Dupla suíça explora organicidade da arte no Rio de Janeiro
Em residência no Rio de Janeiro, os artistas suíços Gerda Steiner e Jörg Lenzlinger refletem sobre as relações humanas e a natureza no século XXI.
Chego à sede da Escola de Artes Visuais (EAV) do Parque Lage, no bairro do Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, quinze minutos antes de o programa começar. Em um salão revestido de mármore do antigo palacete que abriga a escola estão distribuídas cerca de quarenta cadeiras de madeira preta. Um projetor lança na tela a imagem de uma mulher que abraça por trás um homem que aparenta ser o capitão de um navio. A delicada figura feminina que na foto tenta suspender um sujeito o dobro de seu tamanho é a artista suíça Gerda Steiner, que junto ao parceiro Jörg Lenzlinger, fazia, naquele início de noite, os preparativos finais para uma apresentação, parte de uma residência artística na cidade de um mês, encerrada no dia 15 de março.
Artistas reconhecidos por instalações que propõem uma interação entre as pessoas e o meio-ambiente, a dupla esteve no Rio a convite do Instituto InclusartizLink externo. Gerda e Jörg, que moram em Langenbruck, aldeia nas cercanias de Basileia, estavam inseridos, naquela noite no Parque Lage, em uma programação que incluía a “possibilidade da arte no antropoceno”.
Definição ainda disputada pela ciência para o período no qual a ação do homem passou a interferir no ambiente do planeta, de forma a conformar uma nova era geológica, o antropoceno e a arte são, também, tema de uma pesquisa efetuada pela japonesa Yuko Hasegawa, curadora-chefe do Museu de Arte Contemporânea de Tóquio, a outra participante da residência carioca.
No dia seguinte à apresentação na EAV, Yuko partiu para a Amazônia. Gerda e Jörg ficaram na cidade, onde receberam a swissinfo.ch para uma conversa em uma mansão no bairro do Jardim Botânico, lugar no qual o Inclusartiz costuma hospedar artistas e curadores para imersões no Rio de Janeiro.
Assistir à apresentação no Parque Lage foi uma das condições para a entrevista. A outra, a de que não fossem feitas fotos. “Queremos mostrar o nosso trabalho. Nosso rosto não tem importância”, diz Gerda, sorridente, enquanto abre o laptop recheado de imagens ao lado de Jörg, em uma ampla sala com vista para a Lagoa Rodrigo de Freitas, um dos principais cartões postais da cidade.
“Foi muito divertido”, sorri Gerda, dando pista de que o humor, ou uma fina ironia, perpassa o fazer artístico da dupla.
Arte fértil
Gerda & Jörg se utilizam frequentemente de materiais recicláveis e de uma matéria-prima peculiar: fertilizante agrícola artificial à base de uréia que, adicionado a outros líquidos, forma cristais. Na apresentação para os estudantes da EAV ganhou destaque a instalação Soupe Verte (Sopa Verde, v. na galeria abaixo), na qual um prato com fertilizante na cor verde foi deixado para crescer em uma mesa de jantar em um castelo em Chaumon-sur-Loire, na França. “Os franceses adoram comer”, brincou Gerda para os estudantes da plateia.
“Nós brincamos com isso. Quando você adiciona ao fertilizante artificial pequenas substâncias ou uma cor, isto muda a forma como cristaliza. Nós trabalhamos com esta energia que está lá, com a dinâmica que existe. Conforme o ponto inicial, a estrutura dos cristais muda. Ela continua a crescer conforme a alimentamos com líquidos, e cada vez mais rápido, conforme a quantidade. Afinal, que energia é esta que consumimos?”, pergunta Jörg.
“Vivemos com os fertilizantes, faz parte da nossa vida. Nas instalações os usamos de forma diferente. Em uma cidade grande como o Rio de Janeiro, você pode não ter muitas opções sobre quais vegetais consumir, se orgânicos ou não. O governo permite pesticidas, sem grande controle, também para a cultura de soja, por exemplo. O fertilizante artificial traz todas estas questões à superfície, sobre o que comemos, sobre a monocultura na agricultura”, diz Gerda.
Plantas e sociedade
No Rio, onde estiveram para “observar”, visitaram jardins, o laboratório de sementes do Jardim BotânicoLink externo e a estação de tratamento de água da cidade. “Não queríamos ver os jardins mais bonitos, mas a relação que as pessoas têm com as plantas e o contexto social”, diz Gerda. Por conta disso, uma das paradas da dupla foi o projeto Canto das Flores, na Lapa, que cultiva diferentes espécies de plantas, muitas delas “não convencionais”, como espinafre amazônico, begônia e jambu. “São plantas selvagens, quase todas comestíveis. Eles plantam na cidade e para a cidade, achamos muito interessante”, conta Gerda.
Elementos como água, sementes, plantas e lixo, parecem ser preocupações centrais. O uso de materiais recicláveis, e que encontram nas ruas onde farão seus “shows”, é recorrente. Em 2008, por exemplo, realizaram a instalação Water Hole em Melbourne, durante um período de prolongadas secas na cidade, na qual recriaram uma fonte de água a partir de materiais como galhos secos, banheiras e torneiras. “Transformamos objetos que gastavam água em objetos que guardavam água. Apresentamos o lixo de modo a torná-lo algo precioso. As pessoas reconhecem sua vida de outra maneira. Jogamos com estas interpretações”, dizem.
Já na instalação que fizeram no CCBB, “The Dream of the Office Plant” no Rio, em 2008, na primeira vez em que estiveram na cidade, utilizaram folhas e restos encontrados nas ruas durante o carnaval, como notas falsas de dinheiro. “Era o pesadelo das plantinhas de escritório”, ri Gerda, em referência à exposição na qual, de um pote de planta, cresciam ramos que tomavam todo o espaço da instalação.
Suas preocupações artísticas giram em torno à dinâmica da vida humana, inseparável, para eles, da assim chamada ‘natureza’. “As pessoas e o meio ambiente são uma coisa só”, diz Gerda. “Muitas pessoas acham que devem ir a uma floresta para ver a natureza. Nós não pensamos assim. Para nós a natureza está dentro de nós, não está em outros lugares”, reflete Jörg.
Sobre os resultados da experiência no Rio, ponderam: “Difícil dizer já que ainda estamos imersos na vivência. Estes efeitos virão, com certeza, e aparecerão em nossos futuros trabalhos”. Como sementes selvagens, quem sabe.
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