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Filme mexicano ganha em Locarno

O jovem diretor mexicano Enrique Rivero com o "Leopardo de Ouro" nas mãos. Fotofestival / Pedrazzini

"Parque Vía", um retrato da solidão e das grandes desigualdades sociais na sociedade mexicana, é o longa-metragem do diretor Enrique Rivero que ganhou o "Leopardo de Ouro", o principal prêmio do Festival de Locarno.

Já o documentário suíço “La Forteresse”, sobre um centro de triagem para solicitantes de asilo político, levou o prêmio de “Cineastas do presente”. Eva Randolph foi a única brasileira a ser premiada em Locarno com o curta “Dez elefantes”.

A Piazza Grande já estava preparada para o grande momento. As cadeiras já estavam dispostas geometricamente e a “climatização” era perfeita: temperaturas amenas e céu claro sem anunciar chuvas, ao contrário do que havia ocorrido nos dias passados. Assim, pouco mais de oito mil pessoas aguardavam no gigantesco cinema ao ar livre montado na principal praça da cidade o anúncio do filme ganhador do “Leopardo de Ouro”, o principal prêmio do Festival Internacional de Cinema de Locarno.

A atriz francesa e membro do júri Rachida Brakni já havia revelado poucas horas antes, durante uma coletiva de imprensa, o grande segredo: o vitorioso é “Parque Vía”. E detalhe: a decisão do júri, composto por sete pessoas, dentre elas o diretor japonês Masahiro Kobayashi e o diretor suíço Dani Levy, foi unânime. “Todos concordamos que este foi um excelente trabalho cinematográfico”, declarou Brakni balançando a cabeça.

Um drama social

O filme, o primeiro longa-metragem do jovem cineasta mexicano Enrique Rivero, conta a história de Beto, um velho “índio” que trabalha como guardião de uma mansão de milionários na capital mexicana. Ele vive completamente só e espera somente que a casa, vazia, seja vendida. Seus únicos contatos se limitam à proprietária, que aparece vez ou outra para controlá-lo, e Lupe, uma prostituta paga por ele para entretê-lo uma vez por semana.

Sua solidão só é interrompida pela visita esporádica de interessados. Assim, ele leva sua vida no meio da metrópole como um eremita. Até as visitas ao mercado se transformam em tortura para ele. A televisão é sua única janela para o mundo. Mas ele a desliga, pois o que sai dela é sempre a mesma coisa: assassinatos, violência, caos e guerras.

Quando finalmente a casa é vendida, Beto é obrigado a se mudar. Apesar de a sua patroa acreditar poder encontrar um emprego para ele, o velho índio acredita não poder trabalhar no “exterior” após estar dez anos recluso na mansão. Ao perder o sentido da vida, ele simula um crime para poder ir à prisão, que parece ser a melhor alternativa para o seu destino do que uma vida sem trabalho.

Além da história de Beto, “Parque Vía” é um duro retrato da realidade social no México moderno, o fosso que separa as diferentes classes sociais, sobretudo ricos e “índios”. O filme é baseado na vida de Nolberto Coria, que interpreta ele mesmo o papel de Beto. Assim a obra mistura ficção e documentário.

Segundo o NZZ, o principal jornal suíço, o diretor Rivero “consegue observar seus protagonistas em imagens calmas e compostas com cuidado, como nos rituais de aparar a grama do jardim ou na limpeza da casa. Assim ele se mostra como um ‘mágico’ que, ‘com realismo poético’ e sub-tons lacônicos, dá uma versão totalmente inédita para uma história pouco espetacular”.

Outros prêmios

O Leopardo de Prata, o prêmio especial do júri para o segundo melhor filme, foi para o “33 Szeny z Zycia” (33 cenas da vida), da diretora Malgoska Szumowska, uma co-produção alemã e polonesa.

O canadense Denis Côté ganhou o prêmio de melhor diretor para “Elle Veut Le Chaos” (Ela quer o caos). O júri também escolheu como melhor ator o turco Tayanç Ayaydin, que participou do filme – aclamado pela crítica local como “excelente” – “The Market – a tale of trade” (O Mercado – um conto do comércio), produção conjunta da Alemanha, Grã-Bretanha, Turquia e Cazaquistão, dirigida pelo inglês Bem Hopkins.

A escolha da melhor atriz caiu para Ilaria Occhini, que contracenou no filme “Mar Nero” (Mar Negro), do diretor italiano Federico Bondi.

Já o prêmio do público, dado através de voto pela audiência dos filmes exibidos na Piazza Grande, que estavam fora da competição internacional, foi para o longa-metragem britânico “Son of Rambow” (Filhos do Rambow), uma paródia cáustica que conta a história de dois adolescentes, que decidem fazer um “remake” barato do filme “Rambo”. Ela se passa nos anos 80 na Grã-Bretanha.

O público que o assistiu, em 13 de agosto, aplaudiu tanto após ter assistido o filme que o diretor Garth Jennings teve de subir ao palco pela segunda vez após a apresentação inicial, um fato raro em Locarno.

Dos cineastas lusófonos que participaram da 61° edição do Festival Internacional do Cinema de Locarno, apenas a jovem diretora Eva Randolph pode voltar para a casa com um prêmio embaixo do braço. Com seu curta-metragem “Dez elefantes”, ela ganhou o “Pardino de Ouro” e o dez mil francos suíços na seção “Leopardos do futuro”.

Sucesso suíço

A Suíça também teve bons resultados no festival. O documentário “La Forteresse” (A Fortaleza), de Fernand Melgar, ganhou o principal prêmio na competição “Cineastas do presente”.

Ao levar para as telas o cotidiano de um centro de triagem para solicitantes de asilo em Vallorbe, ao oeste da Suíça, e o destino incerto das pessoas que lá vivem, o diretor suíço convenceu os membros do júri. Dentre eles estava o brasileiro Cao Guimarães.

“É um filme muito bem feito. Tem uma imparcialidade interessante, sem ter só a visão dos refugiados ou das pessoas que trabalham ali. Ele nos fascinou bastante. Trata-se de uma questão sócio-política muito importante aqui na Suíça”, explicou o diretor.

Cao Guimarães concorda que o filme não ganhou apenas pela proposta estética. “O filme não é uma revolução como forma, mas é muito bem feito. É nessa seção que buscamos novas formas. Mas como o filme de Melgar tinha um caráter muito importante, do ponto de vista social e político, acabamos escolhendo-o por unanimidade.”

Como explicou à imprensa, Melgar fez seu documentário como reação à introdução das novas leis de asilo político, que terminaram sendo as mais rigorosas da Europa. Elas foram aprovadas em plebiscito pelo eleitor suíço em 2006.

“Eu queria entender o que estava alimentando o medo de estranhos no nosso país, o que estava nos levando a fechar as portas e transformar uma terra de asilo em uma fortaleza impenetrável”, declara o diretor suíço.

swissinfo, Alexander Thoele e Isobel Leybold-Johnson

Leopardo de Ouro: “Parque Vía”, Enrique Rivero, México

Prêmio especial do júri: “33 Szeny z Zycia” (33 cenas da vida), Malgoska Szumowska, Alemanha/Polônia

Melhor direção: Denis Côté, “Elle Veut Le Chaos” (Ela quer o caos), Canadá

Melhor ator: Tayanç Ayaydin, “The Market – a Tale of Trade” (Mercado – um conto do comércio), Alemanha, Grã-Bretanha, Turquia e Cazaquistão

Melhor atriz: Ilaria Occhini, “Mar Nero” (Mar Negro), Itália/ Romênia/França

Menção especial: “Liu Mang De Scheng Yan” (Festa de bandidos), de Pan Jianlin, China, e “Daytime Drinking” (Bebendo de dia), de Noh Young-seok, Coréia do Sul

2008 – “Parque Vía”, Enrique Rivero, México

2007 – “Ai no yokan”, Masahiro Kobayashi, Japão

2006 – “Das Fräulein”, Andrea Staka, Suíça

2005 – “Nine lives”, Rodrigo Garcia, EUA

2004 – “Private”, Saverio Costanzo, Itália

O 61° Festival Internacional do Cinema de Locarno se realizou entre 6 a 16 de agosto de 2008.

Vinte filmes foram exibidos no grande telão a céu aberto na Piazza Grança, o coração do festival.

18 filmes parciparam da competição internacional.

No total, 380 curtas- e longa-metragens foram exibidos durante os dez dias que durou o evento.

A Suíça esteve presente com 50 obras.

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