época, em que apenas parte do trabalho precisa que ser executada in loco no escritório, é surpreendente que duas, se não três torres gigantes, estejam sendo construídas dentro de um mesmo complexo arquitetônico.
Quando tantos funcionários podem trabalhar remotamente e online, a questão da sustentabilidade dos locais de trabalho no escritório é levantada de maneira totalmente nova.
Sustentável seria reduzir ao mínimo necessário as viagens de deslocamento dos funcionários, usando as instalações de escritórios apenas para atividades específicas? Como por exemplo no caso das raras reuniões, nas quais um encontro presencial é preferível a uma teleconferência, que, embora confortável, acaba estabelecendo uma maior distância mediada pela tecnologia.
No entanto, faz tempo que especialistas em questões relativas ao local de trabalho vêm questionando o quão produtivo pode ser o trabalho no conforto do lar ou em uma cabana no alto da montanha – isso até mesmo antes da pandemia, a partir da qual o desenvolvimento de novos conceitos de escritório ganhou enorme impulso. Graças ao coronavírus, trabalhar de casa, sem longas viagens de deslocamento, tornou-se de súbito parte do dia a dia. Para muita gente, o trabalho em casa (home office) passou a ser até mesmo obrigatório durante certo tempo.
Quando isso se deu, a maioria dos arranha-céus, hoje utilizados como escritórios, já havia sido construída. As obras, nas quais gruas levantam paredes e vigas às alturas, haviam sido planejadas há muito e continuaram respeitando as regras dos tempos que antecederam a pandemia.
As receitas para uma construção civil sustentável são definidas sobretudo pela engenharia de serviços e pela escolha ambientalmente consciente dos materiais. Substituir o concreto onipresente por madeira só foi algo conseguido por muito poucos, até mesmo nos edifícios mais baixos. Hoje, a indústria não pode mais se esquivar de se esforçar pela utilização de menos recursos na construção e na manutenção dos edifícios.
Ultrapassando o gêmeo
O que se chama de “Bau 2” (prédio 2) da Roche não é a segunda edificação da empresa, mas sim o segundo arranha-céu dela a quebrar o recorde de altura no país. O primeiro fica exatamente ao lado, bem perto de seu gêmeo mais alto.
Com sua fachada igualmente branca e escalonada, o “irmão mais velho” tem exatamente a mesma aparência, embora seja quase 178 metros mais baixo. Em 2016, o “Bau 1” (prédio 1), atingiu o ápice do desempenho suíço em termos de altura de construção. Seu antecessor, a Prime Tower de Zurique, ocupou o primeiro lugar durante cinco anos, com uma altura de 126 metros.
O número de metros, em função dos quais essas torres de prédios comerciais vão além do chamado limite dos arranha-céus – na maioria das cidades suíças, esse limite é de 25 metros –, aumentou vertiginosamente. Não é de se espantar que isso tenha provocado muita agitação. No entanto, transcorridos alguns meses, as pessoas foram se acostumando, como se pode perceber em Zurique e na Basileia, e os ânimos logo se acalmaram.
Maioria no lar
A vida no interior desses arranha-céus cheios de escritórios é, contudo, motivo maior de preocupação do que a silhueta transformada da cidade no horizonte. Esse tipo de edifício parece estar ameaçado pela decadência: se, de um lado, as empresas querem economizar espaço, de outro, os funcionários só querem aparecer para um bate-papo ocasional – todo o resto pode ser feito da mesma forma, se não melhor, de casa. Então tudo combinado, mas para que exatamente serão necessários escritórios no futuro?
O escritório do futuro equivale mais a um clube, sugere Nora FehlbaumLink externo, executiva da lendária empresa de design Vitra. No “clube escritório”, da mesma forma que em um clube de xadrez, de debates ou de futebol, o que está em primeiro plano é a troca e a identificação entre seus membros. Em suas dependências, a empresa distingue áreas de tranquilidade, atividade, privadas e coletivas.
O interior das torres Roche também segue essa tendência de não projetar o escritório como uma câmara silenciosa. Os arquitetos Herzog & de Meuron, responsáveis pela arquitetura dos novos marcos da Roche, adotaram para o interior das torres a ideia de “activity based working ” (ABW), ou seja, o trabalho com base na atividade – conceito desenvolvido nos EUA há uns bons 50 anos, que já sugeria, naquela época, a substituição de um local fixo de trabalho por formas mais flexíveis de organização.
Hoje em dia, a ABW é medida-padrão em termos de organização espacial em muitas empresas multinacionais, entre elas na Roche. Não se sabe, contudo, se as vastas áreas de escritórios nas novas torres da Basileia têm sua capacidade esgotada, pois, de acordo com a assessoria de imprensa da empresa, “não rastreamos a utilização efetiva dos locais de trabalho por departamento”.
De qualquer forma, lugar para trabalhar é o que não falta: o prédio 1 tem 74.200 metros quadrados de área bruta (58 mil deles destinados a escritórios) para 2 mil funcionários. O prédio 2 tem 83 mil metros quadrados de área bruta (61.500 destinados a escritórios) para 3.200 funcionários. E na previsão para o futuro do prédio 3, projetado para ter 221 metros de altura, esses números são ainda maiores.
A Roche destaca mais a coesão entre as pessoas do que o número de funcionários: a aura simbólica dessas torres mais altas da cidade tem como objetivo fortalecer a identificação com a empresa. O prédio 2 é, de acordo com o anúncio, “o elemento central para reunir funcionários in loco”.
Superlativos
Ninguém há de duvidar que os superlativos desempenharam um papel no planejamento desses arranha-céus, mas as torres comerciais na Basileia não são as únicas a reivindicar para si recordes de sustentabilidade.
O anexo da Kunsthaus de Zurique, inaugurado há dois anos, apresentou-se como edificação de destaque em termos de sustentabilidade, graças a soluções técnicas de excelência para uma edificação destas dimensões – dimensões essas que muita gente gostaria que fosse menor.
Os elogios, divulgados pela Roche em todos os canais, a sua própria construção sustentável, esbarraram em ceticismo generalizado. A editora EspaziumLink externo, por exemplo, contestou apontando que a “energia cinza que flui na estrutura de concreto de um arranha-céu como esse e a demolição iminente das estruturas ao redor” não foi considerada.
Seja como for, segundo explicações do engenheiro civil Martin Stumpf, o desenvolvimento posterior da edificação, no caso da segunda torre da Roche, resultou em uma economia de oito por cento de material.Link externo Agora aguarda-se o prédio 3: áreas ainda mais extensas e alturas ainda maiores irão possibilitar um novo superlativo em termos de potencial de economia.
No entanto, há um inconveniente neste contexto: chamar uma edificação de sustentável continua sendo uma questão de métodos de cálculo e valores de referência. E estes valores podem vir a mudar logo, diante da pressão crescente sobre a indústria da construção civil para que os cálculos de avaliações do ciclo de vida sejam feitos de maneira mais cautelosa.
De arranha-céu a clube
Na discussão em torno da sustentabilidade das novas torres da Roche foi levantada a pergunta: o que vai acontecer, se as novas formas de trabalho não demandarem mais arranha-céus cheios de escritórios?
O escritório como clube, por exemplo, poderia ser facilmente alojado em um dos edifícios menores e historicamente significativos da Roche, como as edificações históricas, condenadas à demolição, dos importantes arquitetos Roland Rohn e Rudolf Salvisberg.
Um dos exemplos de remodelação de arranha-céus comerciais desativados é o caso da Fundação PWG, com o projeto de preservação de áreas residenciais e comerciais de baixo custo na cidade de Zurique. No próximo ano, um arranha-céu de escritórios, construído nos anos 1960Link externo, deverá ser transformado em apartamentos nos limites da cidade de Zurique, no bairro de Leutschenbach, próximo à parada de bonde “Fernsehstudio”.
A diretriz, neste caso, é interferir o mínimo na substância das edificações, ou seja, demolir o mínimo e preservar o máximo possível de material. Esse já é um desafio com relação aos seis andares da estrutura de concreto armado de Leutschenbach. Não se sabe, portanto, como a transformação dos 50 ou mais andares das torres da Roche irá se dar. As reutilizações exigem uma certa habilidade em termos de planejamento. Em contrapartida, elas prometem bons balanços no que diz respeito à sustentabilidade da estrutura. Já as perspectivas de novos recordes ou superlativos são, há de se dizer, escassas.
Adaptação: Soraia Vilela
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