Antimatéria do Cern ameaça o Vaticano – no cinema
No filme "Anjos e Demônios", a antimatéria gerada no Centro Europeu de Pesquisa Nuclear (Cern), em Genebra, desempenha um papel importante, mas pouco realista.
No entanto, o diretor de pesquisa do Cern, Sergio Bertolucci, vê na ficção levada à tela por Hollywood uma chance para mostrar a realidade da pesquisa sobre o “Big Bang”.
Poderes obscuros infiltram a Santa Sé, a polícia do Vaticano e aparentemente também a honrosa Guarda Suíça. E isso num momento difícil. O papa está morto, as lágrimas de seu secretário particular caem sobre o “anel do pescador”.
Troca de cenário: em Genebra, o chefe do hipermoderno Cern perde um olho e a vida. Apesar do sangue e das lágrimas, a multidão na Praça de São Pedro, em Roma, canta à espera do novo líder da Igreja. Nos EUA, o simbologista Robert Langdon (Tom Hanks) nada na piscina.
Anjos e Demônios, baseado no romance homônino de Dan Brown e que chega aos cinemas esta semana, começa com imagens impressionantes rodadas no Cern. O diretor Ron Howard, que já levou o Código Da Vinci (2006) às telas, mantém o ritmo enérgico até o fim.
A antimatéria – também denominada “partícula divina”, por se supor que dela se originou o universo – é roubada do Cern imediatamente após a sua produção. Quatro cardeais são seqüestrados pouco antes da eleição do papa. Todas as pistas levam à “Illuminati”, uma organização secreta de cientistas que querem se vingar de uma injustiça eliminando a Igreja.
O Vaticano pede socorro ao seu arquirrival, o simbologista Robert Langdon, interpretado por Tom Hanks, como em Código Da Vinci. Ele é apoiado pela jovem pesquisadora nuclear Victoria Vetra, representada pela atriz israelense Ayelet Zurer.
Pura fantasia
Em sua misteriosa busca de símbolos e dos quatro elementos (fogo, água, terra e ar), Langdon faz uma caça frenética pelas criptas, igrejas e catedrais de Roma – onde ele supõe que estejam escondidos os reféns e a antimatéria – num crescendo de velocidade, brutalidade e complicações.
No filme, a antimatéria é um grama de substância perigosa, carregada numa caixa de cerca de 30 centímetros, capaz de implodir a Cidade do Vaticano. “Uma caixa dessas para antimatéria realmente existe, só que ela tem as dimensões de um quarto”, diz Michael Hauschild, pesquisador do Cern, ao portal Halterner Zeitung.
“Esse um grama da esquisita substância – com o mesmo volume de matéria convencional – teria um poder explosivo de cerca de 40 quilotons de TNT, o que corresponde a três bombas de Hiroshima”, explica Hanspeter Beck, pesquisador do Instituto de Física da Universidade de Berna e do Cern, num convite para um debate público sobre o filme.
“Sugere-se ao público que a substância destrutiva possa ser produzida em grandes volumes no Cern. Mas essa suposição é pura fantasia. A física real por trás disso é completamente diferente”, acrescenta o cientista suíço.
Antimatéria existe
A fantasia do escritor Dan Brown e do cineasta Ron Howard gera tantas dúvidas que o Cern resolveu responder em seu próprio site uma série de perguntas sobre Anjos e Demônios (veja link na coluna à direita). Duas delas são:
A antimatéria existe?
“Sim, ela existe, e nós a produzimos rotineiramente no Cern. A antimatéria foi predita por Paul Dirac (físico britânico, Prêmio Nobel de Física e co-fundador da Física Quântica) em 1928, e as primeiras antipartículas foram descobertas pouco depois por Carl Anderson. O Cern não é o único instituto de produção e pesquisa de antimatéria.”
Podemos fabricar bombas de antimatéria?
“Não. Levaria bilhões de anos para produzir antimatéria suficiente para uma bomba com destrutividade semelhante às “típicas” bombas de hidrogênio, das quais já existem mais de dez mil”, responde o Cern.
“Para produzir tanta antimatéria, precisaríamos de dez vezes mais tempo do que a idade do universo – 13,7 bilhões de anos”, explica Michael Hauschild. Em vez disso, os físicos do Cern produzem algumas dezenas de milhares de átomos completamente inofensivos. E isso quando o Grande Colisor de Hádrons (LHC) funciona.
Cern goes Hollywood
O filme naturalmente não mostra que o LHC, que sofreu uma pane apenas dez dias após sua inauguração em setembro de 2008, permanece desativado para conserto até o final deste ano. O espectador também não nota que o detector Atlas ainda não estava pronto durante as filmagens em 2007.
A obra mistura fatos com ficção, informações são idealizadas e encurtadas, mas isso não incomoda o diretor de pesquisa do Cern, Sergio Bertolucci. “O fato de Anjos e Demônios ser um romance best-seller e agora um filme de Hollywood nos dá a oportunidade de mostrar quão emocionante é a realidade da pesquisa de antimatéria”.
Segundo ele, “tanto a ficção quanto a ciência nos querem levar do ordinário para o extraordinário; a diferença é que a ciência tem de operar inteiramente dentro realidade”. A ciência por trás da fantasia parece tão emocionante quanto a trama do filme.
A equipe de Ron Howard saiu satisfeita de Genebra. “Foi um privilégio trabalhar com o Cern,” disse o diretor do filme. “Os cientistas aqui foram incrivelmente atenciosos em nos explicar a ciência, dando-nos acesso a alguns lugares incríveis. Penso que o que eles fazem aqui é fantástico.”
Quem parece não gostar muito das fantasias de Dan Brown é a Santa Sé. Ron Howard acusou o Vaticano de tentar por obstáculos às filmagens em Roma. Ele e seus técnicos teriam levado mais de 250 mil fotos e material de vídeo para os EUA com a ajuda de “falsos turistas”. A Catedral de São Pedro e a Capela Cistina foram reconstruídas em Hollywood.
Muito espaço para religião
Mesmo assim, após a pré-estreia mundial na semana passada em Roma, jornalistas italianos consideraram o filme “uma grandiosa publicidade para a cidade eterna”. Também o Vaticano quebrou o silêncio oficial.
O L’Osservatore Romano, jornal do Vaticano, escreveu que a Igreja deveria se questionar por que uma visão “simplista e parcial” dela, conforme mostrada nas obras de Dan Brown, encontra tanto eco, mesmo entre católicos. “Seria provavelmente um exagero considerar os livros de Dan Brown um sinal de alarme, mas talvez eles devam ser um estímulo para que se repense e renove a maneira como a Igreja emprega a mídia para explicar suas posições sobre as questões mais candentes do momento”, diz o editorial.
Já o físico Michael Hauschild considera “notável” o interesse dos evangélicos dos EUA pelo filme. Motivo: os pesquisadores do Cern tentam descobrir como o universo se desenvolveu após o big bang. “Esse trabalho não contradiz a fé cristã. Quem foi responsável pelo Big Bang não é assunto nosso. Aí há muito espaço para religião.”
Geraldo Hoffmann, swissinfo.ch (com agências)
Título: Anjos e Demônios
Título Original: Angels & Demons
País de Origem: EUA
Gênero: Policial
Ano de Lançamento: 2009
Estréia no Brasil: 15/05/2009
Estúdio/Distrib.: Sony Pictures
Duração: 138 minutos
Direção: Ron Howard
Elenco
Ator principal: Tom Hanks (Robert Langdon)
Veja o elenco completo no site oficial do filme:
www.angelsanddemons.com/
Curiosidade
No filme, o comandante da Guarda Suíça no Vaticano é Stellan Skarsgård (47) – um sueco. E o jovem oficial Chartrand é interpretado pelo dinamarquês Thure Lindhardt (34).
Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!
Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.