Espiada em um bunker secreto
O bunker localizado em um pequeno vilarejo nos arredores de Berna já foi um dos maiores segredos militares do cantão. Disfarçado sob um depósito agrícola, o espaço serviria para abrigar o governo cantonal e o exército em caso de um conflito nuclear.
Com espaço para 200 pessoas, dois andares e cinqüenta salas, a obra de concreto armados custou 8 milhões de francos aos cofres públicos. Sem utilidade, hoje está desativado. swissinfo esteve por lá.
Ninguém sabe quem foi o autor da piada, mas ela conta que, no caso de uma guerra nuclear, os únicos sobreviventes na Terra seriam os membros do governo americano, algumas espécies de insetos e…os suíços. Brincadeira a parte, a realidade é que nenhum povo se preparou tão bem como os habitantes do país dos Alpes para o cataclismo nucelar: 300 mil abrigos residenciais e 5.100 abrigos anti-nucleares públicos (ver especial Recordes).
O que poucos sabem é que até membros dos governos federal e cantonais dispunham dos seus próprios bunkers. Devido ao seu uso misto civil e militar, eles eram considerados secretos até pouco tempo. Porém o final da Guerra Fria tornou a maioria dessas instalações obsoletas e muitas já se tornaram públicas através da imprensa. Um deles é o bunker do governo cantonal de Berna, no pequeno vilarejo de Utzingen, distante apenas 10 quilômetros da capital do país.
Descobri-lo à olho nu não é uma tarefa fácil. Em cima de uma colina, ao lado de um castelo hoje utilizado como asilo de idosos, existe um depósito agrícola como os outros na região. Ele está cheio de rolos de feno, tratores, reboques e outros materiais agrícolas. No fundo encontra-se uma discreta porta de aço. Ulrich Aebi, funcionário do Departamento de Defesa Civil, Esporte e Militar do cantão de Berna, abre a chave explica. “No caso de guerra nuclear, os membros do governo iriam passar por aqui.”
A escada leva a um portão de aço e concreto armado, com pesadas alavancas. Ao ser aberto, o visitante entra em um corredor de duas ante-salas, equipadas com duchas e outros equipamentos para limpeza. Somente depois dos procedimentos de descontaminação radioativa é possível entrar no bunker. A guarita militar está hoje vazia, mas o livro de registro continua a ser preenchido. Ao lado, um pôster exibindo uma bucólica cena de dois camponeses na porta de um chalé suíço. “Era uma forma de dar às pessoas aqui dentro a impressão de estar próximo de casa, além de dar um pouco de cor ao ambiente”, brinca o funcionário.
Jornalista condenado por revelar sua existência
Construído em 1985, o abrigo era um dos segredos mais bem guardados do cantão. Nem os habitantes do vilarejo de Utzigen ou membros do Parlamento cantonal sabiam da sua existência. Para aprovar o projeto de construção de um bunker destinado aos membros do governo cantonal e o exército – uma solicitação feita pelo governo federal a todos os cantões e atendida por 18 deles – o executivo colocou-o sob a rubrica de gastos destinados à “Central de Ajuda em Catástrofes”. Os deputados o aprovaram sem saber. Os custos foram orçados em 8 milhões de francos (US$ 7,5 milhões), dos quais 3,5 milhões de francos eram financiados pelo governo federal e 4,5 milhões saiam dos cofres cantonais.
Em 2003, um jornalista da revista semanal “Weltwoche” publicou uma reportagem revelando a existência do bunker e suas coordenadas. Por ser considerado segredo militar segundo as leis ainda vigentes, ele foi condenado pela justiça militar. Só escapou de uma pena de prisão de até cinco anos pelo fato das instalações não serem mais vistas como “estratégicas” pelas forças armadas. No final de 2008, as autoridades decidiram abolir o status de “confidencial”. Razão: “Elas não tem mais utilidade militar”, explica Aebi.
A partir do salão de entrada, o bunker se desdobra em dois andares. São 50 salas, totalizando 1.824 metros quadrados. A pintura das paredes indica que tipo de pessoas estaria transitando nos espaços: verde para os setores militares e bege claro para os civis. Intermináveis corredores levam às diferentes salas. No total, 220 pessoas poderiam estar abrigadas no local, sejam elas políticos, lideranças da polícia, defesa civil, exército e outras pessoas estratégicas para a governança do cantão em caso de um catástrofe nuclear.
Graças ao possante motor a diesel, 19 mil litros de reservas de combustível, 41 mil litros de água armazenada, mantimentos e geradores, o bunker permitiria a sobrevivência autônoma por até 14 dias. “Depois disso seria necessário sair para o reabastecimento”, afirma o funcionário, lembrando que outros fatores garantiriam a sobrevivência no espaço por mais tempo, se necessário. “Mesmo se não houvesse mais energia, é possível filtrar o ar manualmente”, aponta Aebi para uma grande manivela na sala de filtros.
Bunker sem luxos
Os membros do governo executivo de Berna (sete pessoas) não dispunham de luxo. Ao contrário, a eles estavam destinados no bunker pequenos quartos de 11 m2 com beliches, uma mesa e duas cadeiras. “Sim, duas pessoas estariam dividindo cada aposento”, conta Aebi. Também espartanas são as outras dependências para soldados e civis: grandes dormitórios de beliches, uns colados aos outros. Salas especiais eram destinadas às reuniões dos políticos ou de estrategistas do exército, polícia e da defesa civil. Por trás de portões de ferro com a inscrição “Entrada proibida para pessoas não autorizadas” estariam os membros do serviço secreto, encarregados de analisar informações. E para os casos de emergência médica, um pequeno hospital também estava disponível.
Nos últimos anos praticamente o bunker não foi mais utilizado. O livro de protocolo ainda registra o nome das pessoas que estiveram nele, em grande parte em ações de treinamento. Desativado e sem interesse militar, muitos equipamentos técnicos já foram desmontados. Porém a maior parte das máquinas necessárias ao seu funcionamento continua recebendo graxa e manutenção. “O bunker pode ser reativado a qualquer momento, se necessário”, lembra o funcionário. Todas as cadeiras estão colocadas nas mesas como em fim de festa. Um computador antigo foi esquecido em uma escrivaninha.
Atualmente discute-se uma utilização prática para o abrigo atômico construído sob metros de concreto e aço. O governo cantonal chegou a propor abrigar solicitantes de asilo político no espaço, uma idéia rapidamente rechaçada pelo asilo de idosos. “A decisão será feita até o final de 2009, mas é provável que o espaço seja utilizado simplesmente como depósito”, explica o funcionário cantonal, revelando que, pessoalmente, prefere a simples manutenção do bunker, cujas despesas anuais de manutenção não passam de 13 mil francos. “Em um mundo tão perigoso, pode ser que um dia a gente necessite de novo de um local desses.”
Alexander Thoele, swissinfo.ch
A base jurídica dos bunkers do exército suíço é de 23 de junho de 1950, através de uma Lei federal relativa à proteção de instalações militares.
Já os bunkers cantonais (estaduais) são instalações de uso misto civil e militar. Eles foram construídos após uma diretriz confidencial de 13 páginas emitida pelo governo federal em 1975.
Não era uma obrigação legal, mas os cantões levaram à sério a recomendação. Segundo o site Festung-oberland.ch, 18 cantões teriam construído seu próprio bunker secreto.
Quando ao bunker do governo cantonal de Berna, uma diretriz teria revogado seu caráter “secreto” no final de 2008. Motivo: perda de interesse estratégico para o Exército suíço.
Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!
Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.