Colecionador alemão doa milhões em obras de arte a museu
Cornelius Gurlitt legou toda sua coleção ao Museu de Belas Artes de Berna. O anúncio foi feito pela instituição um dia após o falecimento, em 6 de maio de 2014, do colecionador alemão que escondeu durante décadas, num modesto apartamento, cerca de 1400 obras de mestres da pintura moderna. As autoridades suspeitam que uma parte da coleção tenha sido espoliada pelos nazistas de proprietários judeus.
“A notícia, absolutamente inesperada, causou uma enorme surpresa. Gurlitt e o museu nunca tiveram alguma relação”, ressaltou a direção da instituição em comunicado. Ela revela ter sido contatada pelo advogado do colecionador alemão, Christoph Edel, na quarta-feira por telefone e por escrito que o “Sr. Cornelius Gurlitt instituiu como legatário universal a fundação de direito privado do Museu de Belas Artes de Berna”.
O texto especifica que, embora o conselho de fundação e gestão de estabelecimento “experimentem uma sensação de reconhecimento e feliz surpresa”, não podem esconder ao mesmo tempo em que o legado impõe uma “responsabilidade considerável e coloca uma série de questões espinhosas em especial natureza jurídica e ética”.
Em seu comunicado, a direção do Museu declara sua incapacidade imediata de se posicionar até que possa consultar “os documentos essenciais e fazer o primeiro contato com as autoridades competentes”.
Disputa judicial e moral
Cornelius Gurlitt, um idoso de 81 anos que vivia isolado em um apartamento de Munique cercado de obras-primas de Chagall e Matisse, ficou famoso em novembro do ano passado quando a imprensa revelou a existência de seu tesouro.
Em abril de 2014, ele assinou um acordo com o Estado alemão para restituir as obras provenientes da espoliação de judeus aos seus herdeiros legais, com a condição que os mesmos fossem identificados no prazo de um ano.
Há dois anos, a justiça havia confiscado de Gurlitt obras que pertenceram ao seu pai, um marchand de passado turbulento que viveu sob o regime nazista (1933-45), no âmbito de uma investigação por fraude fiscal. No total, 1.406 obras foram encontradas, incluindo de grandes mestres da pintura como Picasso, Cézanne, Renoir e Dix.
Um dos quadros, “Mulher Sentada” de Matisse, é reivindicado pelos herdeiros do marchand judeu francês Paul Rosenberg, avô da jornalista francesa Anne Sinclair. Logo depois do anúncio de sua morte, as autoridades alemãs reagiram nesta terça elogiando a recente decisão de Gurlitt de cumprir os acordos de Washington de 1998, nos quais 44 países, entre eles a Alemanha, comprometeram-se a restituir obras de arte roubadas pelos nazistas aos antigos donos.
“Este será o mérito de Cornelius Gurlitt, o de enviar um sinal, como um indivíduo, reconhecendo sua responsabilidade moral, a fim de encontrar soluções justas”, ressaltou a secretário de Estado alemão da Cultura, Monika Grütter.
Procurado pela AFP, o porta-voz de Gurlitt não foi capaz de dizer se ele chegou a fazer um testamento. Sem filhos, Cornelius Gurlitt tinha uma irmã, já falecida. Não há possíveis herdeiros reconhecidos até este momento. Seu cunhado, Nikolaus Frässle, não foi encontrado para comentar a morte do idoso.
Segundo o Ministério da Justiça da Baviera, que analisa o caso, a morte de Gurlitt não muda o acordo assinado no início de abril com as autoridades alemãs sobre a busca das origens das obras e suas possíveis restituições. “O acordo também vincula possíveis herdeiros”, indicou um porta-voz do ministério regional à AFP.
Este acordo não inclui outras 238 obras que estavam em seu poder guardadas em outra de suas propriedades, em Salzburgo (Áustria). A existência dessas obras adicionais – 39 pinturas a óleo e aquarelas também assinadas por grandes nomes da arte – foi revelada à imprensa em fevereiro.
Gurlitt e seus advogados tinham prometido na época que encarregariam historiadores de rastrear a origem das obras e seus potenciais beneficiários. Aparentemente dominado pela cobertura da mídia sobre sua história, o homem de cabelos brancos, que preferia escrever uma carta a telefonar, criou há alguns meses um site de informações: “www.gurlitt.info”. “Eu só queria viver com as minhas pinturas, em paz e tranquilidade”, escreveu ele no topo da sua página inicial.
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