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Bossa sem passaporte

Jenny Chi na capa do seu primeiro CD. cortesia

Jenny Chi é uma das poucas suíças que canta "saudade" e sabe o que está dizendo. Nascida entre várias culturas, essa jovem de Zurique se apaixonou pela Bossa Nova ainda adolescente e decidiu que não ficaria só na escuta.

Entre João Gilberto, Tom Jobim e suas próprias composições, ela mostra no grupo ChiBossa que a música é, de fato, uma lingua universal. Só precisa saber sentí-la.

A vida da adolescente decorria normalmente até o dia em que ela começou a vasculhar a coleção de discos do pai e descobriu um com uma capa interressante. Quem seria Baden Powell?

O achado se transformou em mágica sonora ao colocar a bolacha na vitrola. O efeito das cordas dedilhadas pelo virtuoso violonista e compositor brasileiro, a voz suave das parcerias e principalmente as nuances do português, esse idioma tão exótico para seus ouvidos, foi fulminante. “A música me tocou completamente e soou tão familiar como se fosse uma parte de mim”, lembra-se Jenny.

Ela quis descobrir mais sobre esse estilo surgido nos anos 50 das mãos de um grupo de músicos da classe média em apartamentos da zona sul do Rio de Janeiro. Com o dinheiro na mão, Jenny foi a loja Nina’s Jazz und Blues, “a melhor de Zurique”, e perguntou por Bossa Nova. A vendedora lhe entregou em mãos o clássico “The best of two worlds”, com João Gilberto, Stan Getz e Miúcha. O segundo encontro com a música brasileira se transformou em paixão.

Mistura

Hoje, aos 31 anos, essa jovem cantora parece ter descoberto porque a Bossa Nova tanto lhe atraiu. “Era a melancolia junto com essa alegria transmitida na música”, conta durante a conversa com swissinfo em um restaurante marroquino de Zurique.

Com sua tez morena, os cabelos pretos e os traços finos do rosto, Jenny Chi poderia passar por uma brasileira. Porém ela é autenticamente suíça. Suas origens são de mundos completamente distintos, mas que resultaram em uma combinação ideal. Seu pai é de origem chinesa e sua mãe nasceu em Lucerna, a cidade das montanhas e dos lagos. Ela cresceu entre os odores das especiarias asiáticas utilizadas no restaurante do pai, com o poético nome de “Li Tai Pe”, e ao som de canções folclóricas suíças ensinadas pela avó.

“Eu gosto do folclore suíço, mas na juventude me interessava mais por percussão, música cubana, congas e outros ritmos”, conta. A confluência de sonoridades afro-latinas terminaria sendo canalizada em direção a ondas mais brasileiras.

Português na língua

Depois de uma formação de três anos em canto e jazz, ela decidiu colocar em prática tudo que recebera ao escutar diariamente João Gilberto, Tom Jobim, Chico Buarque e outros “monstros” sagrados da MPB. Depois de passar seis meses em Mandirituba, um pequeno vilarejo próximo à Curitiba – onde Jenny trabalhou em um projeto de ajuda a crianças carentes – ela retornou à Suíça e fundou com três amigos uma banda que funde seu nome com a grande paixão musical: ChiBossa.

No início da carreira, Jenny não dominava o idioma das músicas que cantava. “Passei oito meses na Espanha e aprendi o italiano na escola, mas realmente não falava o português. Apenas decorava a pronunciação das palavras”. Hoje, no restaurante, ela conta um pouco da sua história e passa sem dificuldade do alemão para o português, fazendo pausas apenas para comer um delicioso falafel, os bolinhos de grão-de-bico fritos típicos dos países do Oriente Médio.

O sotaque ainda é marcante, mas que dá um charme europeu a essa brasileira de coração. Quando ela canta, este desaparece quase por encanto. A perfeição com que domina o idioma deve-se ao contato intenso com vários músicos brasileiros radicados na Suíça e a vontade de aperfeiçoar o canto. “Nós precisamos encontrar um idioma em comum para se comunicar durante os ensaios. Acabamos escolhendo o português. Hoje, até o nosso baixista, um suíço da gema, já fala também”, conta abrindo um sorriso.

Primeiro CD

Com dez anos de estrada, o ChiBossa se tornou uma banda conhecida no circuito cultural suíço, dando aproximadamente quatro concertos por mês. Além da própria Jenny, o grupo é formado pelo baixista Ralph Sonderegger, e os brasileiros Ademir Cândido, na guitarra, e Eduardo Costa, que segura a percussão.

O primeiro CD foi lançado em fevereiro de 2007. Trezes músicas foram gravadas nele. Entre os clássicos de Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Gilberto Gil ou Chico Buarque, também se escutam pérolas da música brasileira como “É luxo só”, de Ary Barroso e Luiz Peixoto, e “Rosa Morena”, de Dorival Caymmi. Além de interpretar, Jenny também compõe suas próprias canções. Um dos títulos do CD é de sua autoria em parceria com Ademir Cândido: “All of it”, uma suave canção cantada em inglês, que dá o fecho perfeito para um CD que pretende fazer o ouvinte sonhar com terras distantes.

Graças a sua página na MySpace, Jenny tem conseguido transportar sua música para terras que nunca antes havia imaginado. “Alguém as nossas canções na Internet e fomos convidados para dar um show na Sicília. Foi impressionante: o público era formado por brasileiros e italianos apaixonados pela música brasileira”, lembra-se animada.

Palcos brasileiros

Como muitos artistas na Suíça, Jenny não vive só da musica. Durante a semana ela trabalha como coordenadora em uma grande agência de marketing cultural em Zurique. “Se com esse trabalho eu ganho meu dinheiro, a música continua sendo a minha grande paixão. Seria um sonho se tivéssemos um empresário para agendar nossos concertos. Detesto ligar aos donos dos locais de concerto para vender o nosso trabalho”, explica a cantora com uma certa timidez.

Os empecilhos em uma carreira de artista na Suíça não desanimam a jovem. As vivências é que importam. Uma das mais marcantes ocorreu em cima do palco, quando foi ao Brasil em 2008, a segunda viagem em dez anos. “Estava no Rio de Janeiro e resolvi passar no Mistura Fina, um bar conhecido no circuito do jazz da cidade, para mostrar o meu disco. Um grupo de fantástico de músicos que ia se apresentar no local ouviu e gostou do meu trabalho. No dia do concerto deles, eu fui convidada para tocar três canções. Era o Osmar Milito Trio”, lembra-se com saudade e conta um detalhe. “Ser aplaudida pelos brasileiros naquele local tão especial, cantando a música deles, me deixou muito emocionada”.

Os três meses que passou em Rio e São Paulo não foram apenas para desfrutar as férias. Jenny aproveitou o tempo para fazer um curso de canto e afiar ainda mais seu português. E como nas letras de Bossa Nova, ela também acabou perdendo seu coração. “Conheci meu namorado no Rio de Janeiro”, fala com sorriso no rosto, “um suíço que vive lá há mais de vinte anos”. Perguntada sobre como manter uma relação internacional, ela não titubeia: “Vamos morar nos dois países ao mesmo tempo”.

swissinfo, Alexander Thoele

Um movimento da música popular brasileira surgido no final da década de 1950 e início da de 1960. De início, o termo era apenas relativo a um novo modo de cantar e tocar samba naquela época.

Anos depois, a Bossa Nova se tornaria um dos gêneros musicais brasileiros mais conhecidos em todo o mundo, especialmente associado a João Gilberto, Vinicius de Moraes, Antonio Carlos Jobim e Luiz Bonfá.

A palavra bossa apareceu pela primeira vez na década de 1930, em “São coisas Nossas”, samba do popular compositor Noel Rosa: “…O samba, a prontidão/e outras bossas,/são nossas coisas…”.

A expressão bossa nova passou a ser utilizada também na década seguinte para aqueles sambas de breque, baseado no talento de improvisar paradas súbitas durante a música para encaixar falas. (texto: Wikipédia em português)

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