Annette: esposa, modelo e musa de Alberto Giacometti
O Instituto Giacometti, em Paris, está celebrando o centésimo aniversário do nascimento de Annette Giacometti, mulher e modelo do artista suíço. Ela era também a arquivista da sua imensa obra, que será apresentada a partir de 2026 em um novíssimo Museu Giacometti em Paris.
Alberto e Annette Giacometti viveram juntos vinte e três anos (1943-1966), em uma união livre e sem restrições, também sem filhos: o casal não era o sonho dos defensores da família tradicional, que ainda era muito numerosa naqueles anos.
Mas, artisticamente, a fidelidade de um pelo outro era absoluta. A partir de 1943, Annette tornou-se quase a única modelo, ou pelo menos a única modelo nua, para o artista grisão. E após a morte de Alberto, Annette reuniu sua obra com uma perseverança admirável.
Annette Arm tinha vinte anos e ele quarenta e dois quando se conheceram em plena guerra em um bar na Place du Molard em Genebra, onde Alberto, nascido em Stampa nos Grisões mas parisiense por adoção, se tinha refugiado em 1942.
Namorar com Giacometti não foi fácil. O escultor disse-lhe logo que continuava a ver a sua “ex”, Isabel, embora a tranquilizasse: “Vejo Isabel muitas vezes, mas cada um na sua, mais complicado do que tudo aqui, ah!, não a vida bonita que há entre nós dois, você e eu”, escreveu para ela de Paris, logo após a guerra.
“Um lar sem esperança”
Annette não se deixou desencorajar, mesmo quando descobriu o pequeno ateliê de Alberto em Paris, em julho de 1946. A escritora e pioneira feminista Simone de Beauvoir, que os conhecia bem, “admira [esta] jovem mulher por aceitar tal vida; depois do seu dia como secretária, regressa e encontra este lar sem esperança, não tem um casaco de inverno e usa sapatos gastos. Para vir viver com ele, deixou a família e tudo no mundo; ela é muito simpática. Ele é muito apegado a ela, mas como não é do tipo carinhoso, ela passa por momentos bem difíceis”.
Em 1948, Annette deixa o emprego de secretária para se dedicar inteiramente ao papel de modelo. E “posar para o artista não era fácil”, escreve Thierry Pautot, curador da exposição no Instituto Giacometti. Muito exigente, Giacometti não tolerava o menor movimento, e as modelos passavam horas a observar e a sentir os tormentos da criação.
De Paris a Stampa
Desenhos, pinturas e esculturas em bronze se sucedem, nos quais percebemos a silhueta de Annette, “compleição bastante atlética, cintura bem definida, belas ancas, seios ligeiramente caídos, pescoço esguio, cabeça oval”, como a descreve Thierry Pautot.
Annette tornou-se a musa, o ideal feminino do trabalhador obsessivo que era Giacometti, que, à força de esculpir e pintar noite e dia, perde um pouco o sentido da realidade, como atesta este diálogo relatado por Thierry Pautot: à noite, no café, Giacometti encontra Annette, que pousou para ele durante todo o dia. “Então, como você está?”, pergunta o artista. “Não nos vimos o dia todo”. “Mas sim, eu pousei para você por horas!” Giacometti pintava a musa, não a esposa, resume o curador da exposição.
Casado em 1949, Alberto pôde finalmente apresentar Annette à sua mãe Annetta, que não transigia com as convenções. Em Stampa, no entanto, Annetta reserva uma boa acolhida à nora. “Fico feliz em saber que vocês três estão entusiasmados com seus trabalhos”, escreve ela para Annette, Alberto e seu inseparável irmão Diego. “Digo o trabalho de vocês, pois vejo tanto a estrela como os dois satélites apaixonados pela própria obra”, acrescenta Annetta.
Nem um pouco ciumento
“Satélite”, mas nem por isso submissa. Annette leva sua própria vida amorosa, especialmente com o filósofo e crítico de arte japonês Isaku Yanaihara, um admirador incondicional de Giacometti. Ao jovem japonês que lhe confessa seu “crime”, Alberto responde: “Nada me é mais estranho do que o ciúme. Esse sentimento que transforma o marido, a esposa, o amante em uma posse, que quer possuir as pessoas como objetos, que quer dominá-las, acorrentá-las… Não há pior ataque à liberdade”.
Em suma, no mundo de Giacometti o amor é livre, mas de obediência quando se tratava de posar para ele. Apesar de Annette se ter distanciado e mudado para outro local em Paris, ela o segue por toda parte, até Nova York em 1965, onde um Giacometti doente apresenta suas obras no Museu de Arte Moderna.
Após a morte do artista, no início de 1966, Annette embarca em um grande projeto para reunir suas obras e criar um catálogo. Ela mandou desmontar as paredes do pequeno ateliê no 14º arrondissement de Paris e lançou as bases para uma Fundação Alberto e Annette Giacometti.
Um futuro grande museu
O atelier ainda não chegou ao fim de sua jornada: reconstituído hoje no Instituto Giacometti, migrará em 2026 para as paredes do futuro Museu Giacometti. Deixando seu modesto, mas encantador 14º arrondissement para ocupar um lugar de destaque na Esplanada dos Inválidos. É lá, num soberbo edifício de 1900, construído para a Exposição Universal, que mais tarde se tornou uma estação de trem e depois a sede da Air France, que o futuro museu será instalado.
“Com mais de 10 mil obras, a Fundação alberga a maior coleção de Giacometti, junto com a do Kunsthaus de Zurique”, confessa sua secretária-geral, Soizic Wattinne. No entanto, o pequeno Instituto Giacometti de Paris com seus 350 m² já não é suficiente, tendo em conta o entusiasmo que sua obra continua a suscitar.
A antiga estação dos Inválidos vai dispor de sete mil metros quadrados para exposições, uma escola e os escritórios da Fundação. Situado no coração do “Triângulo de Ouro” dos museus parisienses (Grand Palais, Museu d’Orsay etc.), o futuro estabelecimento promete atrair um grande número de visitantes. “O edifício é lindo, mas está péssimas condições”, constata Soizic Wattinne. Terá de ser renovado de acordo com os cânones e normas de hoje, sobretudo em matéria ambiental.
Ninguém sabe se Annette, falecida em 1993 e que conheceu a atmosfera algo rude, mas acolhedora, do ateliê na rua Hippolyte-Maindron, teria apreciado ver seu marido exposto no coração da Paris.
Exposição: “Annette, além do infinitoLink externo“, no Instituto Giacometti em Paris, até 27 de setembro de 2023.
Adaptação: Karleno Bocarro
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