Cineasta suíço quer outro mundo a todo custo
O cineasta suíço Richard Dindo é um típico representante da tradição do cinema documentário, um dos gêneros em que o país se destaca.
No Festival de Cinema Soluthurn 2010, ele apresentou dois filmes: “The Marsdreamers”, sobre os estranhos norte-americanos que sonham com o planeta Marte, e um documentário dedicado ao exílio do pintor Gauguin. Seus filmes são hinos à rebelião.
Do deserto de Mojave ao vilarejo de Taos, passando por Las Vegas, Roswell ou Houston, Richard Dindo passou com sua câmera pelas paisagens avermelhadas do sudoeste dos Estados Unidos. Paisagens avermelhadas como as do planeta Marte, que suscita – quem sabia disso? – uma grande paixão em um certo número de norte-americanos.
Eles elaboraram planos e maquetes e um Novo Mundo que sonham em criar. Não é que eles não gostem da Terra, longe disso. Mas eles sonham com um novo começo de uma Terra incógnita, onde tudo poderia recomeçar do zero. Gauguin também sonhava com outro lugar. Foi para Tahiti e depois para as ilhas Marquises. Richard Dindo também foi lá, filmar a vibração dos lugares.
swissinfo.ch: Poderíamos pensar que esses dois filmes não têm a ver um com o outro. Existe uma ligação estreita entre eles?
Richard Dindo: Sempre há ligações. Gauguin também é um filme que defende a natureza. Hoje, nós, esquerdistas, somos obrigados a ajudar os capitalistas a salvar a Terra. Gauguin partiu para o Tahiti porque foi um dos primeiros a compreender que a industrialização levaria à destruição da Terra. Mas, em Tahiti, ele se revoltou contra esse paraíso que já não existia mais: ele sonhava com um paraíso e encontrou policiais e missionários. Esse filme, portanto, fala de coisas profundas ligadas à evolução da humanidade, mas através da defesa do artista que era Gauguin.
swissinfo.ch: O senhor já seguiu os rastos de personagens famosos – Genet, Rimbaud, Che Guevara – com uma visão sobre o enraizamento de um destino a um lugar. Por que?
R.D.: Eu começo geralmente com a ideia de uma paisagem. Tinha vontade de filmar paisagens no Tahiti. E fiz esse outro filme nos Estados Unidos porque queria filmar paisagens norte-americanas e compará-las com paisagens marcianas. Também são reflexões acerca da evolução da natureza, do mundo.
Quanto a Gauguin, tirei dos museus os quadros do pintor para devolvê-los à natureza. Gauguin, como a maioria de meus personagens, é um rebelde, um homem violentamente livre. Alguém subestimado que se revolta. Há semelhanças entre os personagens que acompanho. Genet, Rimbaud, Guevara, Gauguin, são grandes revoltados. Eu gosto do homem em revolta, no sentido descrito por Albert Camus. Gosto das pessoas que têm capacidade de sonhar e que nadam contra a corrente.
swissinfo.ch: Há sequências em “The Marsdreamers” que provocam risos na sala. No entanto, como esses apaixonados por Marte são pessoas que nadam contra a corrente. Pessoas que, como uma boa dose de inocência, têm um extraordinário senso da utopia, não?
R.D.: Quando comecei a procurar financiamento do governo para o meu filme, criticaram minha inocência. Como se um homem de 65 anos, que já fez 27 filmes, pudesse ser inocente, no sentido pejorativo do termo. Perguntaram-me por que eu não era mais crítico com esses “Marsdreamers”. Mas quem sou eu para criticar pessoas que têm um sonho? O princípio do cinema documentário é o respeito ao outro. Mas é verdade que eu utilizo um pouco de humor, uma distância ligeiramente irônica, e é isso que faz as pessoas rirem..
swissinfo.ch: Existe um paralelo muito forte entre esse povo de migrantes, esses descendentes simbólicos do Mayfloewer, que também sonham com um Novo Mundo?
R.D.: O que aprendi fazendo esse filme é o destino nômade da humanidade, o fato de que ela procura sempre outra coisa. Aliás, é assim que ela se tornou o que é hoje. E os norte-americanos, mais do que os outros, depois de chegarem à Califórnia, tornaram-se um povo de nômades. É certo que, cedo ou tarde, a humanidade vai para outro lugar, outros planetas. E, ao mesmo tempo, procuraremos talvez salvar a própria Terra. Ir para outro lugar é o destino da humanidade porque é nosso sonho e nossa curiosidade que nos distingue dos outros animais, que nos torna humanos.
swissinfo.ch: Em Las Vegas, um astrofísico disse esta frase: “Não podemos realisar coisas que não sonhamos antes. E não podemos fazer nada sem correr riscos.”
R.D. : Isso é muito norte-americano. Eu gosto muito dos Estados Unidos, mesmo tendo muita reserva com sua política, sua ideologia, que me são totalmente estranhas. Mas gosto do otimismo norte-americano. É um otimismo um pouco inocente porque lhes falta a dialética, que eles acham que é uma doença vermelha. Mas eu acho que é melhor ser otimista do que pessimista. O pessimismo suíço – especialmente na Suíça alemã – é paralisante. Eu mesmo me sinto paralisado pelo meu próprio pessimismo, geralmente muito negro.
Gosto portanto do otimismo norte-americano ou francês. Li recentemente um livro sobre a Revolução Francesa, escrito por um historiador que diz assim: “A fé na revolução é a fé no impossível.” Eu acho que isso é uma coisa que os suíços não podem compreender. Que os agricultores não podem compreender. Como Sade (n.d.R.: Donatien Alphonse François de Sade, o marquês de Sade, 1740 – 1814), que disse: “Tudo o que é excessivo é bom.” O homem do campo suíço dirá: “Tudo que é excessivo é ruim.”
As pessoas que fazem mudanças têm a força do sonho e isso faz falta aqui. Aqui, regularmente, os suíços alemães me dizem falando dos ‘Marsdreamers’: “Mas esses caras são loucos.” Na Suíça alemã, a ficção é uma mentira e o sonho uma loucura. Isso é o pessimismo.
swissinfo.ch: A ideia da partida, do exílio, é algo que po reocupa pessoalmente?
R.D.: Eu sempre vivi no exílio. Sou de origem italiana. A Suíça é minha terra, mas onde vivo como estrangeiro. Sempre me senti estrangeiro aqui. E, portanto, o exílio é o lugar onde sempre vivi.
Penso que para os suíços em particular, quando se vive em um país tão estreito, na natureza como nos espíritos, é importante partir, talvez com ideia de voltar. Mas é indispensável para ampliar o horizonte, ir ao fim de nós mesmos. Aos 20 anos, eu fui para Paris. Jamais eu me tornaria cineasta se não tivesse estado em Paris.
Bernard Léchot, Soleure, swissinfo.ch
(Adaptação: Claudinê Gonçalves)
Zurique. De origem italiana, Richard Dindo nasceu em 1944, em Zurique.
Romando. Trabalhando entre Zurique e Paris, ele se considera como um “suíço da parte francesa, de coração”.
Política. Seu cinema documentário é caracterizado por uma visão política do mundo.
Atualidade. Uma visão que se traduz pelo olhar crítico de certos fatos históricos ou da atualidade:
– Suíços na Guerra Civil Espanhola (1974)
– Dani, Michi, Renato & Max (1987)
– O caso Grüninger (1998)
– The Marsdreamer (2009)
Perfís. Ou uma releitura geralmente engajada de personalidades célebres :
– Arthur Rimbaud, uma biografia (1991)
– Ernesto “Che” Guevara: O Jornal da Bolívia (1994)
– Genet em Chatila (1999)
– Quem era Kafka? (2006)
– Gauguin em Tahiti e nas Marquises (2009)
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