Luca Zanetti viveu durante 7 meses a aventura da viagem de Che Guevara pela América do Sul, mas ao invés da moto, o suíço realizou sua viagem com suas duas paixões: uma bicicleta e uma máquina fotográfica.
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Jornalista da Rádio Suíça Internacional (RSI) Schweizer, a predecessora da SWI swissinfo.ch, desde 1999. Originalmente jornalista investigativa e repórter de televisão no México.
Zanetti jura que nunca repetirá esse duplo romance, embora diga que guarda na memória o olhar curioso das pessoas que o viam passar montado em uma com a outra pendurada no pescoço; o cheiro de terra molhada, a brisa do mar, as planícies, as grandes montanhas e os caminhos sinuosos pela cordilheira mais longa na Terra que se tronaram cúmplices silenciosos de suas andanças.
“Me viam como um herói”, lembra das pessoas que o recebiam quando chegava nas cidades ou nos vilarejos dos Andes, em altitudes que variavam de zero a 5000 metros durante os 140 km que percorria por dia. Mas quando os curiosos perguntavam como conseguia realizar tal proeza, a admiração se dissipava em segundos.
“É uma bicicleta elétrica”, respondia Luca.
“Ahhh! Como uma moto!”, concluíam desapontados, não com a bicicleta, mas com o ciclista, que consideravam um fanfarrão que só fingia pedalar. É que o Cone Sul não é a China, um país com cerca de 200 milhões de “e-bikes”; ou a Suíça, onde se estima que uma em cada seis bicicletas seja elétrica.
Mas a ousadia estava justamente aí: mostrar em locais remotos e nas cidades da América do Sul, com seus grandes problemas de trânsito, como uma “e-bike” pode ser um passo no sentido de uma mobilidade mais ecológica.
E sua outra companheira inseparável? Zanetti, hoje aos 45 anos, vive há anos com ela. Foi sua mãe que, aos 14 anos, lhe mostrou a magia da fotografia. Estavam em plena Revolução Sandinista (1985, Nicarágua). Desde então, o fotojornalista não parou de andar pelo mundo com sua câmera. “Eu sempre fui fascinado pela estrada”, confessa.
Ele resolveu batizar a viagem de “Diários de bicicleta eléctrica” (The E-Bike Diaries) em referência ao “Diários de Motocicleta”, filme sobre a viagem que Che Guevara havia feito em 1952 pela América do Sul. A ideia de Zanetti, pelo menos no campo da mobilidade, seria tão “inovadora” na região quanto às ideias do Che para acabar com a desigualdade na época.
O suíço italiano chamou a atenção de jornais, revistas e emissoras de televisão que o acompanharam em alguns pontos dos 11.150 km percorridos durante a viagem através do Chile, Argentina, Bolívia, Peru, Equador e Colômbia, países onde a exploração de hidrocarbonetos e a utilização maciça de água na mineração deixam pouco espaço para o cuidado dos recursos naturais e a transição para o uso de fontes de energia renováveis.
Salvo por um painel solar
Mas em terras inóspitas, onde alguns moradores não recebem nenhum benefício da grande produção de hidrocarbonetos, o destino pode reservar alguns “milagres”.
Na Patagônia Argentina – após o desfiladeiro Pino Hachado (1863 m), na fronteira com o Chile – uma região cuja principal atividade produtiva é a exploração de hidrocarbonetos e onde é produzido 50% da hidroeletricidade consumida na Argentina, havia lugares que simplesmente não tinham fiação elétrica.
De repente, do nada, um sítio com um painel solar. “O agricultor nos permitiu carregar as baterias das bicicletas, pois estávamos prestes a ficar sem reserva. Liguei tudo ao mesmo tempo e – Paff! – acabou toda a luz… nem a geladeira funcionava mais. Ainda bem que a energia voltou logo depois.”
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A morte de um lago
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(Fotos e comentários: Luca Zanetti)
Zanetti, uma a uma, conseguiu finalmente carregar as 8 baterias de íon de lítio. “Foi a nossa salvação! Só vi painéis solares na Argentina. Nas áreas remotas, esta energia é armazenada em baterias de caminhões”.
O lago que virou deserto
Contados nos dedos de uma mão também foram os parques eólicos. “Apenas alguns no Chile”, diz. Mas se falarmos de danos ambientais, o momento mais trágico foi percebido em Oruro, na Bolívia:
“Presenciar o cadáver do lago Popoó e fotografar alguns dos seus órfãos entre as 736 famílias de pescadores que se encontram agora sem meios de subsistência devido à voracidade da indústria de mineração, às alterações climáticas e à política de controle de água, foi um dos momentos mais difíceis da viagem.”
Mascando folhas de coca
Durante a viagem sinuosa através da Bolívia e do Peru, nosso aventureiro não parou de mascar folhas de coca “para esquecer a fome e a sede”. Um hábito que também facilitou a se aproximar dos moradores da região.
A pergunta era sempre a mesma: “Quanto custa essa bicicleta?” Para evitar cifras, Zanetti respondia que era um protótipo. “Teria sido muito estranho para um camponês andino ouvir que custa 5 mil dólares, o que ele ganha em uma vida”, diz o ciclista fotógrafo.
O Peru foi a parte mais difícil da viagem. “Os caminhoneiros não fazem ideia do que um ciclista sente quando é ultrapassado por várias toneladas de peso tremendo no chão e fazendo pressão no ar”. Alguns até tentaram jogá-lo fora da estrada.
Até nesse mundo de rodas enormes, escapamentos e contaminação, Zanetti descobriu a beleza: “Uma nova cultura de qualidade. A dos murais nas estradas e postos de gasolina, onde a religião é misturada com corpos femininos quase nus. Isso tornou-se um dos temas da minha lente”.
Zanetti não esconde sua paixão pela América Latina: “Essas vistas incríveis que você tem todo o tempo dão a sensação de dizer: É possível começar uma nova vida, de outra maneira! Foi o sentimento que sempre tive durante esta viagem. Mas, do lado da consciência ecológica, no sentido de uma mudança energética na América Latina, fiquei muito decepcionado.”
Pelo menos uma boa notícia de uma das capitais da região: “Quito comprou 300 bicicletas elétricas para uso público”, diz.
A ousada aventura com sua ‘Poderosa’ bicicleta chegou ao fim. Luca, resignado, volta à Suíça com muitas lembranças e 8600 fotos nos seus diários.
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