Freidorf: uma colônia-modelo na Basiléia
Hannes MeyerLink externo, o arquiteto suíço que depois viria a dirigir a escola de arte alemã Bauhaus, projetou e construiu em 1919 a colônia "Freidorf" na Basileia. Para a Aliança Cooperativa Internacional (ACI) foi um projeto-modelo de uma cooperativa, onde os habitantes compartilhavam moradia, trabalho e até a aposentadoria.
As celebrações em 1921 reuniram convidados de cerca de vinte países na periferia da Basiléia. Entre os presentes estavam o então presidente da Confederação Suíça e o presidente da ACI, o holandês G.J.D.C. Goedhart, que declarou à multidão que a falta de habitações era um problema global. “A lembrança deste dia (…) dá nova coragem aos delegados na convicção de que o movimento cooperativo é o caminho certo para melhorar a situação da humanidade”
Com a inauguração do monumento, moradores e convidados internacionais celebraram a abertura da colônia “Freidorf” no final de agosto de 1921. Suas 150 casas construídas em uma área na periferia da Basiléia não criaram apenas uma comunidade, mas também lançaram as bases de um novo modelo de sociedade.
Os 600 moradores pagavam aluguéis moderados e cultivam legumes nas suas hortas. Entretanto, a colônia não queria apenas a resolver o problema habitacional da cidade, mas a também fortalecer a coexistência e a cooperação entre seus moradores.
Servindo à comunidade
Ninguém esperava um comportamento determinado. Freidorf não era um lugar para “pessoa exemplares”. Importante é que “participassem das atividades da comunidade, trabalhando assim para sua melhoria”, detalha o Relatório Anual de 1922. Todos participavam de grupos de trabalho que, dentre outros, administravam também a loja comunitária.
Na cooperativa às mulheres tinham um papel tradicional: organizadas em grupos de assistência, elas cuidavam dos idosos e doentes. Já as crianças eram educadas na escola da colônia, que funcionava segundo os princípios do pedagogo Johann Heinrich Pestalozzi.
As crianças também recolhiam dos moradores as contribuições para o fundo de pensão. Quem lhes negaria sua contribuição? Foi um trabalho pioneiro, pois o Estado suíço só introduziu a previdência social décadas mais tarde.
Como a primeira colônia funcionando em sistema de cooperativa no país, Freidorf abrangia todas as áreas. Não somente o trabalho voluntário e o fundo de aposentadoria eram obrigatórios, mas as compras também eram um assunto comunitário: qualquer pessoa que se mudasse para colônia tinha de fazer suas compras na loja comunitária.
Os residentes utilizavam uma moeda própria, a chamada “Freidorfgeld”. E quando trocaram francos suíços por ela, a taxas de câmbio de um para um, a transação ficava documentada. Assim a cooperativa sabia o que cada morador comprava e quem poderia ter direito a um reembolso no final do ano.
Também havia um controle sobre o consumo. “Algumas famílias preferiam comprar a carne nos açougueiros do bairro”, denunciava o relatório anual de 1924. Para roupas e calçados valia o mesmo. “Se tolerarmos esta tendência, ela se tornará um direito costumeiro, portanto máxima atenção deve ser dada a este aspecto do desempenho das funções dos membros da cooperativa.”
Aqueles que seguiam um estilo de vida vegetariano tinham que convencer o comitê. Sem justificativa não era possível manter o hábito, pois as compras eram um assunto coletivo.
Por outro lado, a moradia era muito barata nos primeiros anos: por um apartamento de quatro quartos, os cooperados pagavam 850 francos de aluguel. Ao mesmo tempo, também recebiam dividendos: de 1921 a 1924, cada família recebeu 200 francos de participação nos lucros da loja comunitária.
“Tudo o que você faz pela cooperativa também lhe beneficia”, escrevia o jornal da Freidorf. Os membros tinham de “fazer propaganda entre amigos e conhecidos”. Como recompensa, “receberiam benefícios materiais imediatos”, bem como “aquela satisfação interior” que “vem do cumprimento do próprio dever”.
Entre capitalismo e comunismo
Para apoiar suas famílias, os homens trabalhavam em uma empresa do movimento cooperativo. Entre os primeiros residentes da Freidorf estavam tanto patrões como operários de fábrica. As diferenças de classe não deveriam ser um problema. A ideologia do movimento cooperativo pretendia ser a terceira via, um elo entre capitalismo e socialismo.
Os membros mais extremos desprezavam a propriedade e a riqueza sem trabalho. Embora se distanciassem abertamente da prosperidade herdada, eles não questionavam a propriedade como tal, nem estavam preparados para se envolver em uma luta de classes. Os patrões e trabalhadores colaboraram assim no mesmo projeto, que prometia uma vida melhor para todos.
Para um grupo de visitantes de Zurique em 1921, porém, parecia “comunismo no verdadeiro sentido da palavra”. Mas os comunistas suíços não gostaram nada disso: seu jornal, “Vorwärts” chamou Freidorf de “colônia de cobaias” na qual “a subordinação era mantida”.
Alguns anos depois, em 1925, o arquiteto Hannes Meyer, que havia concebido o Freidorf, escreveu que para “a burguesia” o assentamento era uma “toca vermelha”, mas ao mesmo tempo “não era suficiente para os pró-soviéticos”.
Mais tarde, como comunista, dirigiu a escola de arquitetura e arte Bauhaus em 1928 e emigrou para Moscou em 1930. Mais tarde, o próprio Meyer foi crítico do Freidorf, descrevendo-o como um pequeno burguês.
Edmund Schulthess, o presidente da Confederação Suíça, que tomou a palavra espontaneamente como orador “não programado” durante as celebrações de abertura em agosto de 1921, disse estar entusiasmado e completamente extasiado com o “espírito de cooperação” que havia experimentado naquele dia. “Em nome do governo” agradeceu a todos os colonos que “não têm outra intenção senão a de servir seus vizinhos no interesse da comunidade”.
Freidorf nunca teve tanto reconhecimento nacional e internacional como em agosto de 1921. A presença do presidente foi severamente criticada pela imprensa local. Dizia-se que o Conselho Federal (governo) “patrocinou” a “turma popular dos bons velhos tempos” em vez de tratar essencialmente do problema da falta de moradia. Mesmo aqueles que queriam viver sozinhos deveriam ser capazes de fazê-lo em condições tão favoráveis. Para o jornal “Bürger- und Gewerbeblatt”, Freidorf nada mais era do que uma forma de evasão fiscal.
Adeus à utopia
Enquanto no início do século 1920 o movimento cooperativo suíço se fortaleceu. Entre 1912 e 1922, suas empresas duplicaram seu faturamento para quase 400 milhões de francos. Nesse meio tempo, a I Guerra Mundial eclodiu.
No final do conflito, as empresas cooperativas conseguiram se posicionar. Em 1919, a Suíça introduziu pela primeira vez um imposto federal, o “extraordinário imposto de guerra”. Os projetos de habitação social foram uma oportunidade para economizar neste imposto. Na verdade, Freidorf reduziu a carga tributária da associação de empresas cooperativas.
A questão de saber se o Freidorf teria sido construído de qualquer forma permanece sem resposta. Ainda hoje a placa pendurada no monumento comemorativo diz: “Nos tumultuosos anos de 1919, 1920 e 1921, a união das associações de consumidores suíças criou este assentamento em Freidorf, um paraíso de amor ao próximo, paz e liberdade”.
Até hoje, os membros que vivem em Freidorf pagam aluguéis baixos. É considerado o mais importante complexo residencial do período entre as guerras na Suíça. Desde sua fundação, a coabitação mudou ao longo dos anos, alinhando-se gradualmente com o desejo daqueles que “desejam viver sozinhos”.
A moeda da Freidorf foi abolida nos anos 1940 e a loja comunitária foi fechada nos anos 1960. Ao longo dos anos, as empresas cooperativas politizadas evoluíram para a empresa Coop, que hoje controla mais de um terço do comércio varejista na Suíça.
Adaptação: Alexander Thoele
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