Dana Grigorcea usa arte como um perfume
Bucareste, Viena, Berlim ou Zurique: a arte não conhece fronteiras, segundo a escritora romeno-suíça Dana Grigorcea. Em seu terceiro romance Que não morre, o Conde Drácula é um espelho de nosso mundo.
De Berlim, ela veio para Zurique com seu futuro marido para receber um prêmio literário que ele havia ganhado. Com o dinheiro recebido, Perikles Monioudis convidou seus amigos artistas para celebrar. Pegaram um barco no lago Zurique, recitaram poemas e beberam champanhe ao pôr do sol. “Veja, é Zurique”, disse o escritor à esposa. Ela respondeu: “Vamos ficar por aqui”.
Estamos sentados em frente à ópera da Sechseläutenplatz em Zurique. Dana Grigorcea ri. Ela abre os braços como se fosse abraçar o mundo. “A generosidade é o que caracteriza a artista”, exclama.
Em Zurique, o casal morou por um tempo no apartamento de Marianne Oellers, a segunda esposa de Max Frisch. Dana Grigorcea escreveu seu primeiro romance sobre a mesa do escritor, onde alguns manuscritos secretos ainda adormecem em uma gaveta. Depois de sua infância, passada em Bucareste, ela fez estágios na área do cinema e do teatro em Bruxelas e, em Viena, estudou jornalismo. Em seguida, trabalhou para a rede de TV Art , a Wiener Kurier e a Deutsche Welle, no setor cinematográfico.
Em sua série “Os mundos literários suíços”, a crítica literária de língua alemã Anne-Sophie Scholl seleciona para a swissinfo.ch autores notáveis da literatura suíça contemporânea.
Parte 1: Arno Camenisch, nascido em 1978
Parte 2: Dorothee Elmiger, nascido em 1985
Após o nascimento dos filhos, Dana Grigorcea e o marido mudaram-se definitivamente para Zurique. Ela foi imediatamente aceita como autora suíça com seu primeiro romance, Baba Rada, publicado em 2011. Foi uma confirmação: a arte não conhece fronteiras. “Eu só me sinto uma estrangeira em um sentido global: estrangeira para o mundo.”
Uma pedra em um lago escuro
Dana Grigorcea sempre manteve contato com a Romênia. A Romênia aparece na estrutura de todos os seus textos. Apenas o livro A senhora com o cachorrinho, publicado em 2018, ocorre em Zurique. No entanto, como escreveu um crítico, Dana Grigorcea está indo mais para o oeste em seus livros. Na verdade, uma cena de seu último romance é inspirada em um momento vivido nos Estados Unidos. Durante um tour de leitura, a escritora observou um homem que jogava pedras em um lago para um cachorro. O animal não conseguia alcançar as pedras mas as pessoas ao seu redor batiam palmas e diziam: “Incrível, incrível!”.
Então ela mesma jogou um pedaço de pau para o cachorro, que felizmente o abocanhou. A cena é descrita em seu último livro. A epígrafe ecoa o seguinte: “E assim o círculo nunca cessa de se alargar, como as ondulações de uma pedra atirada à água”. (Drácula Bram Stoker). E Dana Grigorcea declara: “Eu tirei a pedra do lago escuro.”
“Eu fingia estar dormindo profundamente e vendo tudo em um sonho, incluindo aquilo que finalmente apareceu para mim como uma fumaça verde cintilante, um forte incenso picante que agora enchia a sala. Nas paredes, ouvi algo rastejar e o ar estava úmido. No calor da noite de verão, sua forte ferroada me congelou e me aqueceu ”, escreve Dana Grigorcea em seu romance Que não morre.
Neste livro, Dana Grigorcea se refere ao Drácula, em alusão ao escritor irlandês do século XIX, Bram Stoker, que une o vampiro com a figura histórica do príncipe da Valáquia, Vlad, o Empalador. Mas a obra é também um romance sobre a Romênia comunista, sob a ditadura de Nicolae Ceausescu. E sobre a era que se seguiu, com os novos vampiros. Ainda, é um romance sobre arte: o narrador é um pintor que busca a beleza, questiona pinturas e sua percepção sobre imagens.
Uma pequena poltrona na ópera
A arte é um tema recorrente na obra de Dana Grigorcea, principalmente em seu segundo romance, com o qual ela ganhou a terceira medalha do Prêmio Ingeborg-Bachmann e foi selecionada para o Prêmio do Livro Suíço em 2015. “A arte nos faz pessoas melhores? ” é o subtítulo de sua coleção de ensaios Über Empathy. A escritora diz que ainda não encontrou uma resposta para esta pergunta. A obra é editada pela pequena editora Télégramme, que ela dirige com o marido há dois anos e que se desenvolveu quase que organicamente a partir de sua rede de artistas.
“Quero acreditar que através da arte você pode chegar ao coração do mundo e do amor como sua própria expressão.” Graças ao seu último romance, Dana Grigorcea aprendeu a lançar um olhar novo na sociedade em que cresceu. Era uma sociedade de classe média alta. No livro, ela retrata pessoas que vivem às voltas com seus códigos culturais de um mundo fechado: referências à literatura, música ou pintura. Eles não veem a miséria dos pobres. Dana Grigorcea deseja que a cultura permaneça acessível a todos. “Literatura e arte têm seu lugar no centro da sociedade”, diz ela. Ainda que os sinais dos tempos pareçam apontar para uma direção diferente, “a assertividade torna a arte possível”.
Dana Grigorcea parece usar arte e cultura como um perfume que ela adora compartilhar. No entanto, diz ela, “é uma grande decisão ser artista e viver disso”. A arte exige humildade, diz ela. Em Bucareste, ela cresceu frequentando a ópera e teve aulas de balé. Um dia, ela abriu uma porta errada, que levava a um mezanino. Dias depois ela regularmente se esgueirava para o mezanino para assistir os artistas se apresentarem no palco em sua melhor forma. Havia uma cadeirinha ali.
Como um convite
“A escuridão não dissipa a escuridão, só a luz pode fazê-lo”, cita a artista. Dana Grigorcea há muito se questiona se deveria usar, no início de seu romance, esta citação de Martin Luther King em vez daquela do romance Drácula. É assim que aparece a dimensão política do livro. Desde os primeiros trechos, Susanne Krones, da editora alemã Penguin Verlag, ficou profundamente impressionada com a ousadia com que Dana Grigorcea recorre a uma metáfora muito grande para reviver o mito do Drácula. “Como, com humor e grande sensualidade, surge um romance sobre uma geração inteira e a nostalgia tóxica de um punho de ferro que atualmente está colocando em risco nossa Europa livre. É único”, comenta a editora.
O romance trata do nacionalismo e do chauvinismo que há muito se pensava terem sido vencidos. Do desejo mórbido das pessoas de renunciar ao poder e acreditar que estão seguras. E do tom moralizante e vingativo que pode ser observado em todo o mundo. Literatura é isto: um convite generoso para descobrir um outro lugar e a oportunidade de conhecê-lo em vários níveis.
A narradora é uma pintora que estudou em Paris. Ela retorna à cidade B., aos pés dos Cárpatos, onde sua tia-avó Mamargot passava todos os verões com a família e amigos em uma vila expropriada durante a ditadura. Os horrores do comunismo ficaram para trás mas o lixo da época ainda está armazenado no porão. O prefeito quer construir um parque para encher seus bolsos. De repente, Drácula sai do cofre da família. É tudo um sonho ou realidade? À noite, a narradora sente estranhos poderes crescendo dentro dela. Como uma Vampirela, voa pelo campo enluarado e assedia o filho do prefeito em uma quadra, durante uma partida de tênis.
Estas são imagens perturbadoras que Dana Grigorcea descreve em seu terceiro romance Que não morre. A escrita é poderosa, engenhosa e dramática. Lagoa, autorretrato ou espelho: com leves deslocamentos, motivos recorrentes permeiam o texto e se refletem. Há emoção e profundidade, política e poesia: uma leitura muito agradável.
Dana Grigorcea, Die nicht sterben , Penguin, 272 páginas
Adaptação: Clarissa Levy
Adaptação: Clarissa Levy
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