Perspectivas suíças em 10 idiomas

Espero que os eventos sejam tratados em russo e não em inglês

Estátua coberta de pombos
A língua e a cultura russas são responsáveis pela invasão da Ucrânia pela Rússia? Esse é um debate animado e, às vezes, muito acalorado na comunidade de língua russa. Keystone

O professor suíço de russo Daniel Henseler explica em entrevista como seu trabalho é importante para ele – especialmente tendo em vista a guerra de agressão russa na Ucrânia.

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A língua e a cultura russas carregam uma responsabilidade compartilhada pela invasão da Ucrânia por parte da Rússia? Esse tema é amplamente debatido, e às vezes de forma acalorada, entre os falantes de russo.

Daniel HenselerLink externo é um estudioso especializado em literatura russa e polonesa. Henseler trabalha como professor de russo no Centro de Idiomas da Universidade e da ETH Zurique. Além disso, ele faz parte do conselho da Associação dos Professores de Russo na Suíça.

Nesta entrevista, Henseler descreve por que fez da cultura e da língua russa sua missão de vida e como é atualmente ensinar uma língua que alguns percebem como o idioma do agressor. A conversa aconteceu em Berna.

Um homem
“Minha tarefa como professor é transmitir uma mensagem simples: a linguagem é uma ferramenta. Mas ela também pode ser uma ferramenta para o bem”, afirma Daniel Henseler. zVg

swissinfo.ch: Há dois anos, a Associação dos Professores de Russo da Suíça fez um apelo para que a língua russa não fosse responsabilizada pelo que está acontecendo na Ucrânia. Por que a associação decidiu se manifestar na época?

Daniel Henseler: Acho que é necessário ver o contexto, na época, dessa declaração. Há dois anos, não poderíamos saber o que ainda viria a acontecer. Naquele momento, era importante para nós evitarmos que pessoas que falam russo e que não têm nada a ver com essa agressão fossem responsabilizadas por ela.

Houve alguns incidentes na época. Por exemplo, uma conhecida minha estava falando ao celular em russo em um trem suíço. Um homem suíço a abordou com duras palavras. Para mim, isso é comparável à pandemia. Também durante a COVID-19 houve momentos altamente emotivos. Acredito que isso já passou. Histórias assim praticamente não ouvimos mais.

swissinfo.ch: Do lado ucraniano, o russo é agora, em parte com razão, percebido como a língua do agressor. Como é ensinar esse idioma atualmente?

DH: No meu entorno, todos os professores de russo estão emocionalmente afetados de algum modo. Muitos têm laços familiares na Ucrânia ou na Rússia. Eu não tenho. Para mim, trata-se apenas das minhas escolhas de vida, por assim dizer: a decisão de me dedicar à literatura, cultura e língua russas. Como podemos agora realizar nosso trabalho? Qual é o sentido? Por que fazemos isso? Essa foi e continua sendo uma grande questão.

Posso entender que muitas pessoas na Ucrânia não queiram mais falar russo. Respeito isso muito bem. No entanto, não preciso compartilhar essa postura, como posso afirmar claramente agora.

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swissinfo.ch: O que o levou originalmente a fazer do russo a tarefa de sua vida?

DH: Na década de 1980, nasceu o meu forte interesse pelo Leste Europeu. Também pela Romênia e Polônia, por suas culturas e músicas — em uma época em que esses países estavam isolados e eram quase inacessíveis. Em certo sentido, sou uma “criança suíça da Perestroika soviética” (“швейцарское дитя советской перестройки”). No início da década de 1990, vivenciei a queda do comunismo e, de repente, surgiram tantas perspectivas e possibilidades. A narrativa da geração de nossos pais, que dizia que o mundo permaneceria sempre o mesmo, com uma metade oriental da Europa marcada pela má sorte, chegou ao fim. Fui à Rússia pela primeira vez em 1992 e, em 1996, estudei lá por um semestre. Foi um período efervescente, tanto culturalmente quanto em termos de discussões engajadas.

swissinfo.ch: O senhor discute hoje questões políticas com os alunos?

DH: No início, era tudo muito emotivo, também para os alunos. Eles queriam fazer perguntas e questionavam. Embora eu ache que minha opinião não seja fundamental, adotei o seguinte procedimento: se alguém quiser conversar sobre isso, pode me procurar a qualquer momento. Se minha opinião for desejada, terei prazer em compartilhá-la. Mas, geralmente, faço isso de forma incidental, antes ou depois da aula. Alguns aproveitam a oportunidade.

Durante as aulas, tento fazer o que é o meu trabalho: transmitir conhecimentos linguísticos e culturais, e às vezes históricos, contextuais. Por exemplo, posso me referir às discussões atuais na Rússia: lá, está se debatendo se as formas femininas de certas profissões e funções devem ser proibidas, pois seriam supostamente uma expressão de valores ocidentais ou da cultura LGBT.

Em geral, acredito que nossos estudantes são maduros o suficiente para distinguir entre seu interesse pela língua e cultura e pela guerra.

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swissinfo.ch: No entanto, regimes totalitários já usaram a língua como um instrumento de poder político no passado. É possível fazer uma distinção clara entre política e língua?

DH: Tudo é linguagem e a linguagem é tudo. É claro que vemos que algo aconteceu com a linguagem. Que a língua russa está sendo usada para propaganda. Tivemos muitas palestras nas universidades suíças sobre os temas, com quais narrativas a língua está associada. Como professor de línguas, minha tarefa é mostrar que a língua é um instrumento. Ela também é um instrumento para o bem. Espero que os eventos e o que aconteceu sejam abordados também em russo, e não apenas em inglês.

Um argumento um pouco desgastado é: o russo não pertence a Putin. Mas há outros argumentos: eu me encontro com muitas pessoas. No local onde meus pais moram, muitos refugiados entram nos ônibus e todos falam russo. Eu posso me comunicar com eles. Agora eu também falo bem o ucraniano. Mas quando pergunto se eles preferem falar ucraniano, eles dizem que o russo está bom. Tenho uma amiga, uma autora da Ucrânia, que deliberadamente continua escrevendo em russo.

Atualmente, considero minha tarefa ensinar essa língua, lembrar o que há de bom na Rússia, nas regiões de língua russa, na história, na cultura. Assim, quero contribuir para criar uma base para futuras colaborações, das quais talvez eu não participe mais, mas meus jovens estudantes. É importante que façamos nosso trabalho. Ele não está sendo dificultado na Suíça, o que é muito bom.

Edição: Beijamin von Wyl

Adaptação: Karleno Bocarro

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