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Henry Dunant, o amigo dos reformistas tunisianos

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Retrato de Henri Dunant (1828-1910), filantropo e escritor suíço, fundador da Cruz Vermelha. Pintura de Francisco Fonollosa. Leemage via AFP

No final da década de 1850, antes de fundar a Cruz Vermelha, o genebrino Henry Dunant passou vários meses no norte da África. Ele retornou à Suíça marcado pela tolerância e pela abertura de espírito dos tunisianos.

Em 1853, Henry Dunant foi para a Argélia na esperança de instalar um moinho de farinha nos arredores de Sétif. Ele tinha apenas 24 anos de idade na época. Mas sua estadia nessa cidade do noroeste da Argélia não correu bem.

Ele então deixou a Argélia para passar seis meses na Tunísia (entre 1856 e 1857), provavelmente na esperança de começar seu projeto no país. Dunant ficou impressionado com a abertura da sociedade tunisiana, particularmente de suas cidades portuárias, onde os tunisianos conviviam pacificamente com minorias italianas, andaluzas, francesas e maltesas.

Em 30 de novembro de 2021, a Tunísia apresentou oficialmente à UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) um dossiê contendo as correspondências dos Beis de Túnis (Reis) com Henry Dunant (1828-1910), fundador do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV).

Através dessas trocas epistolares sobre direito humanitário, os mestres da Tunísia daquela época e o empresário humanista suíço mantiveram uma relação de amizade e respeito mútuo. Elaborado por especialistas do Arquivo Nacional da Tunísia (ANT), o dossiê propõe a inclusão dessas cartas no Registro da Memória do Mundo da UNESCO.

Mas o que mais o impressionou na Tunísia foi a abolição do tráfico de escravos e da escravidão. Os primeiros passos desse corajoso ato haviam sido dados em 1841 e 1842, após as determinações da Grã-Bretanha, que na época estava à frente do movimento abolicionista contra a escravidão e o tráfico de escravos nas regiões transaarianas e mediterrâneas.

Segundo o historiador tunisiano Khalifa Chater, apesar de o governante da época, Ahmed Bey, ter levado algum tempo para abolir a escravidão – o que foi feito em 26 de janeiro de 1846 –, a decisão de pôr um fim a ela foi vista como um ato inovador e um corajoso precedente no mundo conservador árabe-muçulmano.

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“Escravos do Ounyamouezi colhendo e carregando madeira para queimar” Gravura em madeira, 1864, a partir de um desenho de Emile Antoine Bayard (1837-1891). Akg-images

Assim, a Tunísia havia abolido a escravidão, dezenove anos antes dos Estados Unidos (18 de dezembro de 1865), meio século depois da França metropolitana (4 de fevereiro de 1794) e apenas dois anos após a abolição ser generalizada em todos os países colonizados pela França. Mesmo que esse ato não fosse do agrado dos proprietários de escravos e dos religiosos da xaria (legislação islâmica) do país, a decisão de Ahmed Bey, para quem as relações com a Europa eram uma prioridade, foi muito apreciada.

O comércio escravagista tornou-se então uma atividade condenada e proibida na Tunísia. Ele era considerado um vestígio de outro tempo, ou seja, de uma ordem comercial ultrapassada. E mesmo enquanto ainda era praticado, ocorria de forma clandestina e quase não existia mais no final do século XIX, explica Chater.

De Chateaubriand a Dunant

Ao retornar para a Suíça, Dunant escreveu um livro intitulado “Notice sur la régence de Tunis” [Relato da regência em Túnis]. Publicado em Genebra em 1858, o livro[1] oferece um panorama geral do sistema político dos Beis (reis), da economia do país e de suas tradições sociais. É feita uma menção especial à tolerância e à abertura de espírito dos tunisianos. Ao contrário de outros viajantes e orientalistas da época, Dunant tinha o Islã em alta estima, como mostra este parágrafo de seu Notice:

“O mulçumano de Túnis é, geralmente, fiel servidor do Islã. (…) O Corão, que contém preceitos religiosos, morais, civis e políticos, consagra a ideia de divindade em todas as ações e circunstâncias da vida. Esse contínuo retorno a Deus nem sempre é formalista: em circunstâncias solenes, tem algo profundo, penetrante e comovente.”

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Quadro ilustrando a visita de Sadok Bey (e sua equipe) à m’halla no Sahel no início da revolta de 1864. Pinturas de Auguste Moynier. Tunis, Institut national du patrimoine, collection Qsar es-Saïd

Nessa descrição, o autor se inspirou na obra do escritor francês Chateaubriand sobre a Tunísia. O diretor-geral dos Arquivos Tunisianos, Hédi Jallab, lembra que Henry Dunant escreveu seu famoso Notice num momento em que a regência vivia um grande ímpeto reformista. As reformas haviam sido iniciadas por uma elite esclarecida e imbuída de ideias liberais.

Foram essa elite e essa atmosfera de abertura às ideias humanitárias que levaram Dunant a convidar o Bei de Túnis, Mohamed Sadok (1855-1882), a aderir ao “espírito” do movimento internacional da Cruz Vermelha. Assim, em 12 de abril de 1866, ele lhe enviou uma carta em nome do “Comitê Universal Internacional de Auxílio dos Feridos e Doentes em Tempos de Guerra”. Nesta carta, ele propôs ao Bei que ratificasse a “convenção de Genebra” de 22 de agosto de 1864 sobre a melhoria da situação dos militares feridos em guerras. Essa mesma convenção seria conhecida, a partir de 1876, como o “Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV)”.

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Assinatura da Convenção de Genebra em 22 de agosto de 1864 na Prefeitura de Genebra. Pintura de Edouard Armand-Dumaresq. Akg-images

Tradições humanitárias

Hédi Jallab explica que as ideias de Henry Dunant, agora já bem estabelecidas na Tunísia, foram gradualmente atraindo mais e mais adeptos, particularmente dentro da sociedade civil local. A consagração não demorou muito a chegar: em 22 de abril de 1943, foi criado o “Crescente Vermelho Tunisiano”.

Sua principal missão era difundir “o espírito da Cruz Vermelha entre a população tunisiana muçulmana”. A saga continuou após a independência do país. Em 4 de maio de 1957, a jovem República da Tunísia assinou as “Convenções de Genebra”, perpetuando assim a tradição e o pensamento humanista de Dunant na Tunísia moderna.

Adaptação: Clarice Dominguez
(Edição: Fernando Hirschy)

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