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Cinema brasileiro se promove em Locarno

Rachel Monteiro durante uma pausa no trabalho em Locarno. swissinfo.ch

Festivais de cinema não lidam apenas com arte, mas também são espaços de negócios. Em Locarno, o setor se encontra através do “Industry Days” (Dias da Indústria).

Em entrevista, Rachel Monteiro, representante do lobby do cinema brasileiro, explica porque é tão difícil vender o produto nacional no exterior.

Afora a competição internacional e outras grandes mostras não competitivas, o Festival de Cinema de Locarno também é espaço de intercâmbio para a indústria cinematográfica internacional.

Através do programa “Industry Office”, equipes de produção de várias partes do mundo encontram através de eventos especiais seus parceiros no negócio audiovisual: coprodutores, distribuidores e compradores.

Um desses eventos era dedicado especialmente ao cinema brasileiro. “Demos este ano carta branca para os produtores brasileiros”, explica à swissinfo.ch Nadia Dresti, chefe do Industry Office.

Isso significou oferecer a seis filmes tupiniquins em filmagem ou montagem, uma sala exclusiva de exibição durante uma manhã no programa de três dias chamado “Industry Days” com a presença de público especializado, além de assumir os custos de estadia em Locarno dos brasileiros.

O grupo era coordenado por Rachel Monteiro, consultora internacional do Programa Cinema Brasil, o lobby da indústria cinematográfica nacional.

swissinfo.ch: Em primeiro lugar, o que é o Programa Cinema do Brasil?

Rachel Monteiro: Nós somos uma sociedade privada, mas subvencionada pelo dinheiro do governo. Temos dois grandes patrocinadores: o Ministério da Indústria, Comércio e Desenvolvimento através da Apex, a agência de promoção exterior, e o Ministério da Cultura, através da Secretaria do Audiovisual. A premissa é de que os produtores sejam associados ao nosso programa. Ou seja, há todo um trabalho para o desenvolvimento de mercado do cinema brasileiro.

swissinfo.ch: Como a Embrafilme, é dinheiro público para fazer cinema?

R.M.: Não. Os organismos hoje entendem que nada mais pode ser a fundo perdido. O empresário do audiovisual tem de entrar com alguma contrapartida. Daí essa necessidade de associação, que é absolutamente voluntária e o valor é simbólico. Participa quem quer. É um programa feito para atender o cinema do país inteiro.

swissinfo.ch: Existe algum modelo no exterior que seja comparável?

R.M.: Existem vários modelos: a Unifrance (França), a Germanfilms (Alemanha) ou a Swiss Films (Suíça). E o que a gente trabalha? Nosso olhar é só para o mercado externo. O objetivo maior do cinema brasileiro é a internacionalização e a implementação dele fora do país. Temos três grandes etapas para chegar a isso: apoiar o aumento do numero de coproduções com o Brasil, apoiar o aumento da distribuição dos filmes brasileiros no exterior e trazer um pouco do que chamamos de “production service”, ou seja, levar gente para filmar no Brasil.

swissinfo.ch: Esse trabalho é a presença em festivais como o de Locarno não?

R.M.: A gente participa principalmente dos festivais que têm um mercado como Berlim, Cannes, Toronto e outros. É importante dizer que não somos agentes de venda ou produção. O que a gente faz é criar condições para que os produtores e pessoal de vendas possam desenvolver melhor seu trabalho no exterior.

swissinfo.ch: E concretamente o que isso significa?

R.M.: Significa organizar eventos de “networking” (contatos), rodadas de negócios. Nelas levamos há pouco tempo dez pessoas para o Brasil. Eram potenciais coprodutores, distribuidores ou vendedores internacionais. Lá organizamos encontros individuais com produtores brasileiros. No começo de outubro iremos ao Festival de Sitges, na Catalunha, Espanha. Eles definiram que o Brasil é o país-foco este ano e seus organizadores nos procuram há um bom tempo. Lá iremos levar uma delegação de dez produtores brasileiros. Depois uma delegação espanhola vai ao Brasil no ano que vem.

swissinfo.ch: Esses contatos possibilitam então aos diretores finalizarem seus filmes?

R.M.: Esses contatos não se desenvolvem imediatamente. É um namoro. Ninguém chega a uma primeira reunião com um potencial produtor e sai de lá com um contrato assinado.

swissinfo.ch: No Festival de Locarno em 2010, vocês trouxeram seis filmes brasileiros em fase de pós-produção. Havia até um belo cartão de apresentação que encontrei por todos os lados…

R.M.: Locarno é um velho relacinamento. O Festival de Locarno tem um olhar sobre determinados filmes e que está muito próximo da nossa produção. São filmes mais autorais e também independentes. Até a chegada do Olivier Père, só tinha o Open Doors, um programa que eles continuarão a fazer. Essa mostra é sempre temática: eles elegeram em 2008 a América Latina, quando foram apresentados inúmeros projetos do continente a uma enorme quantidade de potenciais parceiros. Em 2010, trouxemos dez projetos brasileiros, que farão parte da nossa safra de produção nacional em 2011.

swissinfo.ch: E quais foram os resultados dessa apresentação em Locarno?

R.M.: Foi muito positivo. Tivemos, sobretudo, a presença de formadores de opinião. Assim vários dos nossos cineastas brasileiros saíram do encontro com convites para outros festivais. Começaram umas quatro ou cinco negociações com vistas a uma futura coprodução. E, dois deles, já estão encaminhando uma negociação para obter uma distribuição internacional.

swissinfo.ch: Qual a imagem do cinema brasileiro no exterior? Ele se compara ao cinema iraniano ou argentino?

R.M.: Essa é a famosa discussão da identidade do cinema, que acho uma coisa muito vaga. Eu acho que o cinema brasileiro ainda sofre da imagem do Cinema Novo, ou seja, um cinema muito engajado politicamente ou direcionado à pobreza. Brinco bastante dizendo que a imagem que se tem do brasileiro na Europa ainda é muito miséria, bunda e carnaval.

A gente vem num processo de evolução, que chamados do cinema da pós-retomada – o Collor quando tomou o poder fechou a Embrafilme. A gente tinha uma produção de 80 filmes por ano e que caiu para dois, sendo que um era Renato Aragão e o outro a Xuxa.

Nesse cinema da retomada, os dois expoentes mais conhecidos são Walter Salles e Fernando Meirelles. E, ao contrário do pessoal do Cinema Novo, onde havia brigas internas muitos grandes, esses dois caras têm sido de uma generosidade impar com os novos diretores. Seja no sentido de apoiar, coproduzir, vender e tentar ajudar.

swissinfo.ch: Você acha que um prêmio como o recebido pelo filme “A Tropa de Elite” em 2008 foi um marco dessa mudança?

R.M.: O “Tropa de Elite” é algo especial. Não desgosto do filme, mas ele sofreu no Brasil um processo de pirataria, que não sabemos se foi uma jogada de marketing ou se foi real. Funcionou! O prêmio em Berlim foi absolutamente surpreendente. A única explicação que eu modestamente tenho, era a presença do diretor Constantin Costa-Gavras como presidente do júri.

É unanime. A maioria das pessoas não gosta do filme. Ele nem foi lançado na Alemanha ainda, foi muito mal na Argentina e em vários outros países. Foi um episódio sazonal. Porém não tenho nada contra o trabalho do (diretor José) Padilha.

swissinfo.ch: Mas o fato é que Urso de Ouro para o Tropa de Elite trouxe vantagens para o cinema nacional, não?

R.M.: Claro que ajuda! Sempre traz visibilidade. Pelo menos está se falando de novo no cinema brasileiro. Eu também acho que estamos em um processo de reconquista.

swissinfo.ch: Durante a entrevista com Ícaro Martins (codiretor do filme “Luz das trevas – a volta do Bandido da Luz Vermelha”, perguntei-lhe se ele achava também que o brasileiro estava voltando a dar atenção ao cinema de casa. Ele respondeu que não, pois sua quota continua reduzida a dez por cento…

R.M.: Há uma mudança no quadro do cinema brasileiro, mas temos de ser honestos: um problema básico está no fato do povo brasileiro não gostar de ver filme brasileiro. Esta nova geração tem dificuldades. Além disso, ir ao cinema é uma coisa cara. Claro que a gente briga com a invasão dos meios americanos. Para você ter uma ideia, o Observatório Europeu do Audiovisual fez uma pesquisa no ano passado, onde ele tentou detectar mundialmente qual era o interessa, no nível de público de cinema.

swissinfo.ch: E o resultado?

R.M.: Foi arrasador, 87% pertencem ao cinema americano. Os outros 13% é que são disputados pelos outros cinemas do mundo. É uma concorrência desleal! Além disso, acho que o Brasil vem sofrendo uma influência muito má da televisão. Temos feito boas bilheterias com produtos originais da Globo Filmes, mas na minha opinião isso não é cinema, mas sim televisão no cinema. É o caso da “Grande Família” ou do “Chico Xavier”, que não são filmes para festivais. É uma influência negativa, mas tem um fator positivo pelo fato de levar as pessoas ao cinema. Se a pessoa vai ver o Chico Xavier e o cinema estiver lotado, talvez ela queira entrar no filme ao lado e assistir o “Bandido da Luz Vermelha”.

swissinfo.ch: E para contrapor essa tendência, entra o Programa Cinema do Brasil como uma estratégia mais profissional para chegar aos mercados externos?

R.M.: Quando o Programa Cinema do Brasil começou em 2006, o contrato foi assinado e, 15 dias depois, já era o Festival de Cannes. Estávamos presentes por lá com um estande e uma delegação de 40 pessoas. Porém no festival o único filme que tinha a ver com o Brasil era chamado por nós de “salada russa”, pois era dirigido por um russo, filmado em uma praia do Rio Grande do Norte, falado em português e feito com dinheiro americano. O filme era apresentado na Semana da Crítica. Dois anos depois, já tínhamos dois filmes brasileiros na competição oficial de Cannes. Gradualmente tem havido um aumento significativo da presença do cinema nacional no exterior.

Alexander Thoele, Locarno,swissinfo.ch

É um programa de exportação de filmes brasileiros criado pelo SIAESP – Sindicato da Indústria Audiovisual do Estado de São Paulo – e financiado pela APEX-Brasil – Agência de Promoção de Exportações e Investimentos e pelo Ministério da Cultura.

O programa foi lançado em 2006 e hoje reúne mais de 100 empresas, segundo o site do programa.

Seu objetivo é ampliar a participação do audiovisual brasileiro no mercado internacional.

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