Aniversário musical nas alturas
Os acordes da Nona Sinfonia de Beethoven, sob a direção do suíço Charles Dutoit, inauguraram no dia 19 de julho a vigésima edição do que é agora considerado como "o maior festival da Europa fora de uma grande cidade". Um evento em que a estação alpina suíça ganhou reputação mundial entre os amantes da música clássica.
Verbier celebra o sonho visionário de seu fundador, Martin Engstroem, um sueco poliglota carismático que fez carreira como promotor de shows antes de ocupar altos cargos na indústria da música.
“Eu era agente de concertos em Paris, mas em meados dos anos 80 terroristas palestinos como o grupo Setembro Negro tornaram impossível viver nessa cidade”, explica o diretor do festival à swissinfo.ch.
“Então, decidi com minha família deixar a França e nos instalamos em Montreux, em 1986. Alguns amigos nos falaram de Verbier. Aluguei um chalé em 1991 e me apaixonei pelo lugar. Na verdade, acho as montanhas mais espetaculares no verão do que no inverno.”
O festival de música clássica foi lançado no verão de 1994 e se tornou, junto com o Festival de Lucerna e de Gstaad, um dos maiores eventos musicais do gênero na Suíça.
O encontro na cidadezinha do cantão do Valais se destaca por sua academia e orquestra, onde são formados músicos com menos de 30 anos de todo o mundo. O regente da Orquestra do Festival de Verbier é o suíço Charles Dutoit.
Na academia, os jovens são dirigidos por alguns dos melhores regentes do mundo e aprendem a tocar juntos música sinfônica e de câmara. Além disso, grandes solistas internacionais oferecem master classes. Várias são abertas ao público.
Por Verbier passaram grandes figuras da música clássica contemporânea, das pianistas Martha Argerich e Evgeny Kissin aos regentes Zubin Mehta, James Levine e Michael Tilson-Thomas, passando pelos violinistas Maxim Vengerov e Gidon Kremer bem como vários atores, escritores e artistas.
O festival tem um orçamento de 9,3 milhões de francos suíços para esta edição, que será realizada de 19 de julho a 4 de agosto.
Promover o turismo de verão
Verbier não era então a localidade exclusiva de hoje. As autoridades locais confiaram a Engstroem o mandato para criar um evento que pudesse atrair visitantes durante o verão e mudar a percepção de Verbier como estação de segunda categoria.
“Queriam um conceito que aumentasse a atratividade de Verbier para os compradores de chalés, basicamente pessoas ricas. Acho que depois de 20 anos, posso dizer que atingimos um sucesso total”, diz satisfeito.
“A ideia do festival surgiu porque eu queria começar um evento no qual tivesse a última palavra”. Para concretizá-la, Engstroem recebeu a ajuda providencial de Avi Shoshani, secretário-geral da Orquestra Filarmônica de Israel e um dos homens mais conectados do fechado mundo da música clássica.
“Avi é como um irmão. Ele veio em Verbier, em 1991, para passar o verão com sua família e aproveitei para falar do meu projeto. Ele decidiu me apoiar e é graças a suas amizades que conseguimos um altíssimo nível artístico desde o início.”
O homem de Tel Aviv
“Na primeira temporada, todos os músicos que vieram eram amigos pessoais, como Zubin Mehta e Pinchas Zukerman (violinista). Mas logo já não vinham só pela amizade, mas porque o projeto cresceu e o modelo de Verbier se tornou uma marca reconhecida”, diz Avi Shoshani por telefone de Israel.
“Acho que encontramos a fórmula certa. Nosso maior desafio será manter este nível de qualidade. Alcançamos um nível que será difícil de superar”, acrescenta.
Um comentário recorrente entre os músicos assíduos de Verbier é que o festival permite que passem uns dias tranquilos com a família e amigos. EsSes encontros conviviais servem para trocar ideias com os colegas e dar forma aos futuros projetos. Um momento raro em uma profissão em que estresse, aviões, ensaios e os quartos solitários dos hotéis são comuns.
Nasceu em Estocolmo (Suécia), em 1953, estudou história da música e russo antes de iniciar sua carreira organizando shows em sua cidade natal.
A partir dos anos 70 mudou-se para Londres e depois para Paris, onde trabalha como agente de artistas e promotor de concertos.
Em 1987 mudou-se para Montreux (Suíça), onde trabalha como consultor da EMI France. Entre 1999 e 2003 ocupou o cargo de vice-presidente do selo Deutsche Grammophon.
Trabalha na indústria da música até 2005, conhecendo muitos artistas que são estrelas da música clássica de hoje. Alguns exemplos são a soprano russa Anna Netrebko, a pianista francesa Hélène Grimaud e os chineses Lang Lang e Li Yundi.
Momentos inesquecíveis
Verbier acolhe não só músicos clássicos. Passaram por suas salas também escritores, como Yasmina Reza e Paulo Coelho, atrizes, como Vanessa Redgrave ou a suíça Marthe Keller, e cantores como Ute Lemper e Rufus Wainwright, atração principal do festival deste ano.
Avi Shoshani lembra com saudade alguns “momentos marcantes, como a visita da cantora islandesa Björk, ou a leitura das cartas de Dmitri Shostakovich na voz do lendário ator britânico Sir Ben Kingsley. Ou um recital do violinista Maxim Vengerov em que a tempestade foi tão forte que as pessoas se sentavam em volta do palco para ouvir. Essa proximidade e intimidade criou um momento mágico”.
Outra história gira em torno de dinheiro, essencial para a realização de projetos da escala do Festival de Verbier. “Eu nunca vou esquecer quando Helmut Maucher, então CEO da Nestlé, nos assegurou o apoio financeiro antes mesmo que darmos os primeiros passos. Maucher disse: “Eu acredito em você e em seu projeto e irei apoiá-lo com base nessa confiança”, lembra Shoshani.
Formar as gerações futuras
“O dinheiro está sempre no centro de todos os problemas e todas as possibilidades”, confirma Martin Engstroem, embora com um orçamento de 10 milhões de francos por ano, os projetos parecem ir de vento em popa, especialmente a formação musical, uma das grandes conquistas de Verbier.
“Acho que o futuro passa por uma plataforma de aprendizagem permanente para jovens músicos. As colônias de férias de verão para crianças também têm um enorme sucesso. Verbier é como uma ilha onde os jovens músicos podem encontrar encorajamento e inspiração. Também queremos desenvolver atividades em torno da dança e da literatura”, diz o diretor do evento.
Na Suíça, há muitos festivais de música clássica. É possível manter tantos eventos em tempos de crise? “Há também muitos músicos, e a cada ano os conservatórios fiormam ainda mais, assim como há uma abundância de arquitetos e advogados. No final, sobrevivem os que têm mais talento, os mais criativos. E o mesmo vai acontecer com os festivais de música”, responde Martin Engstroem.
“Temos o maior festival da Europa fora de uma grande cidade. Nós combinamos formação, natureza e férias culturais que incorporam crianças e jovens. Acho que as pessoas que nos criticam por alimentar o star system estão simplesmente com inveja do nosso sucesso.”
Adaptação: Fernando Hirschy
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