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Columbia Pictures: uma retrospectiva para um grande estúdio de cinema

Uma mulher segurando um farol
O estúdio Columbia Pictures foi fundado originalmente em 1918 como "Cohn-Brandt-Cohn Film Sales" pelos irmãos Jack e Harry Cohn e pelo melhor amigo de Jack, Joe Brandt. Credit: Rgr Collection / Alamy Stock Photo

Ehsan Khoshbakht, crítico de cinema iraniano radicado em Londres, é o curador de um dos eventos principais do Festival de Cinema de Locarno: uma retrospectiva dos clássicos da Columbia Pictures dos anos 1930 até o final dos anos 1950. Ele explica os desafios e as alegrias desse tour de force intercultural.

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O Festival de Cinema de LocarnoLink externo é uma das plataformas mais férteis para a descoberta de novos talentos, mas também tem sido um dos melhores lugares para explorar a história do cinema. Todos os anos, a seção “Retrospectiva” de Locarno se concentra em um tema específico.

O cinema popular mexicano dos anos 1940 e 1950; Douglas Sirk, o mestre do melodrama; os grandes “Filmes Negros” através dos continentes – essas são apenas algumas das retrospectivas mais recentes exibidas em Locarno e, posteriormente, exibidas em vários países.

Este ano, o público foi agraciado com uma retrospectiva de 40 filmes da Columbia Pictures, “The Lady with the TorchLink externo” (A Mulher com a Tocha”) organizada em parceria com a Cinémathèque suisse. Este evento marca o centésimo aniversário do famoso estúdio de Hollywood.

Nascido em 1981 no Irã, Ehsan Khoshbakht cresceu durante o período mais severo de censura artística da República Islâmica. Cinéfilo em formação antes da era da internet, dos computadores e das cópias piratas, a única maneira de saciar sua sede de filmes era por meio de uma rede clandestina que mantinha viva a arte da luz em tempos sombrios. Essa história é explorada em seu último documentário, “Celluloid Underground”, cuja estreia ocorreu no Festival de Cinema de Londres no ano passado.

Ehsan Khoshbakht é um dos diretores e principais programadores do festival “Il Cinema Ritrovato” em Bolonha, um festival único dedicado exclusivamente à história do cinema. Para a edição deste ano, ele organizou uma retrospectiva dedicada ao diretor Anatole Litvak, nascido em Kiev, que fez filmes na França, Alemanha e em Hollywood entre as décadas de 1930 e 1970.

Em 2023, Ehsan Khoshbakht organizou o programa mais abrangente do cinema iraniano pré-revolucionário para o Museum of Modern Art (MoMA) de Nova York.

Além de seu trabalho como programador, ele é autor de vários livros em persa sobre temas como filmes ocidentais, cinema clássico de Hollywood, bem como cinema e arquitetura.

Um homem de óculos e terno
Ehsan Khoshbakht durante uma apresentação no Festival Internacional de Cinema de Viena (Viennale) em 2023. Viennale

swissinfo.ch: Você tem alguma lembrança marcante dos filmes da Columbia durante sua infância?

Ehsan Khoshbakht: A Columbia foi um dos primeiros estúdios a entrar na televisão. Nos anos 1950, uma geração de pessoas que não tinha visto os filmes das décadas de 1930 e 1940 começou a assistir Os Três Patetas na televisão, que se tornaram de repente um fenômeno cult. Seus filmes eram sempre curtos – cerca de quinze minutos.

Nos anos 1950, a Columbia começou a produzir longas-metragens com eles para aproveitar esse novo sucesso. O primeiro filme da Columbia Pictures que vi foi justamente um desses filmes dos Três Patetas, “Have Rocket, Will Travel”, na televisão iraniana. É um filme de ficção científica em que uma aranha gigante os persegue na lua. Esse filme me marcou!

Eu era um grande fã de Glenn Ford desde a minha adolescência e, mais tarde, percebi que ele estava fortemente associado à Columbia.

Cartaz antigo
Antigo cartaz do filme “Gilda”, estrelado por Glenn Ford e Rita Hayworth. Arta Barzanji

swissinfo.ch: Quais são os elementos que distinguem a Columbia Pictures dos outros estúdios de Hollywood?

E.K.: O sistema dos estúdios baseava-se em contratos de longa duração, geralmente de cerca de sete anos, que permitiam vincular e explorar as diferentes pessoas que trabalhavam nesse setor, especialmente as estrelas, que eram tratadas como bestas de carga.

No entanto, a Columbia não fazia contratos de longa duração, pois o estúdio não queria correr o risco de contratar alguém por um longo período e que pudesse perder o favor do público. Em vez disso, a Columbia se tornou essencialmente um estúdio de “freelancers”. Isso significa que o estúdio contava com vozes, talentos e visões diferentes, que iam e vinham constantemente.

O lado negativo disso talvez seja um certo ecletismo, já que o estúdio não desenvolveu um estilo particular, como seus grandes rivais, como a Warner Brothers ou a MGM. Se a Columbia não era classificada entre os cinco “grandes” estúdios de Hollywood, também não era um estúdio pobre de filmes de série B; estava em algum lugar no meio, e fazia as coisas de uma maneira completamente diferente dos outros estúdios, fossem eles ricos ou pobres.

A Columbia tinha variações fascinantes que correspondiam às definições mais amplas do sistema dos estúdios e, ao mesmo tempo, se desviavam delas.

Foto em preto e branco de um casal
“The Glass Wall”, filme de 1953, é, de acordo com Ehsan Khoshbakht, “um título que ressoa muito hoje em dia”. 1953 Columbia Pictures Industries, Inc. All Rights Reserved

swissinfo.ch: Você pode nos contar sobre o início modesto da Columbia?

E.K.: O estúdio começou com recursos muito limitados e se desenvolveu de maneira muito cautelosa e discreta. Do final da década de 1920 até o final dos anos 1930, o sucesso e o prestígio da Columbia estão associados a um único nome: Frank Capra.

Isso era muito incomum para os estúdios de Hollywood, pois cada um deles contava com vários diretores nos quais podia confiar. No entanto, para a Columbia, tratava-se de encontrar as estrelas ou diretores certos e apostar neles sem correr o risco de ter muitos nomes e rostos ao mesmo tempo.

Depois de descobrir Rita Hayworth, a Columbia fez poucas tentativas de encontrar outros talentos além dela. Outras estrelas surgiram ou foram cultivadas apenas depois que Rita Hayworth começou a ter resultados medíocres nas bilheterias.

Além disso, o orçamento da Columbia era muito diferente do dos outros estúdios. O orçamento de um filme “A” na Columbia estava mais próximo do de um filme “B” nos grandes estúdios, como a MGM. A Columbia evitava deliberadamente certos tipos de filmes que exigiam orçamentos mais altos, como musicais. Ela produziu muito poucos musicais e, quando o fez, teve de recorrer a talentos internos, como compositores, coreógrafos e dançarinos.

Três pessoas no palco dançando
“O diretor Richard Quine foi muito subestimado”. Sua versão de 1955 de ‘My Sister Eileen’ é um “musical em Cinemascope que exibiremos em uma versão restaurada”, explica Ehsan Khoshbakht. 1955, Renewed 1983 Columbia Pictures Industries, Inc. All Rights Reserved

Ao enfrentar esses desafios de produção, o estúdio se concentrava na história: qualquer história que pudesse ser contada em três cenários era a especialidade da Columbia, que era mestre nos “filmes de três cenários”. Gradualmente, o estúdio se tornou mais ambicioso graças ao sucesso dos filmes anteriores, especialmente após Frank Capra ganhar os Oscars na década de 1930.

Esse aumento de confiança continuou até o último ano coberto por esta retrospectiva, ou seja, 1959. Mas mesmo após esse ano, a Columbia continuou a produzir grandes sucessos de bilheteria.

swissinfo.ch: Como foi o processo de seleção dos filmes para esta retrospectiva?

E.K.: Imprimi o calendário completo dos lançamentos da Columbia Pictures de 1929 a 1959 e comecei a assistir ao máximo de filmes possível. Assisti a pelo menos um título por mês de lançamento, pois certos padrões começam a emergir. Também me certifiquei de que todas as grandes estrelas e todos os gêneros fossem contemplados nesse processo.

Depois de elaborar minha lista do que poderia ser representativo da Columbia, tive que decidir o que deixar de fora. Precisei criar categorias e me certificar de ter visto filmes suficientes de cada uma delas: filmes de diretores que fizeram mais do que um determinado número de filmes no estúdio (como Roy William Neill), clássicos absolutos e filmes menos conhecidos de grandes diretores, grandes filmes de nicho e, finalmente, filmes com ou sobre mulheres.

Este último ponto foi uma das maiores qualidades da Columbia. Ironicamente, o estúdio dirigido pelo misógino Harry Cohn era, ao mesmo tempo, um terreno fértil para muitos talentos femininos como produtoras, roteiristas e, pelo menos, uma diretora, Dorothy Arzner. Virginia Van Upp, a primeira mulher produtora executiva da história de Hollywood, foi nomeada na Columbia. E ela produziu “Gilda”!

Tabela em um papel
anotações de Ehsan Khoshbakht sobre a seleção de filmes para a retrospectiva. Arta Barzanji

swissinfo.ch: O que faz de Locarno o festival ideal para acolher essa retrospectiva?

E.K.: Antes de tudo, é uma questão de recursos. Poucos festivais são capazes ou estão dispostos a sediar grandes retrospectivas. De certa forma, Locarno é o único grande festival no mundo que ainda pode acolher eventos dessa envergadura: exibir os filmes com os melhores elementos disponíveis (incluindo muitas cópias em 35 mm), publicar um livro com ensaios originais e manter uma certa qualidade ao longo de todo o evento.

Estava lendo um livro de entrevistas com o falecido Michel Ciment, um dos editores-chefes da revista de cinema PositifLink externo, que contou que quando ele fazia parte do júri de Locarno com o cineasta iraniano Abbas Kiarostami, eles tinham o hábito de assistir aos filmes de Yasujirō Ozu pela manhã, o que, imagino, era o tema da retrospectiva daquele ano, e depois assistiam aos filmes que precisavam julgar à tarde. Essa combinação, que simultaneamente coloca à disposição do público o passado e o presente do cinema, é a chave para o sucesso de qualquer festival de cinema, embora a maioria deles não tenha consciência disso.

swissinfo.ch: Seu novo filme, o documentário “Celluloid Underground”, acaba de ser lançado. Qual é a dinâmica entre seu trabalho como curador e como cineasta?

E.K.: Eu faço filmes sobre filmes e assuntos que não posso mostrar; seja porque já foram feitos filmes sobre eles, seja porque eles não são acessíveis. Assim, minha produção cinematográfica é uma extensão do meu trabalho de curadoria, com o objetivo de preencher essas lacunas.

Meu primeiro filme, “Filmfarsi” (veja o trailer abaixo), foi sobre o cinema popular iraniano pré-revolucionário, cujos filmes são proibidos hoje. O mesmo vale para “Celluloid Underground”. Trata-se da história de como a proibição de filmes estrangeiros após a revolução afetou minha cinefilia.

Conteúdo externo

Edição: Eduardo Simantob

Tradução: Karleno Bocarro

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