Comida tradicional é cada vez mais valorizada
Slow Food, a salvação da lavoura, da pesca, das criações. Suíços participam em Turim da maior e principal feira de idéias, experiências de técnicas agro-alimentares de produtos tradicionais históricos em todo o mundo.
Diga-me o que comes que te direi quem és.
Um revolução silenciosa está ganhando corpo nas plantações e nas criações espalhadas por todo o planeta, com importância igual, quer nos vales dos Alpes suíços ou nas margens do rio Amazonas.
O povo persistente e lento do Slow Food conquista terreno nos cinco continentes. O consumidor do século 21 está mais atento à qualidade do alimento sem o uso de agrotóxicos.
A vida moderna impôs, goela baixo do homem, organismos geneticamente modificados e cadeias de fast-food.
Vinte anos atrás um pequeno exército de Brancaleone, liderado pelo italiano Carlo Petrini, começou a dar vida ao movimento de resistência e de luta pela preservação das qualidades originais dos alimentos em risco de extinção, além da reeducação do paladar.
Hoje ele é formado por milhares de camponeses, pastores, produtores e consumidores no mundo inteiro. Por ora, a Suíça defende a sua cultura alimentar através de dois produtos típicos: o queijo Zincarlin e a salsicha de cabra, a “cicitt”.
Suíços em extinção
Os dois estavam com os dias contados e destinados a virar capítulos de livros de história da culinária do país mas acabaram caindo na rede do Slow Food. Eles fazem parte do projeto Presìdi, criado no ano de 2000 para proteger a pequena produção artesanal.
O Vale de Muggio, no Cantão do Ticino (região sul) foi o escolhido para abrigar o Zincarlin. Mas atenção, ele também é encontrado no lago de Como e em Varese, embora a modalidade de produção à italiana seja diferente.
O Zincarlin helvético é um queijo fresco com origem numa pasta ácida de leite de vaca acrescido com pequenas doses daquele de cabra.
Ele é aromatizado com pimenta escura. A crosta é tratada com vinho branco nos quinze primeiros dias de maturação. O Zincarlin é envelhecido por dois meses e deixado em repouso em cantinas naturais frescas, semi-enterradas ou em ânforas de argila. E se reconhece à distância com a sua forma de taça de cabeça para baixo, a cor cinza-rosado e um aroma que não se assemelha com nenhum outro italiano ou francês.
“Nós estamos no programa desde 2004. Produzimos 200 queijos por mês. Estamos ainda nos organizando numa cantina, encontrando produtores que nos forneçam matéria-prima para depois investirmos no comércio”, conta a pioneira Cristina Solari, da Zinarlin Sagl, para swissinfo. ‘Mas é muito difícil manter a cultura tradicional nos dias de hoje”.
As leis suíças de produção agrária limitam muito o fornecimento de leite cru, se lamenta ela. “A luta é contínua e conseguimos manter a produção porque a maturação de dois meses para cada lote nos permite fazer frente ao contrôle das autoridades”, afirma a produtora Cristina Solari.
Oportunidade para os jovens
O seu vizinho de banca no “Salone del Gusto”, o produtor de salsicha “cicitt”, Pascale Favra, tem um outro problema: ” Os jovens estão desencorajados, pois não enxergam vantagem na produção”, diz ele a swissinfo.
Os resultados não aparecem da noite para o dia. A carne de cabra é pouco conhecida entre os consumidores. Leva tempo para eles digerirem a idéia de comer um salsicha sem ser de porco ou de frango.
A salsicha, longa e fina, é produzida inteiramente com a carne, o coração e a gordura do animal. Durante o outono, a “cicitt” vem ensacada no intestino da própria cabra. Ela tem uma cor marrom-escuro e se come assada.
Se acredita que este processo tenha nascido em Cavergno, um vilarejo no Vale de Maggia, no Ticino, quando a cabra era a “vaca dos pobres”.
Lá ainda se encontram dois dos poucos produtores perseverantes. Uma época, no começo do século 20, a família Dadó fez fortuna com os “dadolin”-suas salsichas era famosas em todos os cantões .
“Ela tem um perfume muito forte, um gosto muito marcado de cabra”, diz Pascale Favra. E justamente para evitar o sabor acentuado é que muitos açougueiros produzem uma versão mais amena da “cicitt”, descaracterizando a sua autenticidade.
“Eles pensam que nós consumidores não somos capazes de perceber a diferença entre um produto de uma cabra do Ticino e da cabra de uma outra região. Se enganam”, conta para swissinfo, Meret Bisseger, responsável pelos projetos do Slow Food na Suíça.
“A idéia é convencer outros produtores e açougueiros e este é o meu principal problema. Muitos produtores nem ouviram falar de Slow Food. Por isso os trouxe aqui para “Salone del Gusto”, para eles conhecerem outras experiências, trocarem informações. Queremos que eles se organizem, se disciplinem e, no fim, sintam orgulho de terem produzido algo especial e que corresponde, realmente, ao que está escrito na embalagem”, conclui ela.
“Nos vales de Locarno somos apenas quatro produtores mas poderíamos ser muito mais. A “cicitt” representa uma grande oportunidade de trabalho para o jovem que quer começar uma atividade”, comenta Pascale Favra.
Todos à mesa, de trabalho
E o melhor local para provar o gostinho desta marcha sem retorno de camponeses de todo o mundo era o evento Terra Madre, dentro do Salão.
Nele, cinco mil participantes de 1.600 localidades da Europa, América Latina, América do Norte (Estados Unidos, pátria do fast-food) África, Ásia e Oceania criaram uma rede ágil de informações sobre novas técnicas agrícolas em sintonia com a manutenção da biodiversidade.
Isso sem falar nos suportes para a proteção e preservação de seus produtos originais dos ataques das multinacionais da indústria alimentar, do incentivo à criação de cooperativas para facilitar o escoamento e a comercialização da produção, da redução da distância entre o produtor e o consumidor e, naturalmente, a abertura de novos mercados – locais e internacionais – aos consumidores dispostos a pagar o preço justo.
Micro-crédito e melhor organização
Para isso já se discute a elaboração de financiamentos especiais, micro-créditos para agricultores, criadores e pescadores artesanais. No rastro do Slow Food, chega o Slow Money, aquele capital inicial sem a gula do lucro selvagem, mas com fome de desenvolvimento sustentável de alimentos originais e saudáveis.
O fundamental é conseguir recursos para comunidades financeiramente pobres mas ricas de saber e donas de um patrimônio inestimável: as receitas mágicas de um tempo antigo. Como por exemplo, o queijo Tête de Moine, criado pelos monges do mosteiro medieval de Bellelay. São 800 anos de história de um queijo servido sempre raspado em forma de flor, genuinamente “made in Swizerland”.
swissinfo, Guilherme Aquino, Turim
Fundado na ItáliaSlow Food apóia o resgate de antigas técnicas de cultivo das plantas, de pastoreio dos animais, em busca do sabor e do perfume de iguarias perdidos no tempo.
Começou como movimento de resistência ao fast food (comida pronta) e luta pela preservação das qualidades originais dos alimentos em risco de extinção, além da reeducação do paladar.
Hoje ele é formado por milhares de camponeses, pastores, produtores e consumidores no mundo inteiro. Por ora, dois produtos tipicamente tipicamente suíços contam com apoio do Slow Food: o queijo Zincarlin e a lingüiça de bode “cicitt”.
Slow Food congrega mais de 80 mil pessoas no mundo e cerca de 2.800 na Suíça. Os membros são organizados em quase 800 grupos locais que promovem atividades de promoção da gastronomia.
Na Suíça são 16. Aderir ao Slow Food suíço custa 120 francos por ano. A inscrição dá direito a descontos em restaurantes e casas comerciais.
Cinco mil pessoas de 1.600 localidades dos cinco continentes participaram este ano em Turim (de 26 a 30 de outubro) do Terra Madre, encontro anual promovido pelo movimento Slow Food.
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