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Animadora suíça explora os limites da realidade virtual

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Embora seja considerada a mais futurista das formas de arte, a tecnologia de RV ainda está em estágio inicial. Christopher Small

Fabienne Giezendanner, cujo projeto Bloom foi recentemente apresentado em um festival de realidade virtual em Praga, fala sobre os desafios de combinar arte e tecnologia, a situação da realidade virtual na Suíça e por que ter dois passaportes é uma “grande sorte”.

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A realidade virtual é um tipo de arte vinculado à tecnologia que lhe dá forma. Assistir a uma “experiência” de realidade virtual ou realidade estendida (VR e XR, respectivamente, na sigla em inglês) envolve colocar grandes óculos de plástico, que são quase um capacete. Se esse dispositivo apresentar o menor defeito, se os fios ficarem presos nos tornozelos ou pulsos, ou mesmo se o mundo exterior se intrometer por meio de ruídos ou sensações corporais, a ilusão será imediatamente interrompida.

Caso um artista queira criar uma experiência de realidade virtual, certamente será útil se ele tiver algum conhecimento da tecnologia de programação envolvida. Se suas ambições excederem sua competência tecnológica, ele precisará da ajuda de um desenvolvedor, cujo pragmatismo técnico também poderá limitar a visão do artista.

Durante o ART*VR – o Festival de Realidade Virtual e Arte Imersiva em Praga, realizado em outubro – essas limitações do formato permaneceram em minha mente. O festival é realizado em um museu de arte moderna, o DOXLink externo, e é dividido em uma exposição fixa, na qual uma seleção de projetos pode ser acessada livremente ao colocar qualquer headset, e uma seção competitiva espalhada por outro andar do museu. Nessa seção competitiva, cada projeto tem um único headset para acessá-lo.

Embora a realidade virtual ainda seja vista como a forma de arte mais futurista, sua tecnologia continua obstinadamente primitiva. Os projetos raramente ultrapassam 25 minutos. Os obstáculos vão desde limitações técnicas até o desconforto dos fones de ouvido e a possibilidade de ficar nauseado durante a experiência. A maioria dos projetos são animações computadorizadas ou minifilmes fotorrealistas, filmados com câmeras 360°.

E não há como ignorar a realidade: os gráficos das animações poderiam ser de um jogo de videogame de dez ou 15 anos atrás. As filmagens, apesar de buscarem uma imersão hiper-realista, são marcadas por efeitos óbvios de compressão – os céus estão cheios de pixels, por exemplo.

Os óculos de realidade virtual são produzidos pela Meta, a empresa controladora do Facebook, que também domina o mercado de produção e distribuição desses dispositivos.

Retrato de uma suíça enquanto artista de VR

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Fabienne Giezendanner, VR artist Michal Hančovský

Entre os projetos exibidos no festival de Praga, estava Bloom (2023), da animadora suíço-francesa Fabienne Giezendanner, de 57 anos. Animadora 2D de sucesso, aos cinquenta e poucos anos Giezendanner se atraiu pela possibilidade de fazer arte no espaço virtual. Quando conversei com ela em Praga, fiquei surpreso com o quanto ela enfatizou o grau em que seu trabalho é agora limitado pelo que é tecnologicamente viável.

“Sendo uma artista de animação, isso pode ser bastante frustrante”, disse ela à SWI swissinfo.ch. “Posso pedir dez pássaros ao meu designer e, como os [arquivos de vídeo] têm de ser muito pequenos, ele me diz que não, que precisam ser três. Quando comecei [em 2016], era muito pior, é claro. Mas, mesmo hoje, é preciso manter os arquivos em torno de 200 megabytes por clipe. Isso é muito difícil e significa que temos que adaptar o material constantemente”.

Além disso, há as qualidades formais e narrativas inerentes ao formato. “É um desafio [para um artista imersivo] escrever roteiros no tempo condicional: ‘se, então’. Isso significa que é preciso pensar da seguinte maneira: se o espectador olhar para essa animação de pássaro, então outra animação deve começar. Quando você fica pensando nisso por muito tempo, fica com dor de cabeça”, ela ri. “Mas à noite, quando está jantando, você talvez consiga finalmente começar a entender todas as possibilidades que tem em mãos”.

Uma floresta digital no Bloom

Conteúdo externo

A realidade virtual ainda está engatinhando e a maioria dos projetos possui padrões facilmente reconhecíveis, como a forte atualidade dos temas. O crítico de cinema Roger Ebert certa vez rotulou o cinema como “uma máquina de empatia”, e essa também se tornou uma maneira comum de pensar a realidade virtual.

Os espectadores são colocados no lugar daqueles que, para citar alguns exemplos presentes na mostra em Praga, sofrem abortos espontâneos ou psicose pós-parto, ou que testemunham os maus-tratos sofridos pelas “mulheres de conforto” coreanas, um eufemismo para mulheres que foram forçadas a se prostituírem. Até mesmo um trabalho solto, ricamente texturizado e mais introspectivamente experimental, como Oneroom-Babel (2023), de Lee Sang-hee, é descrito, em sua sinopse, como uma resposta à crise habitacional contemporânea.

Bloom, por sua vez, nos faz mergulhar num pesadelo climático. Na experiência, você se encontra nas ruas de Ornans, na França, onde Giezendanner mora. O Museu Gustave Courbet – artista francês do século 19 que nasceu na cidade – pode ser visto ao longe, fumegando. Cinzas pálidas rodopiam no ar. Ao longe, ouvimos o toque de emergência, o barulho do pânico. Um pássaro aparece, guiando-nos para uma floresta, um refúgio do calor. Olho para minhas mãos – minhas mãos de verdade, atrás do visor. Galhos se projetam delas. Meus pulsos estão cobertos de musgo. Toda a minha mão esquerda começou a se encher de flores; eu me tornei a floresta.

Pergunto como uma animadora 2D enfrenta os desafios e as limitações de um formato virtual. “Primeiro, escrevo a história”, diz Giezendanner. “Em seguida, [meus colaboradores e eu] começamos a reunir os sons e a trabalhar nas animações básicas – por exemplo, a animação do pássaro que ativa a ação que mencionei antes. Começamos a conversar com o animador, ou com a pessoa que faz os planos de fundo. E o desenvolvedor de Unity [designer do mecanismo de jogo] também pode ter uma ideia dos gatilhos que você deseja inserir na experiência”.

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Zoe Roellin in a room with people attached to VR headsets

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Zoe Roellin: uma estrela emergente na arte da realidade virtual

Este conteúdo foi publicado em A realidade virtual conquistam o mundo da arte. A artista suíça Zoe Roellin apresentou “Perennials” no Festival de Cinema de Veneza e agora no Festival ART*VR em Praga. Uma imersão profunda na RV que nos faz questionar a arte.

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Produção de realidade virtual na Suíça

Giezendanner nasceu na Suíça, mas agora vive e leciona na França. Seus motivos são pragmáticos. “Tenho um passaporte suíço e um francês”, diz ela. “Eu me desloco entre os dois países, [dependendo de onde] é mais fácil encontrar financiamento. Se eu encontrar um produtor em um dos dois países, eu mesma posso ser a coprodutora, e isso nos dá dois países, o que torna tudo mais fácil. Para um artista, ter dois passaportes é uma grande sorte”.

A comunidade de ficção imersiva ainda é incipiente na Suíça. Embora existam alguns mecanismos cruciais que sustentam a expansão da prática e da distribuição de trabalhos de realidade virtual, ela ainda está nos estágios iniciais.

“Na França, já existe uma grande comunidade. Há coprodutores, financiamento, curadores maravilhosos. A Suíça tem o GIFF [Festival Internacional de Cinema de Genebra, onde Bloom estreou], o que é ótimo”, diz Giezendanner. “Mas, sim, ainda estamos começando na Suíça. Sendo bem sincera, os salários são mais altos e há menos pessoas dispostas a produzir projetos de RV”.

Financiamento é uma coisa; conhecimento é outra. Embora seja uma forma jovem e ligada a tecnologias de programação avançadas, a VR continua desconhecida e distante para muitos artistas jovens.

“Meus alunos vêm principalmente do cinema, do teatro, da animação e da dança”, diz Giezendanner. “Quando eles começam a trabalhar e a entender como isso funciona, acham que tudo é possível. Meu trabalho é dizer a eles: nada é possível”, diz ela, rindo. “Eles devem pensar no papel do espectador; em uma progressão lógica. Não gosto de experiências passivas [de VR]. Gosto quando o espectador sabe por que está participando da experiência”.

Possibilidades e armadilhas

Todas as formas artísticas são limitadas, principalmente no início, pela tecnologia que possibilita sua existência. À medida que as novas tecnologias libertam os artistas das limitações das formas elementares, sua produção também se torna mais aberta e complexa.

Pense no cinema, que é, na melhor das hipóteses, um primo distante da realidade virtual, apesar das semelhanças superficiais. Filmes digitais de sucesso – como o popular documentário de machinima [filmes criados a partir de jogos digitais] Grand Theft Hamlet (2024) – agora podem ser produzidos sem câmeras, distribuídos sem nunca serem exibidos em uma sala de cinema (embora esse não tenha sido o caso de Grand Theft Hamlet) e ainda assim serem considerados “filmes”.

Talvez eu esteja muito inserido nesse velho mundo. Ao assistir a um projeto como Bloom, me distraio com os fios onipresentes que conectam o visor aos fones de ouvido ou, no caso de outros projetos, ao computador que gera as imagens. O visor nunca se encaixa perfeitamente, de modo que a imersão é prejudicada pela visão do colo da pessoa, visível através da abertura na ponta do nariz. Essas limitações técnicas inerentes funcionam como uma barreira indesejada à noção de que a realidade virtual é realmente um formato imersivo.

Ao mesmo tempo, o festival ofereceu aos participantes a chance de fazer passeios virtuais por um espaço imersivo, seguindo um guia por ambientes VRChat [uma plataforma de realidade virtual multiusuário] que não são limitados a um período de tempo específico, como é o caso dos filmes e animações.

Apesar de sua aparência decididamente lo-fi, a chance de se movimentar em mundos digitais meticulosamente projetados – mais próximos de videogames, nesse caso – claramente encantou aqueles que embarcaram nos passeios. Há, evidentemente, poder nessas possibilidades que estão gradualmente surgindo, uma a uma.

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Edição: Catherine Hickley/fh

Adaptação: Clarice Dominguez

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