As muitas facetas da amizade entre a Suíça e a China
Até 1989, eram "organizações de amigos" comunistas, depois vieram os parceiros comerciais: a China sempre encontrou amigos na Suíça, e sempre fez questão de mostrar isso.
Em janeiro de 2021, a embaixada chinesa em Berna protestou contra o fato de a China estar sendo difamada e acusada de infiltração em teorias de conspiração absurdas. Se tratava de um estudo da Universidade da Basileia, onde Ralph Weber, professor de Estudos Globais Europeus, descreveu como o Partido Comunista Chinês tentou conquistar aliados para suas políticas na Suíça. O relatório se concentrou na “Associação Suíça de Comerciantes”, em vários empresários de origem chinesa e em subgrupos da “Associação de Estudantes e Acadêmicos Chineses”.
Apesar da nota de protesto: de uma perspectiva histórica, as descobertas do estudo não são surpreendentes. As atividades da China no “Jardim do Mundo”, como a Suíça é frequentemente chamada pelos diplomatas chineses, vêm de longa data. A Suíça tem sido um importante centro de propaganda maoísta na Europa desde a fundação da República Popular da China.
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Quando a Suíça se tornou um centro de espionagem da China
A embaixada chinesa em Berna foi uma sede estratégica para a República Popular da China na Europa antes que outros países estabelecessem relações diplomáticas com Pequim no início da década de 1970. Mesmo fora da embaixada, os diplomatas chineses podiam contar com a ajuda de “amigas e amigos” suíços.
Trajes de Mao na moda
Durante a Revolução Cultural (1966-1976), a “Maomania” também chegou à Suíça. Conforme documentado por agentes da Polícia Federal, até mesmo os filhos de políticos conservadores proeminentes valorizavam muito os objetos de devoção a Mao Tse Tung. O governo federal estava preocupado com esse entusiasmo crescente, embora superficial, pelo Partido Comunista Chinês (PCC), mas não encontrou nenhuma base legal para tomar medidas contra ele.
Mas para alguns, o compromisso foi além de agitar o livreto vermelho de Mao. Por exemplo, a livraria Pinkus, em Zurique, e a Librairie Rousseau, em Genebra – duas livrarias de esquerda – ajudaram Pequim a divulgar sua propaganda nos chamados “países do Terceiro Mundo”, como Congo, Gana, Chile ou Costa Rica. Em Lausanne, a editora La Cité serviu como intermediária para impressão e distribuição.
Todas essas atividades foram monitoradas e, por fim, proibidas pela BUPO (a polícia federal suíça). Em meados da década de 1960, a Suíça expulsou vários ativistas pró-chineses, como Jacques Vergès e Nils Andersson, este último fundador da La Cité. Além dessas estratégias voltadas para países estrangeiros – especialmente o sul global – Pequim também fez vários esforços para disseminar as ideias de Mao Tsé-tung no país alpino.
Os “amigos suíços da China”
Após a divisão sino-soviética, o aparato de propaganda da República Popular da China tornou-se mais ativo. No início da década de 1960, disputas geopolíticas, ideológicas e militares levaram a China a romper relações com Moscou. De 1963 em diante, Pequim competiu com a URSS para se afirmar como um modelo revolucionário alternativo e, para ganhar adeptos, apoiou grupos pró-chineses em muitos países.
Na Suíça, o partido oficialmente reconhecido pela República Popular da China era o Partido Comunista da Suíça/Marxista-Leninista (KPS/ml, na sigla em alemão). Essa organização era marginal, com cerca de 250 simpatizantes, a maioria dos quais monitorada pela BUPO. Como lembra um membro, o partido funcionava de forma muito elitista e sigilosa: “Havia um casal que estava no topo e comandava tudo. E como era um partido extremamente secreto, não sabíamos quem era quem.” No entanto, o KPS/ml exerceu influência por meio de grupos que eram ligados por amizades com a China.
Esses grupos foram fundados em meados da década de 1960, e eram chamados de “Friendship with China” (Amizade com a China) e “Connaissance de la Chine” (Conhecimento da China) na Suíça de germanófona e francófona, respectivamente. Sua principal tarefa era disseminar informações “verdadeiras” sobre a República Popular da China, ou seja, material de propaganda como folhetos políticos, jornais e revistas da Beijing Foreign Languages Press (n.t.: a editora nacional chinesa para línguas estrangeiras).
Eles também organizaram apresentações de grupos artísticos chineses (balé, acrobacia, ópera), venderam seus produtos (silhuetas, rolinhos primavera, artesanato), exibiram seus filmes e realizaram exposições de fotografias e pinturas com o material que receberam da China. Em 1972, jogadores de tênis de mesa chineses também jogaram em várias cidades suíças como parte da diplomacia do pingue-pongue.
O que era a diplomacia do pingue-pongue?
Oficialmente, esses grupos eram apolíticos. Mas eles tentaram alcançar por meio da cultura chinesa setores da população que, de outra forma, seriam hostis às ideias maoístas. Portanto, funcionários e funcionárias da polícia também participavam regularmente de seus eventos para escrever relatórios sobre eles. Muitas pessoas que só se interessavam pelo idioma chinês ou pela comida asiática eram observadas com desconfiança.
Graças às suas estreitas relações com as autoridades chinesas, as associações de amigos tinham quase um monopólio sobre a emissão de vistos. A partir de 1971, após a adesão da República Popular da China às Nações Unidas e o reconhecimento diplomático pela maioria dos países ocidentais, a China voltou a se abrir gradualmente para o turismo internacional. Isso permitiu que centenas de cidadãs suíças e cidadãos suíços visitassem o país todos os anos.
As viagens à República Popular eram cuidadosamente coreografadas e permitiam que as estrangeiras e estrangeiros vissem apenas os aspectos mais positivos da revolução chinesa. A maioria dos turistas voltava entusiasmada com suas experiências, escrevia artigos de jornal ou dava palestras na Suíça.
As associações de amigos atingiram seu auge em meados da década de 1970, com cerca de 1.500 membros. Naquela época, a maioria dos ativistas pró-chineses na Suíça estava sujeita a uma rigorosa vigilância policial. Ao contrário de outros países, as autoridades suíças nunca tentaram explorar o que Pequim chamou de “diplomacia entre pessoas”, acreditando que os ativistas pró-China eram apenas “esquerdistas cabeludos”.
No final da década de 1970, várias decepções levaram ao declínio do poder de persuasão chinês na Suíça. A morte de Mao Zedong e a prisão de seus aliados mais próximos – a chamada Gangue dos Quatro – colocaram em questão tudo o que os amigos da China haviam defendido durante uma década.
Em 1979, a guerra sino-vietnamita desacreditou seriamente a imagem de Pequim como uma ponta de lança anti-imperialista, mesmo na esquerda. Por fim, a repressão às manifestações da Praça Tiananmen em 1989 marcou um ponto em que não havia retorno para muitos amigos da República Popular da China.
Depois de declarar que “devido à grande popularidade dos empresários estrangeiros, a China acreditava que poderia lucrar sem escrúpulos e negligenciar o desenvolvimento de relações culturais e de amizade”, o “Friendship with China” e o “Connaissance de la Chine” desapareceram.
Cortejado pelas elites
Nas décadas seguintes, as organizações pró-China se beneficiaram do triunfo mundial da ideologia liberal econômica. Elas não trabalhavam mais com os cabeludos, mas com as elites culturais, econômicas e políticas da Suíça.
Como agora elas também encontravam apoio no antigo campo anticomunista, – como o Partido Democrático Livre Suíço e o Partido Popular Suíço – não enfrentavam mais a vigilância da Polícia Federal. Portanto, não é de surpreender que os nomes dos principais representantes da Associação Comercial Suíça também apareçam no relatório de Ralph Weber, mencionado acima.
Com o crescimento das agências de viagem, empreendimentos conjuntos e parcerias entre cidades, o lobby dos amigos da China continuou a evoluir, mas ainda servia à agenda política de Pequim. O que se apresentava como despolitização era, na verdade, uma profissionalização do então altamente lucrativo campo de intercâmbios sino-suíços.
Recentemente, o grupo parlamentar Suíça-China perdeu alguns “amigos” no contexto das crescentes controvérsias sobre a influência da China na Suíça. No entanto, a densidade das relações econômicas e políticas entre os dois países (especialmente um acordo de livre comércio de 2014) é consistente com as tímidas condenações do Conselho Federal às violações dos direitos humanos e às estratégias de poder de Pequim.
Adaptação: Flávia C. Nepomuceno dos Santos
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