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Meio milênio de Reforma na Suíça

Como um par de salsichas desencadeou a Reforma Suíça

Niklaus Hottinger (esq.), Hans Oggenfuss e Laurenz Hochrütiner derrubando uma cruz em 1523. Todos os três estiveram presentes no caso das salsichas. Bullingers Reformationschronik, 1605

O momento: nove de março de 1522, o primeiro domingo de Quaresma. A cena do crime: a oficina de uma gráfica em Grabengasse, a apenas alguns passos dos muros da cidade de Zurique. 

É fim de tarde e uma dúzia de homens se reúne entre blocos de impressão e caixas de linotipos para desafiar a igreja Católica e os dignitários da cidade. O proprietário do prédio, Christoph Froschauer, está lá. Sua oficina faz todas as impressões para o governo de Zurique.

Também estão presentes dois padres. Um é Huldrych Zwingli, 38 anos, oriundo de Toggenburg, no cantão de St. Gallen. Após estudar em Viena e na Basileia, ele foi padre em Glarus e no local de peregrinação Einsiedeln. Foi chamado então pela igreja Grossmünster, em Zurique, onde rapidamente ganhou a reputação de um talentoso, porém não convencional, pregador.

O outro é Leo Jud, da Alsácia, que em 1519 se tornou o sucessor de Zwingli em Einsiedeln. Ele é quase tão velho quanto Zwingli e é considerado o seu mais confiável confidente.

Além da teologia, o comércio estava também representado: Hans Oggenfuss, um alfaiate, Laurenz Hochrütiner, um tecelão, e o sapateiro Niklaus Hottinger são também conhecidos em Zurique como as principais cabeças pensantes reformistas.

Leo Jud Bibliothek des evangelischen Predigerseminars in der Lutherstadt

Eles ganhariam notoriedade muito além de Zurique um ano depois quando, em seu zelo religioso, derrubaram e cortaram em pedaços uma cruz no caminho que levava aos portões da cidade.

O quarto comerciante é Heinrich Äberli, um padeiro, igualmente radical. Somente quatro dias antes, na Quarta-Feira de Cinzas, um dia de expiação, intercessão e jejum, ele bateu de frente com os pios católicos. Na casa dos padeiros, ele ostensivamente comeu um – provavelmente feito em casa – assado, em plena consciência de que comer carne durante a Quaresma era proibido pelas autoridades, que efetivamente aplicavam a proibição.

Foi uma tremenda provocação – ninguém em Zurique havia visto algo assim – mas era um período de agitação religiosa.

Questão particular

Todos os homens na oficina da gráfica querem quebrar as regras de jejum também, jogando as autoridades e a igreja para escanteio. Juntos, eles comem duas salsichas grelhadas cortadas em pequenos pedaços e se asseguram de que a notícia de seu ato de rebelião se espalhe pela cidade.

Huldrych Zwingli em sua biblioteca, onde escreveu sermões e panfletos. Bullingers Reformationschronik, 1605

Zwingli é a única pessoa que não come nada. Seu trabalho é justificar a provocação teologicamente. Duas semanas mais tarde, ele professa um sermão inflamatório, “Sobre a Escolha de Comida e Liberdade”, no qual ele afirma que a Bíblia não contém regras de dieta. Não é um pecado quebrar o jejum, ele continua, e isso não pode, todavia, resultar em punição pela igreja.

Jejum é uma questão privada, ele diz. “Se você que jejuar, então o faça, se você preferir não comer carne, não coma, mas conceda aos cristãos sua liberdade”.

Apenas três semanas depois, o sermão de Zwingli foi impresso por um amigo, Christoph Froschauer. O escândalo é agora perfeito e Zurique está em pé de guerra. Acontecem nas tavernas brigas entre fãs de Zwingli e seus oponentes; circula o rumor de que fanáticos querem raptá-lo e levá-lo ao bispo em Constance para ser enquadrado por seu superior.

Revolução da salsicha

Para Zwingli, quebrar o jejum é um tremendo sucesso. Quando o Bispo de Constance envia uma delegação para descobrir o que está acontecendo, Zwingli senta à mesa de negociação como um parceiro em igualdade de condições e distingue a si mesmo como um instigador do movimento reformista.

No entanto, Froschauer, que é o responsável por todas as impressões do governo, tem de se desculpar por sua indiscrição. Entretanto, pouco antes da Feira do Livro de Frankfurt, ele reclama que é forçado a trabalhar “dia e noite, dias úteis e feriados”, para que não acabe “comendo amendoim”.

A casa onde ocorreu a “Revolução das Salsichas” está no canto superior esquerdo deste mapa, cercado pelso vinhedos. Holzschnitt von Jos Murer, 1576

Mas o Caso das Salsichas não lhe trouxe nenhum dano, pois ele é visto como estando no lado certo da história ao publicar alguns anos depois a primeira Bíblia completa da Reforma.

Um ano após a reunião em Grabengasse, todo jejum é abolido em Zurique. O governo, portanto, não somente seguiu a interpretação da Bíblia feita por Zwingli como, ao mesmo tempo, rompeu com uma tradição da Igreja Católica.

Enquanto a Reforma na Alemanha começou com 95 teses estudadas, na Suíça tudo teve início com um assado e um par de salsichas.

Regula Bochsler

Regula Bochsler estuda História e Ciência Política na Universidade de Zurique.

Ela trabalhou durante alguns anos como editora, jornalista e apresentadora da SRF, a televisão pública suíça. Ela fez dez ou mais programas de televisão, assim como exposições.

Seus livros incluem “O Olho da Renderização. A América Urbana Revisitada” (2013), “Eu Sigo Minha Estrela. A Vida Combativa de Margarethe Hardegger” (2004) e “Deixando a Realidade para Trás. Etoy versus eToys.com e outras batalhas para controlar o ciberespaço” (2002).

Adaptação: Fabiana Macchi

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