Atriz brasileira encena peça sobre Frida Kahlo em Zurique
A atriz e bailarina sergipana, Iêda Dias traz para a Suíça, pela primeira vez, a peça teatral Frida e Eu. O monólogo será encenado em português no dia 10 de novembro, no teatro Anundpfirsich, em Zurique.
A história aborda a vida da pintora mexicana e sua revolucionária atitude em relação ao mundo da época, principalmente no que diz respeito ao direito das mulheres e suas escolhas. Como parte do legado deixado pela artista, Iêda aproveita o ensejo da mensagem de liberdade para promover a palestra vivencial, no dia 8 de novembro, no Cebrac, também em Zurique.
Intitulada “Descolonização da Expressão”, a palestra trabalha estado de presença, no qual alguns padrões poderão ser reconhecidos como modelos de aquisição cultural. É uma proposta de autoconhecimento, do uso do corpo e dos seus movimentos com consciência. Será uma ótima oportunidade para, inspiradas e inspirados por Frida Kahlo, despertarmos a nossa capacidade de nos reinventarmos.
“Nós, mulheres, que fomos podadas desde a infância, precisamos resgatar a nossa essência. E ela passa pela forma como encaramos nosso corpo e nos movimentamos. E isso acaba por influenciar até mesmo a postura que tomamos diante da vida”, explica a atriz.
O espetáculo, dirigido pelo ator e diretor Marcos Machado, é uma adaptação dramatúrgica assinada por Iêda Dias. “É sobretudo uma homenagem à Frida Kahlo, uma pintora de dom extraordinário, que tinha urgência em viver e sensibilidade para passar para a tela tanto sua pressa de vida quanto suas dores psicológicas e físicas.”
swissinfo.ch: Além da peça de teatro, você conduz, dois dias antes da apresentação, palestra vivencial no Cebrac sobre a superação na vida de Frida Kahlo e, encerrará o evento com um trabalho corporal intitulado “Descolonização da Expressão”. Como será, o que significa esse nome, poderia explicar melhor?
Iêda Dias: É fruto de duas técnicas que influenciaram muito na minha história de estudante de teatro e de atriz: uma delas foi uma das oficinas de teatro que eu fiz no início da minha carreira, com a professora e pesquisadora Ana Maria Taborda, intitulada “Movimento para Descolonização da Expressão”. A outra vem da pesquisa que eu fiz durante três anos como monitora na disciplina de Técnica de Corpo na Universidade Federal da Bahia, onde me formei em Artes Cênicas. Esse trabalho foi uma pesquisa profunda do Movimento Autêntico. As duas linhas abordam de certa forma, a importância da liberdade corporal no sentido de soberania sobre nossos movimentos.
A jornalista Liliana Tinoco Baeckert é autora do blog “Suíça de portas abertas” na swissinfo.ch
Eu quero dizer com isso é que as meninas, por exemplo, crescem ouvindo: “menina, senta de perna fechada. Vai colocar uma blusa”. Eu brincava com meu irmão e ninguém nunca falou para ele ter cuidado com a postura ou com a perna aberta ou fechada. Nós, mulheres, crescemos tendo nossos movimentos corporais limitados. Quantas de nós ouvimos, no decorrer da vida, que precisamos nos fechar, nos limitar, para preservarmos o nosso corpo. É incrível saber que nós somos reprimidas até mesmo por outras mulheres: nossas mães, as professoras, as coordenadoras da escola, ou seja, qualquer uma que esteja responsável por nos passar bons modos e educação.
Então, eu trago para Zurique a palestra vivencial e dois dias depois, a peça de teatro. Frida Kahlo representa uma mulher que viveu à frente de seu tempo, que tentou e rompeu muitas dessas amarras. Ela tornou-se símbolo porque trouxe essa ruptura para sua arte e sua vida. A ideia é de que descubramos a nossa essência por meio do nosso movimento. É um trabalho de consciência corporal e autoconhecimento.
Dentro desse contexto, não é demais dizer que muitas pessoas procuram o teatro exatamente por isso. Não é que elas queiram ser atrizes ou atores, mas precisam aprender a se comunicar, a superar a timidez. O teatro tem o poder de trazer esse autoconhecimento. Para estar no palco, é preciso se conhecer profundamente, saber seus limites.
É exatamente isso que eu trarei na palestra vivencial. Quero que as pessoas experimentem sensações, vou propor exercícios. Por algum momento, eu vou convidá-las a viajar por lembranças, a sentirem essas vivências na pele, no corpo.
swissinfo.ch: E quais seriam as consequências dessa repressão social?
I.D.: No final das contas, vivemos muitas vezes como personagens de nós mesmas. A questão não é o uso das máscaras e sim termos a consciência de quando e para que usamos. Nos comportamos de acordo com os mandos e desmandos de outros. E isso, com o tempo, não é positivo para nossa saúde psicológica. A proposta do movimento genuíno é exatamente essa, que a pessoa possa se despir dessas máscaras e personagens para encontrar-se consigo mesmo, com o seu estímulo interno, livre de julgamentos.
swissinfo.ch: Ao tentarmos nos adaptar ou encaixar em uma outra cultura, corremos o risco, como migrantes, de perdermos o controle e acabar por anular os nossos movimentos, nossa forma de expressão. Como brasileiros, falamos um tom mais alto, mexemos mais as mãos, mas muitos de nós já tentou fazer o exercício de se conter mais quando entre suíços, por exemplo. Como você vê essa repressão dos movimentos no contexto migratório?
I.D.: Vou responder essa sua pergunta contando sobre a Frida Kahlo. Num certo momento de sua vida, ela se casou com Diego Rivera e eles saíram do México para morar nos Estados Unidos. Ela valorizava muito a sua própria cultura. A vida no exterior a fez enxergar isso mais fortemente. Frida vestia, então, roupas indígenas do seu país e era, por isso, encarada às vezes com olhar de admiração ou criticada por americanos que não entediam sua atitude ou cultura.
Quanto mais ela sentia esse olhar de reprovação, mais desejo tinha de se colocar, de se exprimir. Imagina que no início do século passado, ela usava joias maias, roupas coloridas, o que chocava aquela sociedade. Ela adorava passear com o seu amante de mãos dadas, gostava de beijá-lo na rua e dar risada com ele. Ela se sentia livre para namorar e beijar homens e mulheres. Precisamos exprimir sem preconceito aquilo que nós somos. E ela só estava sendo ela mesma.
Me debruçar sobre sua vida e obra, me deu a oportunidade de me conhecer mais ainda. É incrível como a história de Frida Kahlo pode nos tocar e nos mover profundamente.
Informações
A palestra Descolonização do Movimento será apresentada em 8 de novembro, às 19 horas, no Centro Brasil Cultural (CebracLink externo). Endereço: Quellenstrasse 25, Zurique. A entrada é gratuita.
Peça de teatro Frida e Eu será apresentada em 10 de novembro, às 20 horas , no Teatro AnundpfirsichLink externo. Endereço: Töpferstrasse 26, Zurique. Entrada: 25 francos
Se homossexualismo ou bissexualismo ainda são tabus hoje, imagina no século passado! Acho que foi também por isso que me apaixonei por Frida. Sempre fui muito questionadora e Frida é um convite a soltar as amarras. Exatamente por isso quis trazer os dois assuntos de uma vez: tanto a palestra vivencial quanto a vida da artista.
Mas eu imagino que deva ser muito difícil mesmo morar em outro ambiente cultural. Nós, do Brasil, damos muito abraço, nossa comunicação é feita com toque, nos aproximamos mais do outro. Eu entendo que seja necessário respeitar a cultura do país onde se vive, mas deve ser terrível se podar.
Acho importante que vocês, migrantes, se conscientizem de que é dever respeitar o jeito do outro, mas essencial se conscientizar de que você ocupa um espaço nessa sociedade também. Adeque-se mas mantenha o seu jeito de ser.
swissinfo.ch: E como você traz essa mensagem para na peça?
I.D.: A peça é um monólogo, que eu falo, em primeira pessoa, como se fosse Frida. É forte com algumas doses de leveza e poesia. O texto é uma adaptação da biografia romanceada da autora Rauda Jamis, além de pesquisas sobre a vida da pintora.
É meu primeiro trabalho autoral. Eu trago passagens da vida dela transformadas para uma narrativa teatral. O objetivo é falar de uma mulher, uma guerreira que lutou com arte, poesia, amor e revolução por sua vida. Então, a mensagem é de poder, de amor e de dor.
Essa peça estreou em Portugal em 2017, depois fiz três temporadas em Salvador e uma em Aracaju. Acabei de participar em Santarém, Portugal, do Festival Internacional de Teatro e Artes. Agora vou ter o prazer de me apresentar na Suíça.
Um pouco da vida de Frida Kahlo
Magdalena Carmen Frida Kahlo y Calderon foi uma das mais importantes figuras da arte no século XX. Nasceu em 1907 na cidade de Coyoacan, no México. Ela foi umas das personagens mais significativas no âmbito político e cultural no México. Foi uma mulher que precisou lutar em sua vida privada para superar grandes traumas, tanto na esfera social quanto pessoal. Toda sua obra reflete esta realidade.
Com apenas seis anos, teve que superar a poliomielite, doença que a deixou com sequelas como uma perna mais fina que a outra e um pé atrofiado. Aos dezoito anos, sofre um grave acidente que a marcaria para o resto da vida. Passou por 35 cirurgias e encarou uma serie de complicações.
No entanto, foi nesse período que ela descobriu a pintura. Impossibilitada de levantar, seu pai adaptou um cavalete à sua cama e espelho no teto para que a filha pudesse pintar. Aí começou uma série de autorretratos. O primeiro foi “Autorretrato com vestido de veludo”, dedicado ao namorado que a abandonou nesse período.
Três anos após o acidente, Frida aproximou-se do artista Diego Rivera ao levar alguns de seus trabalhos para que o pintor os analisasse. Esse encontro despertou uma grande paixão que resultou em um relacionamento conflituoso. Rivera chegou a envolver-se com a irmã de Frida.
Devido ao acidente, a artista desenvolveu muitas dores no corpo que a levaram quase a dependência de morfina. Também precisou amputar os dedos dos pés e uma perna. Além da pintura, também deixou um diário onde registrou suas alegrias e frustrações como seu conturbado casamento, sua saúde frágil e a impossibilidade de gerar filhos.
Frida fez sua primeira exposição individual em 1939 em Nova York. A partir daí ganhou fama internacional, o que lhe rendeu exposições em Paris. Lá conheceu grandes artistas da época, como Pablo Picasso e Marcel Duchamp. Frida foi a primeira artista mexicana a ter suas obras exposta no Museu do Louvre. Frida morreu ainda jovem, aos 47 anos, em sua cama. “Espero a partida com alegria…e espero nunca mais voltar…” foram as últimas palavras encontradas em seu diário.
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