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Artistas suíços remixam obras Ferdinand Hodler trazendo-as para o século 21

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Visão geral da exposição Hodler no Kunsthaus Zurich Kunsthaus Zürich, Franca Candrian

As pinturas de Ferdinand Hodler têm sido repetidamente usadas para retratar ideias conservadoras ou retrógradas na Suíça. Agora, o Museu de Arte de Zurique propõe uma nova abordagem sobre o artista, destacando suas posturas mais progressistas através do olhar e de obras de artistas contemporâneos.

Uma mulher de vestido azul, com os braços levantados e o rosto inclinado parece se balançar em uma dança solene e solitária. A pintura de Ferdinand Hodler, talvez o artista moderno mais conhecido e amado da Suíça, é a peça central de uma exposição no Museu de Arte de Zurique (Kunsthaus) chamada Link externoApropos Hodler: Perspectivas Atuais sobre um ÍconeLink externo.

Mas em vez de ficar pendurada numa parede vazia do museu, a pintura Lied in der Ferne (Song in the Distance, 1914) foi colocada sobre uma paisagem estilizada de montanhas azuis sob um céu amarelo pálido. A sobreposição do quadro de Hodler ganha assim novo enquadramento na instalação assinada por Nicolas Party, um dos artistas contemporâneos que é co-criador da exposição que agora toma as galerias do museu em Zurique.

A mostra, que fica aberta até final de junho, apresenta quadros de Hodler combinados com fotografias, pinturas, instalações e vídeos de cerca de 30 artistas contemporâneos. Talvez a melhor definição para a exposição seja: um remix de Hodler, transposto para o século XXI.

Com a segunda maior coleção de arte de Hodler do mundo, depois do Museu de Arte e História de Genebra, o museu de Zurique montou várias exposições do artista ao longo de décadas.

“Nós nos perguntamos: como poderíamos mais uma vez mostrar este artista canônico em uma grande exposição, trazendo o antigo e o familiar de uma forma nova e inesperada?”, escreve no catálogo Ann Demeester, diretora do museu desde janeiro de 2023. “Decidimos não apenas celebrar Hodler a partir de uma perspectiva histórico-artística, mas colocar em primeiro plano interpretações de outros artistas sobre seu trabalho”.

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Em pessoa: Hodler na Kunsthaus Zurich, 1917. KEYSTONE

Desde a sua morte em 1918, Hodler tem sido visto como a “encarnação da arte suíça”, como disse um historiador; até mesmo sendo lembrado como “a alma artística do nosso povo”. Para a equipe curadora da exposição – composta por um grupo de artistas contemporâneos sob a liderança de Sandra Gianfreda e Cathérine Hug – a imagem de Hodler, impregnada de um sentido de identidade nacional que parece ultrapassado para os artistas modernos, precisava de ser sacudida.

Narrativas alternativas

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O ex-conselheiro federal e líder do Partido Popular Suíço, de direita, Christoph Blocher, posando em seu escritório no Palácio Federal em Berna (2005), com a obra O lenhador, de Hodler, pendurada ao fundo. KEYSTONE

As propagandas midiáticas que ao longo dos anos usaram as pinturas de Hodler em campanhas políticas da direita são parcialmente culpadas pela associação do trabalho do artista com ideias conservadoras. Uma das suas obras mais famosas, por exemplo, Der Holzfäller (O Lenhador, 1910), foi cooptada para ilustrar campanhas sobre o imposto de fortunas, a suspensão da contribuição para as rádios e televisões públicas ou até em iniciativas relacionadas ao serviço militar obrigatório. Os bíceps salientes e a postura poderosa do lenhador são a personificação do poder, da energia e da determinação concentrados em uma humilde atividade rural que evoca o idílico sonho de uma suíça camponesa, de vida simples e virtuosa.

Os artistas contemporâneos responsáveis pela nova exposição desafiam esta imagem: em um vídeo interativo chamado Wie du in den Wald rufst (Como se chama na floresta), Frantiček Klossner, artista multimídia, mostra uma floresta tranquila, aparentemente desprovida de humanos. Mas se os visitantes experimentarem falar no microfone disponível na instalação, irão ver surgir um homem nu entre as árvores, procurando um novo esconderijo em uma caverna subterrânea. O tímido homem da floresta de Klossner parece a antítese do musculoso lenhador.

Em Je suis une femme, pourquoi pas vous? (Eu sou uma mulher, por que você não é?), Marie-Antoinette Chiarenza, que integra a dupla de artistas RELAX, é fotografada em frente à pintura icônica de Hodler, caminhando em nossa direção com uma jaqueta de couro vermelha, um vestido preto e um machado pendurado no ombro. O poder, ela parece dizer, não requer necessariamente um corpo masculino musculoso, que transpareça força bruta.

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Relax, I am a woman. © RELAX (chiarenza & hauser & co)

A exposição destaca que Hodler não foi apenas um artista pioneiro capaz de provocar com suas obras, mas foi também politicamente progressista em alguns aspectos.

Suas duas pinturas Die Wahrheit (Verdade), ambas expostas, contestam uma injusta campanha de ódio antissemita direcionada ao oficial judeu Alfred Dreyfus, que ocorreu na França. As poses das figuras semi vestidas inspiraram um novo trabalho performático de Nils Amadeus Lange, que as incorporou em uma coreografia para a exposição.

A visão de Hodler sobre as mulheres pode ter sido conservadora, mesmo para a sua época – em 1907, ele rejeitou firmemente a entrada de mulheres artistas na Sociedade de Pintores, Escultores e Arquitetos Suíços. Mas ele também retratou mulheres como figuras poderosas: Das mutige Weib (A Mulher Ousada, 1886) mostra uma mulher robusta da classe trabalhadora remando seu barco em um mar revolto. Do ponto de vista da mulher retratada, ela luta bravamente enquanto as ondas parecem entrar no barco. Esta impressionante pintura é exibida ao lado de autorretratos nus em preto e branco da corpulenta artista Laura Aguilar, falecida em 2018. Aguilar mostra seu corpo em diálogo com a natureza, refletindo as formas de árvores e pedras.

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A Mulher Ousada (1886) Kunstmuseum Basel – Martin P. B

As paisagens de Hodler foram seus best-sellers durante sua vida e talvez sejam suas pinturas mais populares ainda hoje. Seus lagos, geleiras, florestas e montanhas, muitas vezes pintados com cores vibrantes, são evocativos e belos. Na exposição, agora a  pintura de David Hockney, Felled Trees on Woldgate, de 2008, oferece um contraponto moderno às paisagens de Hodler.

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Não tão jovem, nem suíço, mas também conversando com Hodler: “Felled Trees on Woldgate” (Árvores derrubadas em Woldgate), de David Hockney (2008) © DAVID HOCKNEY

Para os artistas contemporâneos, a visão de uma natureza exuberante e pacífica está ameaçada, como demonstram dois filmes da mostra. From One to Seventeen, de Uriel Orlow, documenta o declínio da biodiversidade em grandes altitudes devido ao aquecimento global, enquanto Christina Hemauer e Roman Keller contam uma história fascinante e pouco conhecida em A Road Not Taken – “A história da instalação solar de Jimmy Carter na Casa Branca” .

O visitante que for conferir a exposição não pode deixar de notar: atrás da paisagem montanhosa do pintor suíço Nicolas Party, que emoldura a dançarina de vestido azul, é exibida uma cena com uma uma energia diametralmente oposta. Uma floresta em chamas serve de pano de fundo para o soldado de Hodler que carrega uma lança medieval. Nesta instalação, o soldado poderia ser um bombeiro que luta contra o impacto das mudanças climáticas – uma ilustração de como a transformação do contexto pode nos trazer perspectivas novas e inesperadas sobre uma imagem familiar.

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Uma das obras mais icônicas de Hodler: Der Tag (O dia), 1904/1906 Kunsthaus Zürich

Edição: Virginie Mangin/fh

Adaptação: Clarissa Levy

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