Como a marca de relógios Bovet prosperou com seu novo dono
Aqueles com certa idade talvez se lembrem de um comercial de televisão de 1979, feito para a máquina de barbear elétrica Remington, no qual o empresário americano Victor Kiam mostrou que realmente acreditava no que dizia. “Gostei tanto do barbeador”, declarou ele, “que comprei a empresa”.
Kiam morreu em 2001, o mesmo ano em que o empresário francês Pascal Raffy abandonou os seus planos de aposentadoria antecipada e “comprou a empresa”, após ficar igualmente impressionado com os encantos, talvez menos masculinos, da relojoaria Bovet, do século XIX.
Enquanto a máquina de barbear Remington ficou famosa por suas “micro telas duplas”, Edouard Bovet fez sucesso fabricando pares de relógios idênticos, adornados com pinturas em miniatura iguais, muitas vezes retratando ramos de flores.
Bovet, nascido na Suíça, mudou-se para Londres em 1814, aos 17 anos, para estudar horologia. Quando era aprendiz do fabricante britânico Ilbury & Magniac, ele foi enviado para Cantão, na China, onde rapidamente vendeu um quarteto de relógios de bolso pelo equivalente hoje em dia a US$1 milhão (CHF 910.000).
O mercado asiático para joias caras que também davam as horas já estava bem estabelecido. Isso encorajou Bovet a criar sua própria empresa, em 1822, apenas para fornecer à China, onde conquistou uma fiel clientela para seus pares de relógios de bolso decorados com imagens idênticas e primorosamente esmaltadas. Suas caixas e coroas, estas últimas sob um “laço”, eram rodeadas de pérolas.
Bovet morreu em 1849, pouco antes que o mercado se tornasse insustentável devido à concorrência dos relógios franceses e americanos, ao aumento das falsificações chinesas e às dificuldades causadas pela guerra do ópio. A família Bovet vendeu tudo para novos donos suíços em 1864, e a empresa continuou a funcionar até o ano 2000, quando Raffy descobriu que ela estava à procura de novos investimentos.
Aposentadoria antecipada
Embora tivesse apenas 36 anos na época, Raffy já estava aposentado. Ele havia comprado uma pequena empresa farmacêutica uma década antes, que depois se fundiu com a empresa Synthelabo, que Raffy, sendo advogado, ajudou a expandir para o norte da África antes de ela se tornar parte do grupo francês Sanofi.
Após vender sua empresa, Raffy virou um homem rico, e recebeu muitas ofertas para comprar ações de fabricantes de relógios, uma vez que era conhecido como um sério colecionador de relógios valiosos (212 na última contagem).
Mas foi apenas quando viu seu primeiro Bovet, ainda magnificamente acabado e com seu característico “laço” no topo, que ele foi levado a apostar no negócio – num momento em que a marca fabricava menos de 150 relógios por ano.
A compra da maioria das ações da empresa, feita em 2001 (que supostamente foi de US$ 5 milhões), provou ser apenas a ponta do iceberg. Em 2003, ele havia comprado as partes de seus sócios e, em 2006, não apenas adquiriu o fornecedor de peças da Bovet, seu fornecedor de mostradores e uma parcela de seu fabricante de caixas, mas também foi consultado pelo cantão suíço de Neuchâtel para saber se ele estaria interessado em comprar um castelo do século XIV.
“Eu não tinha desejo algum de ter um castelo, mas quando descobri que ele pertencera à família Bovet de 1835 até quando eles o doaram ao cantão, em 1957, eu naturalmente tive de comprá-lo”, explica ele.
O Château de Môtiers, com 5.800 metros quadrados e uma vista para o Val-de-Travers, teve uma porção de sua área destinada à montagem de relógios. Todos os mostradores, ponteiros, caixas de movimento e até mesmo molas da Bovet são produzidos a uma hora de distância, numa fábrica de última geração na cidade de Tramelan, que também fornece peças para outras marcas, assim como para empresas aeronáuticas, médicas e de eletrônicos.
“Respeito” pela relojoaria
Embora lucro e prejuízo com certeza façam parte do pensamento empreendedor de Raffy – uma vez que se acredita que ele tenha investido 35 milhões de dólares no negócio –, sua principal preocupação é preservar o que ele chama de “respeito” pela relojoaria e a maestria das múltiplas técnicas artesanais essenciais para a criação de um relógio Bovet.
“Tenho o maior orgulho quando vejo todos os nossos gravadores, pintores de miniaturas e relojoeiros trabalhando juntos”, diz Raffy sobre os seus 92 funcionários, 70% dos quais trabalham para a empresa desde que ele integrou todas as etapas da produção, em 2006.
“Tendo estado profundamente envolvido no setor da saúde, entendi como era importante garantir que todos se sentissem seguros durante a pandemia do coronavírus, por isso paramos temporariamente a fabricação para dar a todos os artesãos o máximo de tempo em casa”, diz ele. “Mas, no final, o que eles realmente queriam era voltar ao trabalho e continuar a fazer o que amam”.
Raffy estima que a pandemia levou o número de relógios fabricados no ano comercial de 2020-21 a cair para 800, 1.000 a menos do que o normal.
Mas, com 35% dos 800 relógios sendo encomendas sob medida e as peças mais complexas – que Raffy chama de “os grandes bebês” – custando até 1 milhão de francos (US$ 1,1m), a Bovet continua forte.
Ela também continua a honrar a promessa de que mesmo seus relógios menos caros – cujo preço começa em CHF 18.500 para modelos da coleção 19Thirty – devem ter um acabamento num padrão tão alto quanto aqueles com preços de sete dígitos.
Neste momento, contudo, a atenção de Raffy está voltada para a criação de um modelo de ponta, a fim de celebrar a feliz ocasião do 200º aniversário da Bovet no próximo ano. “Esse”, diz ele, “realmente terá de ser um bebê muito grande”.
Copyright The Financial Times Limited 2021
Adaptação: Clarice Dominguez
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