Cantora suíça traz nova bossa à música brasileira
No palco, bastam poucos minutos para se perceber que ela não é apenas mais uma cantora estrangeira que tenta enveredar pelos caminhos da bossa-nova e da MPB.
Com uma voz ao mesmo tempo firme e suave e capacidade de improvisar ao lado de um trio de músicos brasileiros, a suíça Anissa Damali transcende o repertório usual ao misturar com a música brasileira elementos de sua formação na Suíça e de suas raízes familiares.
Aos 29 anos, há quatro anos vivendo no Brasil, Anissa começa a colher os frutos do seu talento, mas sua trajetória musical começou bem cedo, proporcionando uma riqueza de experiências artísticas que explica porque ela é uma cantora diferenciada.
O pai de Anissa nasceu na Argélia, e sua mãe no Ticino (região da Suíça de idioma italiano). A família vive na Basileia, cidade suíça de idioma alemão onde Anissa cresceu e teve seus dotes musicais logo descobertos por uma professora que a encaminhou, com apenas seis anos de idade, para a Academia de Música da Basileia. Lá, Anissa recebeu suas primeiras aulas de canto e descobriu seu caminho.
Durante a adolescência, fez parte do Teatro da Basileia, onde começou a compor, montou uma banda pop só de meninas e, aos 17 anos, ingressou na rica cena de música eletrônica da cidade.
“Eu comecei a cantar em clubes, improvisando com DJs. Logo depois, atuei como vocalista de estúdio. Foi aí que eu percebi que a música poderia ser meu trabalho, que poderia viver disso”, recorda a cantora.
O talento de Anissa logo chamou a atenção de todos, e ela foi convidada para compor e cantar o hino Liberty da Street Parade (grande evento anual de música eletrônica ao ar livre), em 2003 na cidade de Zurique. Tudo indicava uma carreira promissora na cena eletrônica suíça, mas, a inquietude artística de Anissa a dizia que ela precisava ir além.
Naquele mesmo ano, Anissa embarcou para Londres, onde se matriculou em um curso de Música Popular e, como ela mesma diz, “foi escolhida” pela música brasileira: “Eu comecei a cantar música brasileira em Londres. No curso, a cada três meses se cantava um estilo de música. Eu cantei rock, pop, etc, e nos últimos três meses era bossa nova. Eu tinha que cantar Tom Jobim, e percebi que foi tudo muito natural, como na música ‘Desafinado’. Eu tentei vários estilos e nada ficou tão natural. Foi a minha voz quem escolheu a bossa nova, a música brasileira”.
De volta à Suíça em 2004, Anissa já estava convicta do caminho musical que queria trilhar: “Busquei músicos brasileiros e fiz uma ótima banda com instrumentistas brasileiros que moram lá. Nós fizemos alguns shows na Suíça e depois eu tive a oportunidade de gravar o meu disco, mas eu ainda não falava bem o português e acabamos só conseguindo gravar uma demo”, conta.
Brasil
Em 2006, Anissa finalmente conheceu o Brasil: “Fiz uma viagem de um mês e fui para São Paulo. Choveu muito, eu via aqueles prédios grandes… Não foi muito aquela coisa que eu imaginava de natureza, de bossa nova”, recorda, às gargalhadas. Conhecer o Rio de Janeiro mudaria tudo: “Na Suíça, eu havia assistido a um documentário com Roberto Menescal e Wanda Sá em Ipanema, aquela praia, então decidi ir para o Rio. Cheguei sozinha, sem conhecer ninguém, e me apaixonei totalmente. Nessa época, eu ainda não cantava em português, mas foi importante para começar a entender melhor a língua, as letras das músicas”.
Mas, Anissa precisava voltar à Suíça, onde a vida lhe reservaria um período de incertezas: “Eu tive um problema no ouvido e quase fui obrigada a parar de cantar. Logicamente, eu não queria isso”.
O problema de saúde acabou motivando uma volta ao Rio: “Em 2007 voltei ao Brasil determinada a passar um mês. Minha doença desapareceu no Rio, o que certamente foi mais uma coisa a me amarrar definitivamente à cidade. No início foi difícil, eu fui roubada. Um dia, comecei a cantar em um bar e vi que a casa estava a cada dia mais cheia, senti uma boa resposta do público brasileiro”.
Depois disso, diz Anissa, “foi tudo muito rápido”, e a estada de um mês se estendeu indefinidamente: “Toquei dois anos como residente no Pátio Havana, em Búzios, e minha vida mudou. Eu comecei a viver de fato a realidade brasileira. Comecei a entender como as coisas funcionam com os músicos, que é muito diferente da Suíça. Tudo o que eu aprendi foi com a música. Até mesmo o português eu nunca fiz curso, aprendi com as letras. Foi tudo pela paixão, pela emoção da música”.
“Misturar os mundos”
Hoje, essa paixão se reflete em um repertório afiado e afinado que traz Tom Jobim, Chico Buarque, Elis Regina, Milton Nascimento, Freddie Hubbard e Charlie Parker, além de composições próprias. No palco, a química está presente: “Tocar com excelentes músicos é positivo para os dois lados. Eu consigo entrar fácil nas músicas, e os músicos sabem disso e ficam mais soltos para se realizar como solistas. Eu gosto de usar minha voz como um instrumento. Com os músicos fica fácil. A gente fica voando na onda da música”.
Agora que está em situação mais confortável no Rio, como ela mesma diz, Anissa pretende dar continuidade a sua busca musical: “Ouvi muito jazz. Na Suíça temos muitos clubes de jazz, com muitos shows. E, como a minha ascendência é árabe, essas coisas de seminotas na harmonia e da melancolia dentro da música também me fazem me sentir em casa. Tem também a minha formação na Suíça e essa coisa da música eletrônica. Eu quero usar minha música para misturar esses mundos”.
Devido ao seu contato com o jazz, Anissa Damali, no início, ouvia mais a bossa nova instrumental. Só mais tarde conheceria cantoras brasileiras:
“Eu gostava mesmo era da Tânia Maria e da Flora Purim, que é muito minha linguagem também”, diz a cantora suíça. Em seguida, veio a MPB: “Tem, com certeza, a Elis Regina. Sempre me emocionei ouvindo Milton Nascimento, MPB-4, essas coisas. Hoje, ouço Milton Nascimento para me lembrar da Suíça”.
Anissa Damali conta que compõe suas músicas ao piano, “onde as coisas acontecem”, mas que busca inspiração de maneira permanente:
“Eu fico ligada em melodias o dia inteiro. Na praia, com aquele supermercado a céu aberto que é Copacabana, eu ouço inúmeras melodias. O Rio está cheio de música e inspirações. Eu componho a parte instrumental primeiro e a letra vem depois”.
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