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As várias faces do trabalho infantil na Suíça

Foto em preto e branco de uma criança alpina
Cäcilia Schmidig, por volta de 1942. © Leonard von Matt / Fotostiftung Schweiz

As crianças eram uma força de trabalho para as famílias no século 19 e nas primeiras décadas do século 20. Durante a industrialização, eram exploradas como mão de obra barata. Uma exposição no Fórum da História Suíça lança luz sobre esse capítulo desconhecido da história suíça.

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Hoje, a forma mais difundida de dependência é a digital. As crianças não conseguem mais tirar os olhos das telas de seus smartphones, desaprendendo o que significa brincar. De acordo com um estudo da ONG de defesa dos direitos da criança “Save the Children”, muitos adolescentes passam mais de cinco horas por dia online, com consequências negativas para seu desenvolvimento cognitivo e social.

Mesmo as crianças do século 19 muitas vezes não sabiam o que significava se divertir, porque não tinham oportunidade nem tempo para brincar. Elas tinham que trabalhar para contribuir com a renda familiar.

Capítulo negligenciado

A exposição “Crianças Trabalhadoras nos Séculos 19 e 20Link externo“, aberta até outubro de 2024 no Fórum da História Suíça, no cantão de Schwyz (centro), destaca vários aspectos do trabalho infantil na Suíça. “Esta é a primeira vez que uma visão geral tão abrangente das atividades infantis é apresentada”, explica Pia Schubiger, historiadora e curadora. “As informações são o resultado de um estudo minucioso do material existente. Essa exposição pode dar início a mais pesquisas sobre uma página negligenciada da história suíça.”

Salão de museu
A exposição atual no Fórum de História Suíça em Schwyz. SNM Jörg Brandt

O trabalho infantil era essencial na agricultura, no artesanato e nas pequenas indústrias caseiras nessa época. Porém, esse não foi um fenômeno que nasceu com a industrialização. As crianças cresceram no mundo adulto, aprendendo por meio de brincadeiras as habilidades necessárias para se tornarem um apoio indispensável para suas famílias, muitas delas carentes.

“Dependendo da idade, elas cuidavam do gado, ajudavam a cortar o feno, transportavam o leite ou faziam as tarefas domésticas”, lembra Schubiger. “Para serem integradas ao processo de trabalho, as crianças recebiam ferramentas de trabalho feitas sob medida, fato que ressaltava a crescente responsabilidade que recaía sobre seus ombros na economia de subsistência da família.”

Fontes secundárias de renda

Dependendo da região, as famílias de agricultores complementavam sua renda com trabalhos sazonais, como extração de madeira ou limpeza de neve. No vilarejo de Rothenthurm (cantão de Schwyz), a produção de gelo natural ou a extração de turfa, uma atividade que era permitida até 1987, quando as regiões pantanosas foram protegidas, representavam importantes rendas secundárias durante o inverno, das quais as crianças também participavam. “A partir de 1850, a turfa se tornou um combustível muito procurado”, explica Schubiger. “Depois de ser comprimida por uma máquina, o trabalhador infantil tinha a tarefa de mover a turfa quadrada para uma tábua de madeira, onde era cortada em blocos e deixada para secar.”

Com o advento do turismo, novas oportunidades de renda surgiram no século 19. Por exemplo, em fazendas nas montanhas, como no vale de Lauterbrunnen, a renda feita à mão era produzida e vendida diretamente aos viajantes. “As crianças também participavam dessa atividade”, lembra a curadora. “Elas começavam a fazer esse trabalho a partir dos seis anos de idade e deveriam produzir meio metro de renda por dia.”

Foto preto e branco de crianças
Crianças vendendo rendas no vale de Lauterbrunnen, por volta de 1900 © Museu Nacional da Suíça

Crianças da Suábia

O fenômeno das chamadas “crianças da Suábia” (Schwabenkinder) teve origem durante a Segunda Guerra da CoalizãoLink externo (1799-1801), um período de conflito entre as monarquias europeias aliadas e a França revolucionária e napoleônica, que também afetou o cantão dos Grisões. Devido à morte de centenas de homens e pais de família e ao aumento da pobrezaLink externo, as crianças do leste da Suíça embarcaram em uma marcha de sete a dez dias para a Alta Suábia (hoje parte dos estados de Baden-Württemberg e Baviera na Alemanha), onde encontraram trabalho em fazendas. “Eles partiam em abril, no final do ano letivo, e retornavam em outubro”, explica Schubiger. “As razões para essa emigração eram a fome e a pobreza.”

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A maioria dos “Schwabenkinder”, com idade entre seis e 14 anos, vinha das regiões de língua romanche dos Grisões, como o alto Surselva ou o Val Lumnezia, o que os colocava diante de uma barreira linguística. Eles viajavam em grupos de 10 a 20 pessoas, acompanhados por um adulto, geralmente uma mulher. Levavam poucos itens com eles e a comida era suficiente para os primeiros dias da marcha de 150 a 200 quilômetros. Assim, eles se sustentavam mendigando ou pedindo hospitalidade a fazendeiros e conventos. “Uma litografia de meados do século 19 mostra o ‘mercado de escravos de Ravensburger’, onde crianças suíças eram confiadas a famílias de agricultores da Suábia”, diz Schubiger. O ponto de encontro entre os candidatos a emprego e os fazendeiros eram os mercados das cidades ou dos grandes centros urbanos. Geralmente, as negociações eram conduzidas pela pessoa que acompanhava as crianças.

Foto preto e branco de crianças e cabras
Dois jovens pastores e suas cabras que cuidam (foto tirada entre 1920 e 1935). © Museu Nacional da Suíça

A principal atividade das crianças era cuidar do gado no pasto. Em fazendas maiores, elas também tinham de ajudar no moinho ou na taberna. As meninas, por outro lado, ajudavam na casa e cuidavam das crianças. Elas trabalhavam em troca de comida, alojamento e um salário modesto. O principal componente do pagamento consistia em roupas e calçados, o chamado “doppelt Häs”. Os jovens trabalhadores eram, de fato, vestidos da cabeça aos pés. Entre 1850 e 1860, houve um rápido declínio no número de crianças que partiam para a Suábia, principalmente devido ao início de outra migração, para a América, aos esforços para desenvolver novas fontes de renda e ao advento do turismo. Com a eclosão da I Guerra Mundial em 1914, esse fenômeno foi definitivamente interrompido”, lembra Schubiger.

Na fábrica, até 16 horas por dia

No século 19, com o aumento da industrialização, teve início a exploração de crianças como mão de obra barata nas fábricas, especialmente nas fábricas têxteis. Assim como os adultos, elas trabalhavam até 16 horas por dia, passando o dia inteiro e, às vezes, até mesmo as noites, em ambientes empoeirados, abafados e quentes, por um salário irrisório.

Foto em preto e brancvo de operários em uma fábrica
Tingimento em uma fábrica de torção de seda (entre 1890 e 1936) © Museu Nacional da Suíça

As crianças eram designadas para trabalhos simples, repetitivos e muitas vezes perigosos, como lembra Arnold Stauber, que em 1883, aos 14 anos, começou a trabalhar na fábrica de algodão da empresa Kunz em Windisch, cantão da Argóvia. “Nosso trabalho era o mais nauseante e, como percebi mais tarde, também o mais insalubre da fábrica”, escreve Stauber em suas memórias. “À tarde, quando as máquinas de fiação estavam paradas, nós, rapazes, tínhamos que limpar e lubrificar os cilindros, eixos e fusos. Tínhamos que nos deitar de costas e deslizar sob as grandes máquinas para fazer o trabalho de limpeza. O óleo e a graxa pingavam em nossos rostos e roupas. Era difícil se mover lá embaixo e muitas vezes nos machucávamos batendo a cabeça ou o nariz contra o metal.”

Algumas crianças começavam a trabalhar já aos oito anos de idade, o que tinha sérias consequências para seu desenvolvimento psicofísico e também comprometia sua educação. Em seu livro “Memórias de um Ex-trabalhador Têxtil” (“Erinnerungen eines ehemaligen Textilarbeiters”, no original em alemão), Arnold Stauber relata sua rotina diária: ele entrava na fábrica às seis horas da manhã, ia para a escola das oito às onze horas, voltava para a fiação por meia hora antes do almoço, assistia às aulas das duas às quatro horas e depois trabalhava por mais duas horas.

Em 1877, apesar da resistência de muitos industriais, os eleitores aprovaram uma lei trabalhista muito inovadora para fábricas. Pela primeira vez no mundo, um país introduziu diretrizes que regulavam as horas de trabalho, protegendo especificamente crianças e mulheres e regulando a liberdade de contrato e a autonomia dos empresários. Assim, a Suíça se tornou uma das nações pioneiras na área de proteção aos trabalhadores.

A Lei do Trabalho em Fábricas limitava a jornada de trabalho a onze horas, proibia o trabalho noturno e aos domingos e o emprego de crianças com menos de 14 anos de idade e mulheres grávidas ou no período pós-parto. Entretanto, essas regulamentações se aplicavam apenas a fábricas e não a pequenas indústrias ou à agricultura.

Fonte: História da Previdência Social na SuíçaLink externo

A condição das crianças melhorou, pelo menos até certo ponto, com a introdução da escolaridade obrigatória em nível federal em 1874 e com a Lei Federal de Fábricas de 1877, que proibiu o trabalho de crianças com menos de 14 anos e regulamentou o trabalho noturno e aos domingos. “Entretanto, especialmente nas regiões mais pobres e isoladas, as crianças continuaram a ser uma força de trabalho essencial para a economia das famílias, como os limpadores de chaminés do Ticino, na Itália, e as crianças da Suábia”, conclui Schubiger. “Mesmo no século 20, a história da Suíça teve momentos trágicos, como a transferência forçada de crianças pobres de suas famílias, que durou até 1981, e medidas coercitivas para fins de bem-estar.”

A revisão de 1874 da Constituição Federal introduziu a educação primária obrigatória, gratuita e não confessional. Entretanto, para a maioria da população, saber ler e escrever não era considerado indispensável na vida cotidiana. Pelo contrário, muitas pessoas consideravam a escola desnecessária, pois ela não oferecia melhores oportunidades de emprego e carreira. Os círculos conservadores se opunham ao ensino obrigatório gratuito, temendo que o excesso de educação distrairia os filhos dos agricultores das atividades agrícolas.

Desde a introdução da escolaridade obrigatória em nível federal, houve um aumento no número de alunos e na variedade de educação oferecida, que inclui disciplinas como religião, leitura, redação e canto. A educação podia ser oferecida em escolas públicas, particulares ou domiciliares. A supervisão era responsabilidade das autoridades municipais e cantonais.

Edição: Daniele Mariani

Adaptação: Alexander Thoele

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