Inéditos de Nabokov proporcionam visão “fascinante”
O "Original de Laura", a última e inacabada obra de Vladimir Nabokov, está fragmentada em pedaços. Ela, porém, marca através de pensamentos originais e utilização original da língua. Isso é que conta seu filho, Dmitri à swissinfo.ch.
O gigante da literatura russa estava trabalhando no seu último romance em Montreux, na Suíça, quando faleceu em 1977. A obra será publicada em breve, apesar de Nabokov ter ordenado sua destruição.
“O autor de “Lolita”, livro considerado escandaloso na época da publicação, transmitiu aos seus herdeiros a ordem de eliminar o seu inacabado 18° romance, originalmente intitulado “Morrer é divertido” (Dying is Fun) e escrito em 138 cartões de indexação.
Mas após 30 anos e muita discussão, Dmitri anunciou em abril de 2009 que iria publicar a novela, que durante todo esse tempo permaneceu trancada em um cofre de um banco suíço.
Ele afirma que seu pai havia descrito “Laura” como um dos seus mais importantes livros e que não queria vê-lo “queimar como nos últimos dias da Joana d’Arc”.
Durante os últimos anos, o destino do livro foi amplamente debatido pelos leitores de Nabokov e estudiosos de sua obra. Enquanto isso, vários trechos do foram divulgados.
A revista “Playboy” adquiriu os direitos de publicar um excerto de cinco mil palavras da novela na edição de dezembro. O livro tem lançamento mundial marcado para 17 de novembro.
swissinfo.ch: Por que o senhor mudou de opinião e decidiu publicar ‘O Original de Laura?
Dmitri Nabokov: Eu nunca tomei a decisão de não publicá-la. Quis viver com a ideia e de perceber na minha cabeça como meu pai teria reagido se ele não estivesse em uma corrida contra a morte.
swissinfo.ch: O maior varejista virtual do mundo Amazon.com diz que o livro trata de “um maravilhoso homem chamado Phillip Wild, casado com uma mulher extremamente promíscua e cujas reflexões estão relacionadas com a natureza da morte”. Você pode nos contar mais?
D.N.: Wild descobre uma técnica para fazer desaparecer seu corpo parte por parte, mas o faz de uma forma reversível. É um pouco como “morrer é divertido”.
swissinfo.ch: Por que o senhor diz que o livro é “a maior obra concentrada” da criatividade do seu pai?
D.N.: É totalmente diferente de qualquer dos seus trabalhos anteriores. Mesmo que seja, em parte, fragmentário, a obra contém pensamentos originais e marca pela utilização inédita da língua.
swissinfo.ch: Em uma das primeiras críticas do romance, a revista “Publisher’s Weekly” declarou em julho que seu pai “deve ou estar rindo ou zangado em sua tumba”. Como você imagina que ele teria reagido ao ver seu livro sendo publicado e também seriado na Playboy?
D.N.: Meu pai não estaria nem “rindo” ou “se virando na sua tumba”, pois apenas suas cinzas sobraram.
A revista Playboy foi criada por Hugh Hefner na premissa de que, dentre os seus vários leitores, haveria aqueles que não apenas iriam admirar as beldades com poucas roupas, mas também as amostras de literatura séria contidas nas suas páginas.
Nabokov não apenas gostava das caricaturas na Playboy, mas também estava muito feliz de ter tido parte do seu romance “Ada”, assim como várias outras histórias, publicadas na revista.
swissinfo.ch: Qual a percepção que podemos ter da mente do seu pai e do processo de escrever no final da sua vida?
D.N.: Seu processo de composição não mudou muito. Ele costumava ter uma imagem da obra completa na cabeça antes de começar a escrevê-la.
Sobre o próprio processo de escrever como foi em “Lolita”, “Fogo pálido” e “Ada”, implicou em escrever com um lápis n° 2 – nem muito duro nem mole demais – em cartas de indexação. Para evitar confusão, ele só escrevia em um lado, marcando um grande “X” no reverso. O lápis n°2 tem a vantagem de poder ser facilmente apagado, algo que ele considerava importante. Ele dizia que utilizava mais rápido a borracha na ponta do lápis do que o próprio lápis.
Eu não sei como ele teria reagido ao advento do computador, sobretudo pelo fato dele não gostar de luz intensa. Mas é possível dizer que o seu método era uma espécie de precursor do computador: ele podia embaralhar ou substituir as cartas em sua caixa à vontade.
A capa dura da edição de “O Original de Laura” tem um fac-símile do texto escrito à mão por Nabokov em cada página da obra, seguida pela versão impressa.
Se o leitor desejar, ele pode entrar no papel do autor, embaralhando e reordenando os cartões como quiser, particularmente aquelas que contém as seções fragmentárias. Esse extra “lúdico” teria divertido bastante Nabokov.
De um modo a não desfigurar a obra original, o leitor criativo pode necessitar de uma segunda cópia. Essa é uma solução que meu pai, como brincadeira, sugeriu também aos leitores do “Fogo pálido”, que poderiam evitar, assim, saltar entre o poema de Shade e para os comentários de Kinbote, que encarna a essência do romance.
swissinfo.ch: Quais as reações que o senhor está esperando do público e dos críticos?
D.N.: Deve ser um evento importante e, analisando as reações às pré-publicações, prevejo três tipos de reações.
A primeira seria louvor e gratidão por ter decidido preservado o que alguns irão considerar como uma obra-prima embrionária. A segunda, críticas por ter recusado a atender os desejos do meu pai, de destruir o manuscrito, expressados em um momento difícil pouco antes da sua morte. E finalmente, a comparação com outras obras de Vladimir Nabokov, o que em minha opinião não são apropriadas.
O livro é apresentado como uma “novela em fragmentos”. Alguns dos seus temas não foram desenvolvidos, mas oferecem um olhar fascinante dentro do seu laboratório de criação.
Meu pai não costumava dar atenção à maioria dos críticos e nem eu também.
Simon Bradley, swissinfo.ch
(Adaptação: Alexander Thoele)
Pessoas famosas que já viveram na pequena cidade suíça às margens do lago Léman.
Lord Byron, poeta
Elisabeth de Habsburg, imperatriz da Áustria e rainha da Hungria
Ernest Hemingway, escritor
Paul Krueger, político da África do Sul
Henri Nestlé, empresário
Vladimir Nabokov, escritor
Igor Feodorovitch Stravinsky, compositor.
Vladimir Vladimirovich Nabokov (São Petersburgo, 22 de abril de 1899 — Montreux, Suíça, 2 de julho de 1977) foi um escritor russo.
Nascido numa família da antiga aristocracia, em 1919, a instabilidade produzida pela revolução bolchevique (1917) obrigou-o a abandonar seu país. Estudou em Cambridge e licenciou-se em literatura russa e francesa. Mudou-se para Berlim, onde iniciou sua produção literária e intenso trabalho como tradutor.
Em 1926, foi publicado seu primeiro romance, Maria, acolhido com interesse e consideração. Fugindo dos exércitos nazistas e após uma estada em Paris, chegou em 1940 aos Estados Unidos, onde se dedicou ao ensino de língua e literatura russa em várias universidades. Embora continuasse a escrever na sua língua materna, começou também a escrever em inglês, publicando o seu primeiro romance nessa língua em 1941 (The Real Life of Sebastian Knight). Publicou, em 1955, o polêmico romance Lolita, em inglês.
A partir de 1958, o sucesso alcançado por seus livros permitiu-lhe dedicar-se inteiramente aos seus principais interesses, a literatura e a entomologia. (Texto: Wikipédia em português)
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