Pela primeira vez Brasil recebe uma exposição de Paul Klee
Pela primeira vez o Brasil recebe uma grande exposição de obras do pintor suíço Paul Klee, apesar de duas pinturas suas terem sido destruídas durante o incêndio em um museu no Rio de Janeiro. Em três capitais serão exibidos 120 trabalhos e a vida de um artista marcado pela guerra e perseguição política.
São 123 trabalhos da coleção do Centro Paul KleeLink externo, de Berna, selecionados exclusivamente para o público brasileiro, sob a curadoria de Fabienne Eggelhöfer. “Queremos começar um diálogo com as pessoas no Brasil”, afirma a especialista, que quer aprofundar no país as pesquisas sobre a influência de Klee em trabalhos de artistas brasileiros e vice-versa. Ela já anuncia, para os próximos dois ou três anos, uma nova exposição com o resultado desse estudo.
Influência de Klee no Brasil
“Equilíbrio InstávelLink externo” é uma retrospectiva de todas as fases da carreira do artista. A mostra, beneficiada pela Lei Federal de Incentivo à Cultura, segue em São Paulo, gratuitamente, até 29 de abril, no Centro Cultural Banco do Brasil Link externo(CCBB). Depois disso, será apresentada no Rio de Janeiro, em maio, e em Belo Horizonte, em agosto. São 58 desenhos, 16 pinturas, 39 papéis, 5 gravuras, 5 fantoches, dos mais de 4 mil trabalhos do acervo do centro, que foram trazidos ao Brasil e reproduzem a trajetória de Klee na experimentação de diversos estilos, traduzindo a sua importância como um ícone da arte moderna.
A curadora Fabienne afirma não haver provas concretas, mas diz ser possível perceber referências de Klee nos trabalhos de artistas brasileiros. Nos arquivos do centro estão guardadas, por exemplo, correspondências dos anos 1920 entre o suíço e o artista lituano naturalizado brasileiro, Lasar Segall (1889- 1957). “Segall era amigo de Kandinsky (Wassily Kandinsky, 1866-1944) que também era amigo de Klee”, diz ela, acrescentando ser esse um dos pontos a ser mais investigado.
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Ela também diz querer entender melhor o motivo de um artista como ele só ter uma obra exposta em uma coleção pública no Brasil, embora tenha havido outras exposições com a presença de trabalhos de Klee, como em São Paulo, nos anos 1920.
A única obra de Klee em um museu público está no MAC USPLink externo (Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo). É a gravura “A santa da luz interior” (Die Heilige vom innern Licht), de 1921, doada por Erich Stickel, colecionador paulista de origem alemã, ao MAM SP, em 1955, tendo sido integrada à coleção do MAC USP, em 1963, como doação da coleção de Francisco Matarazzo Sobrinho.
Outras duas obras de Klee, Stoltz (1937) e Tintawa (1920), fizeram parte da coleção do MAM do Rio de Janeiro, mas foram destruídas no grande incêndio que acabou com quase todo o acervo em 1978. Segundo Fabienne, também não há muitas obras de Klee no Brasil nem mesmo em coleções privadas.
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Sombra do nazismo
A mostra atual, dividida nas fases “Desenhos de Infância”, “Estudos da Natureza”, “Invenções”, “Retratos de Família” e “Caminhos para abstração”, o visitante se depara com criações de Klee desde a infância, como o desenho da árvore de Natal, de 1884, até o seu último trabalho, um óleo sobre tela sem título, de 1940.
Na exposição, há mais presença de trabalhos da fase madura do artista, que registram impressões e angústias sobre um dos períodos mais sombrios da história mundial, a escalada do nazismo e as perseguições políticas que resultavam disso.
Embora tenha trabalhado com diversos estilos, como o Cubismo, o Expressionismo, o Construtivismo e o Surrealismo, Klee não representada nenhum em particular. Fabienne afirma que ele teve aproximação com o movimento surrealista, porque os artistas que assim se identificavam o incluíram como o primeiro surrealista, mas Klee não fazia parte, de fato, do movimento. “Eles que davam uma importância muito grande para o trabalho de Klee”, argumenta.
Na verdade, Klee se recusava a se limitar a qualquer padrão. “Ele não gostava de pessoas com pensamento estreito, limitado; acreditava na liberdade em todos os aspectos”, afirma a curadora, comentando um episódio da sua vida na Bauhaus, onde foi professor.
Vale dizer, de acordo Fabienne, que menos pela vontade de ensinar do que pela necessidade de ter uma fonte de renda segura. “Havia uma área textil que eles determinavam só trabalhar com cores primárias e Klee se recusava a fazer isso”, conta ela, acrescentando que, para ele, quando se limita ou se é limitado, era como uma rua sem saída, era não ter para onde ir.
Importância da música
Na exposição, além das pinturas, o visitante conta com vídeos sobre a vida do artista, como o depoimento do seu filho, Felix, e pode acompanhar cronologicamente toda a trajetória de Klee mesclada aos acontecimentos da época em um grande painel no subsolo do CCBB.
A música tem destaque nessa área da mostra. Violinista, Klee foi estimulado pelo pai alemão, Hans, que dava aulas de música, e pela mãe, Ida, que estudara canto e piano. Uma grande imagem no local o destaca em uma de suas formações musicais, que tocava também com a mulher, Lily, pianista profissional. No seu vocabulário artístico era comum encontrar conceitos musicais, como “tonalidade”, “polifonia”, harmonia” ou “ritmo”.
É no subsolo que está também um fac-símile do “Angelus Novus” (1920), cujo original faz parte do Museu de Israel. O trabalho ganhou notoriedade depois de um texto escrito pelo filósofo alemão Walter Benjamin, que adquiriu a aquarela de Paul Klee em 1921, por 1.000 marcos, do galerista Hans Goltz (ver box). Benjamin descreve a obra do artista com sua própria interpretação, exatamente como Klee esperava dos apreciadores da sua arte.
“Ele dava o título para obras depois de estarem prontas”, diz a curadora. Ela conta que, sentado com a mulher, eles tomavam um vinho, o filho também participava, e aquela nomeação da obra se tornava o resultado de uma associação, e não um significado que chapava o trabalho. “Ele queria que houvesse uma pós-interpretação, uma criação posterior por parte do público”.
Mas se o fim da obra tinha toda essa liberdade criativa, o início também não era diferente. Para Klee, era importante que as pessoas, muitas delas seus alunos, entendessem que a forma não é uma coisa que simplesmente está lá; mas sim é criada, nasce.
Em sua visão, tudo vinha de um ponto, que a partir de um movimento pendular, por exemplo, poderia virar um triângulo, e seguindo para um movimento ainda mais amplo, poderia se tornar um círculo. Ponto de onde ele tirou traços, linhas e inseriu cores para formar desenhos, ainda que abstratos, de acrobatas, equilibristas, dançarinas, palhaços.
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A história do Centro Paul Klee
Personagens que têm destaque na obra de Klee, e que resultam da influência que teve do teatro, da música, do palco, usados para traduzir esse equilíbrio instável, ou, em uma outra interpretação, nada mais do que a própria vida.
“Angelus Novus” e o progresso
O texto abaixo é do filósofo alemão Walter Benjamin que adquiriu a aquarela Angelus Novus (1920) de Paul Klee, em 1921, por 1.000 marcos, do galerista Hans Goltz, e que talvez reflita uma das frases mais notórias de Paul Klee: “A arte não reproduz o visível, ela torna visível”.
“..Há um quadro de Klee que se chama Angelos Novus. Representa um anjo que parece querer afastar-se de algo que ele encara fixamente. Seus olhos estão escancarados, sua boca dilatada, suas asas abertas.
O anjo da história deve ter esse aspecto. Seu rosto está dirigido para o passado. Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa a nossos pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntas os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que ele não pode mais fechá-las.
Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que chamamos progresso…”
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