Do Dadaísmo à Arte Concreta: quando Zurique era um campo de batalha modernista
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Novo livro resgata os capítulos da história da arte mundial que atravessaram as ruas da maior cidade suíça, mergulhando nas trajetórias dos pioneiros da arte concreta. Em entrevista, o coautor Thomas Haemmerli, reconta detalhes do movimento artístico suíço que teve maior influência internacional no século 20.
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Thomas Haemmerli começa com uma confissão: ele revela que costumava odiar a vanguardista arte concreta. Nascido em 1964, Haemmerli pertence à geração de jovens radicais que tomaram as ruas de Zurique no final dos anos 1970 e início dos anos 1980 – a resposta tardia da Suíça às revoltas de jovens que abalaram grande parte do mundo na década de 1960.
Os tempos mudaram, e hoje o antigo ativista é conhecido como um bem-humorado documentarista. E, recentemente, junto com a crítica de arte Brigitte Ulmer, lançou o livro Circle! Square! Progress! Zurich’s Concrete Avant-Garde, uma análise abrangente do movimento artístico que mais influenciou as artes e o design do século 20 e cujo impacto ainda ressoa nas produções contemporâneas.
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O concretismo é um movimento lembrado principalmente associado ao nome do artista Max Bill, que com seu perfil imponente – graças em parte ao seu talento para autopromoção – acabou ofuscando outros nomes significativos. No novo livro, Ulmer e Haemmerli dão peso igual a três outros artistas: Camille Graeser, Verena Loewensberg e Richard Paul Lohse, ampliando assim o escopo de referências do movimento.
Há uma abundância de literatura com foco em detalhes da arte concreta, mas obras que oferecem uma visão geral mais ampla do movimento são escassas, diz Haemmerli, apontando que estudos abrangentes até então haviam sido publicados apenas em espanhol e francês. Para preencher essa lacuna, o novo livro foi publicado em alemão e inglês, e foi lançado na Architecture Association School (AA) em Londres em novembro último. O local de lançamento escolhido tem tudo a ver com a história retratada na obra: a influência do movimento concretista que se espalha pela arquitetura, tipografia, fotografia e especialmente no design gráfico, é semelhante à da Bauhaus, onde Bill estudou na primeira metade do século passado.
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Da vanguarda ao universal
Além da influência trazidas da Bauhaus, os concretistas adotaram as formas, ideias e práticas do movimento De Stijl e do construtivismo soviético da década de 1920, misturando-os e transformando-os em novo caminho artístico, traçado desde a neutra Suíça — no momento em que a Segunda Guerra Mundial devastava o resto da Europa.
Após a guerra, o design gráfico suíço se tornou mundialmente famoso, diz Haemmerli. “Um velho designer gráfico alemão me disse que, com o continente destruído, seus colegas da mesma idade estavam quase todos mortos, ou não tinham escolas de artes aplicadas para aprenderem e desenvolverem suas habilidades, enquanto as escolas de artes na Suíça não eram apenas boas, mas tinham sobrevivido à guerra ilesas.”
Os fundadores do grupo concretista, liderados por Bill, desenvolveram diretrizes artísticas inspiradas no espírito das vanguardas do início do século 20. Como no movimento do Dadaísmo, também nascido em Zurique em 1916, os Concretistas buscavam desafiar as noções burguesas de beleza e bom gosto.
Nos anos do pós-guerra, a reputação dos artistas concretistas alcançou os EUA, o Japão e a América Latina. Não demoraria muito para que os concretistas fossem incluídos então no establishment, com suas obras adentrando galerias, depois revistas e, finalmente, chegando às salas de espera de dentistas. Em seguida, eles também se tornariam um objeto de desprezo para gerações mais jovens e radicais, como a de Haemmerli.
>> Arquivos da televisão pública suíça: registro do 60º aniversário de Max Bill no museu Kunsthaus de Zurique, 1968.
Críticas da esquerda e da direita
swissinfo.ch: Até alcançarem fama internacional, os concretistas de Zurique não eram realmente apreciados na cidade suíça.
TH: A burguesia daquela época amava imitações de arte clássica e tinha uma noção de que a boa arte deveria ser edificante. Então, quando os concretistas começaram na década de 1930, eles foram duramente atacados pela burguesia, que não entendia o que eles estavam fazendo.
E então tivemos o fascismo. Lembre-se de que os nazistas levaram muito a sério a necessidade da supressão da arte moderna, culminando na exposição Entartete Kunst (Arte degenerada) de 1937. Uma grande parte da burguesia na Suíça era simpática a essa atitude. Mas as críticas também vinham da esquerda.
swissinfo.ch: Essas atitudes reforçam a ideia de que a Suíça é um país muito conservador, tanto à direita quanto à esquerda?
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TH: Eu concordaria totalmente se você estivesse falando sobre os movimentos dos trabalhadores, por exemplo, serem contra a imigração. Mas a reação contra a arte moderna foi algo que uniu a esquerda por toda a Europa, tanto os stalinistas quanto os social-democratas.
Um bom exemplo é um romance muito peculiar de um psiquiatra e político social-democrata de Zurique, publicado em 1933, Geschmeiss um die ‘Blendlaterne’ (Os insetos ao redor da lâmpada), que é um romance baseado em pessoas reais que atacava os dadaístas.
O autor, Charlot Strasser, realmente os odiava porque, segundo ele, os dadaístas faziam poemas malucos, arte maluca. Eles estavam usando drogas. Eles eram estrangeiros. Ele até fingia que eles eram traficantes de armas.
Eles eram boêmios de verdade, e uma grande parte do movimento dos trabalhadores era totalmente contra a boemia. Mas os concretistas não eram boêmios de jeito nenhum. A arte deles intrigou o movimento dos trabalhadores, que não sabia o que fazer com todos aqueles quadrados e círculos.
>> Arquivos da televisão pública suíça II: Max Bill explica suas obras (1968):
swissinfo.ch: Embora Zurique em particular tenha sido um capítulo na história do Modernismo, a cidade e suas elites ainda relutam em aceitar o movimento artístico como parte de sua história. Ainda não faz parte do currículo básico das escolas suíças. Por que essa resistência contra a arte moderna persiste até hoje?
TH: É importante entender que, por muitas décadas, a Suíça teve essa ideia de Geistige Landesverteidigung, ou “defesa nacional espiritual”, por meio da qual a Suíça liderou uma política de apaziguamento com a Alemanha nazista. Logo após a guerra, ela mudou para a Guerra Fria contra o comunismo, e esses sentimentos anticomunistas e anti esquerdistas seguiram muito fortes até pelo menos 1989.
O dadaísmo era um movimento de esquerda, visto apenas como uma nota de rodapé na literatura, e o Kunsthaus [Museu de Belas Artes de Zurique], que representa os gostos da elite local, nunca se interessou pela herança do Dada. Na época, ninguém sabia que história da arte ou história estava sendo feita aqui.
A burguesia de Zurique gostava de impressionistas, mas definitivamente não de dadaístas. Ela só se apaixonaria pela arte concreta quando ela virou uma marca internacional.
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swissinfo.ch: Os concretistas eram artistas suíços eminentemente locais, enquanto os dadaístas eram, em sua maioria, estrangeiros que deixaram a Suíça depois da guerra. Você argumenta que os dadaístas e os concretistas não eram totalmente antagônicos entre si.
TH: Isso é algo com que muitas pessoas não concordam. Aqui em Zurique, estamos acostumados a essa distinção: de um lado, os dadaístas, que eram estrangeiros, eram gays, católicos, festejavam muito, eram boêmios e usavam drogas e assim por diante. E do outro lado [estavam] os concretistas, que eram protestantes, sóbrios e muito racionais.
Mas essa distinção não era assim preto e branco. Max Bill escreveu um texto onde ele diz que houve muitas trocas. O núcleo dos dadaístas era realmente estrangeiro, mas havia alguns artistas suíços envolvidos. A mais importante delas foi Sophie Taeuber-Arp.
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swissinfo.ch: Por quê?
TH: Ela era professora na Escola de Artes Aplicadas, e bem no começo da carreira já fazia trabalhos geométricos, não só pintados, mas também tecidos. Ao mesmo tempo, dançava em saraus Dada. Ela tinha que fazer isso disfarçada, para não arriscar seu emprego na escola. Ela também foi, por um curto período, professora de Max Bill.
[O artista holandês Theo] Van Doesburg, que cunhou o termo “arte concreta”, também fazia parte do movimento de inclinação geométrica De Stijl, e às vezes até usava um pseudônimo dadaísta. Então ele era ambos. E há muitos outros cuja arte e atitude não eram definidas por essa divisão.
swissinfo.ch: Você diz em seu livro que Sophie e Hans Arp funcionaram como uma ponte entre esses dois lados. Sophie Taeuber-Arp foi recentemente ‘redescoberta’. Até alguns anos atrás, na grande narrativa do Modernismo, ela era apenas a esposa de Hans Arp. Mas, como você afirma, ela foi muito mais fundamental nessa ponte do que Hans Arp.
TH: Absolutamente! Ela era muito mais importante e interessante. Mas na década de 1970, quando as acadêmicas feministas começaram a reavaliar a arte das artistas mulheres, elas tinham essa noção de que havia um olhar específico não masculino e uma maneira não masculina de olhar o mundo. E que essa visão “não masculina” tinha que ser suave e arredondada, etc., e não precisava ser muito racional.
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Então, muitas artistas mulheres que trabalhavam geometricamente não foram integradas em grandes shows de descoberta porque foram denunciadas por abraçar o inimigo. Isso também aconteceu com Verena Loewensberg. Ela era vista como alguém fazendo arte masculina e não era considerada uma artista ‘feminina’.
swissinfo.ch: Mas Verena Loewensberg ainda não foi “redescoberta”, não é?
TH: Tenho a impressão de que está acontecendo agora. Alguns meses atrás, foi inaugurada uma exposição dela na galeria Hauser & Wirth em Nova York. E uma exposição em Genebra apresentou-a pela primeira vez não como uma concretista pura; mostrando que sua arte era muito mais livre e se sobrepunha à pop art e à pintura de campo de cor.
Quando estava viva, essa era considerada sua principal fraqueza: Bill disse uma vez que Loewensberg deveria ser “curada” de seu subjetivismo. Mas hoje essa fraqueza acaba sendo o ponto mais forte na valorização de sua arte. Com ela disse uma vez: “não tenho teoria, portanto sou forçada a ter ideias”.
swissinfo.ch: Na época dos movimentos de contracultura dos anos 1960 e 1970, o núcleo original dos concretistas – Lohse, Max Bill, etc. – já eram velhos burgueses, artistas estabelecidos. Ela é a única das artistas em que você se concentrou que ainda estava se movendo com os tempos.
TH: Correto. Bill ainda estava muito interessado no que estava acontecendo, e sabia que sua arte não havia mudado muito. O mesmo com Lohse, que era bastante generoso com artistas mais jovens. Ele sabia que, uma vez que encontrasse sua fórmula, seria sempre aquilo. Nada de novo viria depois disso.
![quadro](https://www.swissinfo.ch/content/wp-content/uploads/sites/13/2024/11/p133_V-Loewensberg-Ohne-Titel-1969-1.jpg?ver=148b2cb8)
Edição: Catherine Hickley/fh
Adaptação: Clarissa Levy
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