Fotógrafo suíço expõe na Trienal de Milão
Tina Turner dança para as lentes do fotógrafo Michel Comte. É a última foto de um longo percurso iniciado com Carla Bruni atônita, posando com ar de espanto.
Entre uma e outra, na Triennale de Milão – templo das artes internacionais – estão 90 imagens que ajudaram a escrever a história da fotografia contemporânea através do olhar deste suíço, cidadão do mundo, nascido em Zurique, 56 anos atrás.
Michel Comte é um retratista atento, capaz de desfocar as regras para adaptá-las a cada personagem, famoso ou anônimo. Para ele a fotografia é uma segunda pele do objeto fotografado, senão for a primeira “aprisionada” pela luz e pelo jogo químico da revelação.
Se não fosse assim, como explicar fotos que revelam, mas, paradoxalmente, não exibem? A fotografia como janela da alma dos fotografados. Michel Comte exorcisa seus personagens com a força da criatividade com a qual os próprios defendem suas identidades com unhas e dentes e punhos. E eis o lutador Mike Tyson, de joelhos, com os pulsos enfaixados e o rosto escondido entre os braços, antes de subir ao ringue, quase numa reverência a quem viola este momento sagrado e íntimo e solitário.
Ou quem imaginaria ver um Sting de cócoras, com a cabeça entre as pernas, irreconhecível?! ” A melhor imagem da alma é o corpo humano”, repete Michel Comte como um mantra do seu trabalho.
Á música e ao esporte chegariam as cameras fotográficas de Michel Comte, praticamente logo após a sua afirmação no campo da moda. Depois de ter sido descoberto pelo estilista Karl Lagerfeld, o fotógrafo suíço não abandonou mais as primeiras páginas da principais revistas do setor.
Corria o ano de 1978 e, de lá para cá, ele assinaria as principais campanhas de publicidade de moda na Europa e nos Estados Unidos para os grandes nomes como Armani, Versace e Dolce & Gabbana. Mas elas seriam um importante o laboratório de criação de uma nova linguagem transportada para as propagandas de marcas importantes.
Como consequência natural de um percurso marcado pelo desejo de conhecer e explorar novas realidades, Michel Comte também se aventuraria no campo da foto-reportagem e do documentário. Esta experiência que o levaria às zonas “quentes” do planeta, trabalhando para a Cruz Vermelha.
Em cenários de guerra, Michel Comte usou a sua sensibilidade para retratar rostos anônimos no Afeganistão, Iraque, Angola, Etiópia, Bósnia e usar os direitos de imagens para sustanter o projeto “People and Places with no Names”. “Apenas um fotógrafo de talento é capaz de fazer o obsevador ir além de ver a fotografia, de fazer “sentir” a imagem. Comte pode fazer isso porque ama o que fotografa ou quem retrata”, afirma Serena Baccaglini, coordenadora da exposição.
Retratista
A seleção de imagens mostra o percurso de Michel Comte como capaz de criar ambientes e poses, demonstrando uma grande interatividade entre a objetiva da camera e o seu objeto. O segredo é “desnudar” do peso da fama as celebridades e “vestir” com exclusividade as faces anônimas. Entre o fotógrafo e o fotografado existe um único filtro, o da câmara.
O retrato de Sharon Stone caminhando sorridente ao lado do estilista Valentino mostra bem a idéia desta versão luxo do “paparazzi” Michel Comte. Os cabelos esvoaçantes de Penelope Cruz, dez anos atrás, já adornavam o rosto da estrela do cinema em ascenção. Frank Zappa, usando uma guitarra como escudo. A atriz Geraldine Chaplin, tantas vezes retratada por Comte diria: “ ele é um aventureiro, um cavaleiro errante, um nômade com a câmara fotográfica”.
Nos anos 80 e 90 – período principal da mostra- o autodidata suíço já dava as cartas e colhia os louros de ter aberto o caminho para os futuros retratistas. Não por acaso, a exposição se chama “Crescendo Fotográfico”, ou seja, uma escalada de clicks, cada um mais original do que outro, incluindo aqueles realizados para campanhas filantrópicas a favor do sexo seguro, nos anos terríveis do contágio da Aids.
Personagens do mundo do cinema emprestam a imagem para alertar sobre o perigo iminente. Atrás das cameras está sempre ele, Michel Comte. “O grande salto foi o de propor-se ele próprio como uma marca internacional, num ambiente muito competitivo. Comte consegue extrair dos seus personagens as maiores liberdades de expressão e de gesto ”, afirma o curador da mostra Walter Keller.
Os negativos
Michel Comte navega entre as cores e a fotografia em preto e branco com a mesma desenvoltura. A intuição, o domínio da técnica e o sentido estético formam o tripé que garante a foto perfeita, o retrato único, a essência da imagem. “Eu sempre vivi no fio da navalha”, repete Michel Comte. E foi a ousadia que o levou à fama sem tirar os pés do chão, mesmo tendo a cabeça nas nuvens. “Sem correr risco eu viro a página”, afirma ele ao reconhecer a herança transmitida pelo avô Alfred Comte, pioneiro da aviação suíça.
A ousadia premiada chega como resultado de uma pesquisa incessante, exaustiva. Michel Comte, consume rolos e rolos de negativo. É na sala escura da revelação que o fotógrafo vai “pescar” a imagem supreendente, a expressão singular, a foto inédita. Para mostrar este momento tão solitário e importante, Michel Comte abriu os arquivos das fotos “abandonadas” no baú. Os arquivos pessoais dele são um tesouro para quem ama a arte da fotografia.
A generosidade de expor-se é inversamente proporcional ao tamanho das fotos. Fotografias em miniatura que trazem à luz a grandeza do trabalho de Michel Comte. A paciência e atenção de vasculhar as diferentes imagens, jogar uma lente de aumento em cima de cada uma e escolhar a foto que vai fazer a diferença. Como um francoatirador, ao apresentá-la ao público, quer na primeira página de uma revista, quer numa exposição, ele assume o risco de disparar o obturador e capturar o alvo. E este é o objetivo final: clicar a fotografia perfeita, aquela que o visitante vai lembrar, para sempre.
Michel Comte segue os passos do filósofo austríaco Ludwig Wittgestein (1889-1951) que sustentou no tratado Investigações Filosóficas que não existe melhor imagem da alma do que o corpo humano.
O fotógrafo suíço vive entre a Europa e os Estados Unidos.
Ele possui a fundação Michel Comte Water Foundation.
Em 1978, aos 24 anos, ele foi descoberto por Karl Lagerfeld e fez com sucesso a campanha para Ungaro e Chloé. Dali em diante não parou mais. De Paris para a América foi um salto sem rede sobre o oceano Atlântico.
Em 1981, ele abriria um estúdio em Nova York. Mais tarde mudaria para Los Angeles.
A mostra tem 87 fotos e 20 collages.
Incontáveis as primeiras página para revistas como American Vogue, Interview e Vanity Fair.
A mostra na Triennale de Milão vai até o dia 3 de julho.
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