Inglês como língua franca na Suíça: vantagem ou problema?
Não é raro ouvir suíços de diferentes partes do país conversando em inglês, mas isso não agrada a todos. O uso do idioma de Shakespeare como língua franca para facilitar a comunicação entre os próprios cidadãos pode ser visto como uma contradição.
As medidas contra a pandemia de Covid-19 criaram desafios de comunicação entre as regiões linguísticas do país que, de acordo com um político de alto nível, precisam ser enfrentados.
“Isso nos trouxe uma oportunidade para discutir o multilinguismo no país. Poderíamos imaginar incluir uma modernização da lei para considerar o inglês como um dos principais idiomas do país”, defendeu Sven Gatz, que descreveu a situação atual como “não muito à prova do que virá no futuro”.
Ele reconheceu, no entanto, que haveria oposição. “Já há muitas pessoas que dizem que devemos primeiro aprender os idiomas falados no nosso próprio país antes de dar prioridade ao inglês.”
Gatz não é suíço. Ele é ministro belga de FinançasLink externo e responsável pela promoção do multilinguismo e e deu uma entrevista ao jornal Brussels Times, em 16 de março de 2021. Embora o governo suíço tenha sido criticado por sua resposta à pandemia, ninguém ainda acusou os quatro idiomas nacionais da Suíça de serem os responsáveis. Entretanto, os comentários de Gatz destacam alguns dos desafios políticos e sociais enfrentados pelos países oficialmente multilíngues, tais como Suíça, Bélgica e Canadá.
No início deste ano, uma repórter do canal público suíço de televisão, SRF, entrevistou Jean-Stéphane Bron, diretor de cinema residente em Lausanne, uma cidade de língua francesa, sobre seu último documentário. Eles falaram em inglês.
“Normalmente a SRF e o [programa noticioso] Tagesschau querem que as entrevistas sejam realizadas na respectiva língua nacional”, explicou a jornalista, Uta Kenter. Entretanto, ela havia crescido na Alemanha e sentia que seu francês não estava à altura de discutir como replicar o cérebro humano em um computador. Bron sentia claramente o mesmo em relação ao seu alemão.
“Muito frequentemente fazemos perguntas em inglês e o parceiro da entrevista responde em seu idioma nacional. Infelizmente neste caso, isso não foi possível”, disse ela.
Dado que os comentários de Bron teriam sido dublados em alemão, não importando se ele falasse inglês, francês ou qualquer outra língua, na prática não houve diferença para o telespectador. Em teoria, no entanto, isso levanta questões interessantes sobre o papel e o status do inglês na Suíça. Em primeiro lugar, se o uso do inglês como ponte linguística está realmente aumentando.
“Não tenho os dados necessários, mas acho que estamos todos de acordo que pessoas de diferentes origens linguísticas na Suíça tendem a usar o inglês como língua franca”, disse Franz Andres Morrissey, professor de linguística inglesa na Universidade de Berna.
Compreensão mútua
Morrissey não tinha conhecimento de nenhum estudo quantitativo em larga escala que confirmasse ou rejeitasse suas impressões. Entretanto, ele se referiu a um estudo de 2003 de Mercedes Durham, uma sociolinguista agora na Universidade de Cardiff, que analisou a troca de e-mails entre estudantes suíços de medicina e descobriu que eles começaram a se comunicar em sua língua materna e acabaram mudando para o inglês para garantir uma maior compreensão.
“O inglês parece ser a língua mais facilmente compreendida e aceita em grupos de línguas mistas, sendo a principal razão para isto o fato de não ser uma língua nativa para todos”, escreveu Durham. “Os falantes de italiano na lista de discussão estiveram na vanguarda desta mudança, pois como ninguém mais falava sua língua nativa, eles experimentaram em primeira mão a necessidade de garantir que as pessoas fossem capazes de entender umas às outras”.
Uso de idiomas na Suíça
A Suíça tem quatro idiomas nacionais. O alemão é falado por cerca de 63% da população (a grande maioria dessas pessoas fala o dialeto alemão-suíço), o francês por 23%, o italiano por 8% e o romanche por 0,5%, cerca de 50 mil habitantes.
Seja conversando com familiares ou colegas de trabalho, navegando na Internet, lendo ou assistindo TV, 68% dos maiores de 15 anos usam mais de uma língua pelo menos uma vez por semana, de acordo com dados de 2019. Os 32% restantes dizem usar apenas um idioma, em contraste com 36% em 2014. Quanto mais velha for a pessoa, maior a probabilidade de usar apenas um idioma. A pesquisa constatou que 38% usam regularmente dois idiomas, 21% usam três, 6,4% usam quatro e 1,7% usam pelo menos cinco.
O inglês é a língua não-nacional mais comum e é falado regularmente por 45% da população da Suíça. O inglês é mais difundido na parte de língua alemã do que nas regiões de língua italiana e francesa (46% contra 37% e 43% respectivamente).
Em 2019, quase três quartos das pessoas de 15 a 24 anos disseram que falavam, escreviam, liam ou ouviam inglês pelo menos uma vez por semana, cerca de dez pontos percentuais a mais do que em 2014.
O Observatório Linguístico da Suíça Italiana (OLSI), que realiza pesquisas sobre vários aspectos da língua italiana na Suíça, disse que no local de trabalho o uso do inglês vem aumentando e o uso de idiomas nacionais vem diminuindo em todo o país desde pelo menos os anos 1990.
No entanto, “o inglês é atualmente menos usado na Suíça de língua italiana do que em outras regiões linguísticas”, disseram, citando dados de 2019 do Departamento Federal de Estatística.
Este gráfico mostra como os trabalhadores suíços na Suíça de língua francesa e alemã são aproximadamente duas vezes mais propensos a falar inglês do que em outra língua nacional, mas a situação é muito mais equilibrada na região de língua italiana. Os estrangeiros que trabalham na Suíça são ainda mais propensos a usar o inglês em seu local de trabalho.
OLSI disse que a presença reduzida do inglês no trabalho e a importância relativa das línguas nacionais na região de língua italiana eram “sem dúvida” devidos ao sistema escolar, especialmente no Ticino, onde as outras línguas nacionais têm prioridade sobre o inglês na escolaridade obrigatória (primeiro o francês, depois o alemão).
O observatório explica que se você trabalha em uma região de língua minoritária, e se seu trabalho é em nível nacional ou inter-regional, então as outras línguas nacionais não podem ser ignoradas.
“Por esta razão, pode-se dizer que no Ticino geralmente há pouca necessidade de usar o inglês como língua franca e pode-se supor que a capacitação nas línguas nacionais seja adquirida”.
O inglês não é então visto como um invasor que incomoda? “Mesmo se no Ticino observamos uma certa importância do inglês no mundo profissional, certamente não podemos falar de um problema com o inglês, por exemplo, no sentido de um perigo real que o inglês possa suplantar o italiano”.
Más experiências na escola
Mas o inglês poderia suplantar o francês ou o alemão? Durham observou que quando o objetivo é comunicar a um público mais amplo e multilíngue, como é facilitado pela Internet, “nem o francês nem o alemão são capazes de servir como a língua principal no contexto suíço, e torna-se necessário usar o inglês”.
A swissinfo.ch tem dez departamentos linguísticos e as reuniões editoriais são realizadas em inglês. Também não é raro ouvir dois colegas suíços conversando em inglês. Também existem idiomas comuns entre indivíduos específicos. Eu, por exemplo, falo alemão com dois membros do departamento chinês, francês com outro e inglês com o quarto colega.
Morrissey, que é um suíço de língua alemã com inglês nativo, disse que também ele teve experiência pessoal do inglês como língua franca.
“Minha dissertação foi sobre a escolha do idioma no ensino bilíngue na Suíça. E uma das pessoas com quem tive muito contato foi uma jornalista do Hebdo [um semanário de notícias baseado em Lausanne]. E nós dois nos sentimos muito mais confortáveis falando inglês um com o outro porque meu francês não é nada bom, e seu alemão, bem, basicamente ela disse que tinha sido ‘ferida pela experiência escolar'”.
Ele explicou como a queixa padrão dos suíços de língua francesa é que eles aprendem o “bom” alemão (como falado na Alemanha) e depois seus compatriotas insistem em falar o dialeto. “Isto é, naturalmente, um incentivo para dizer: ‘OK, esqueça. Vamos usar a língua que basicamente requer o mesmo esforço entre nós'”.
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Questão política
Em 2016 Durham escreveu que o principal desenvolvimento no uso do inglês como língua franca foi em relação a quem eram os interlocutores em inglês dos suíços.
“Inicialmente o inglês era usado principalmente com turistas, mas nas últimas duas décadas ele tem sido cada vez mais usado também pelos suíços que falam inglês uns com os outros, tornando-o uma língua franca intranacional e fazendo do inglês uma língua suíça de fato “.
O governo suíço já publica muitos comunicados de imprensa em inglêsLink externo, mas ouvir inglês descrito como uma língua suíça, seja ele uma língua de fato ou não, é suficiente para deixar alguns suíços atordoados.
Em setembro de 2000, o responsável pela educação do cantão de Zurique (educação é uma questão cantonal na Suíça) anunciou que o inglês, ao invés do francês, seria a primeira língua estrangeira ensinada nas escolas. No dia seguinte, o jornal de língua francesa Le Temps perguntou se a inclusão do inglês no currículo escolar do cantão significaria o “fim da Suíça”. Esta foi também a frase usada por Chiara Simoneschi-Cortesi em 2009 quando presidia o Conselho Nacional (Câmara dos Deputados), alertando sobre o que ela pensava que aconteceria se o inglês se tornasse a língua de comunicação entre os suíços.
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Muitas pessoas, particularmente nas regiões de língua francesa e italiana do país, temem que o ensino do inglês antes das línguas nacionais suíças enfraqueça ou até desfaça a coesão social que mantém a Suíça unida.
“Que o inglês é útil não significa que seja útil para tudo”, concluiu um estudo sobre línguas e economia realizado pela Universidade de Genebra em 2016. “Para entender a Suíça francófona, é preciso falar francês. Para conhecer a Suíça de língua alemã, é preciso falar alemão e pelo menos entender de alguma forma o suíço-alemão”.
Em 2017 os eleitores do cantão de Zurique decidiram que os alunos continuariam a aprender inglês a partir dos sete anos de idade e francês a partir dos 11 anos de idade.
Dois lados
Quando se trata de ensinar inglês ou uma língua nacional, Morrissey diz que existem basicamente dois argumentos.
“Uma argumentação utilitária seria ‘vamos escolher o inglês’. E na verdade é assim que o debate em Zurique e em outros lugares foi resolvido”, disse ele. Em outras palavras, o inglês é considerado mais útil para os falantes de alemão do que o francês ou o italiano.
“O outro argumento, sobre a coesão nacional, é bastante antigo. Até que ponto ele realmente se sustenta, não estou convencido. Eu sinto em grande medida que a Suíça tem uma coesão que é bastante firme. Há um elemento nacionalista, e há um elemento econômico. Não acho que a linguagem desempenhe um papel tão importante, mas é uma espécie de bandeira que gostamos de defender”, disse ele.
“Mas se as pessoas não conseguissem falar a língua nacional uma da outra, o italiano e o romanche no caso, é altamente improvável que o país se desmembrasse”.
Então falar inglês não é um problema? “Eu não sei se é um problema. Se ajuda a comunicação, então certamente não é uma má coisa. Talvez possa acontecer um certo empobrecimento do repertório linguístico. Mas acho que não há nada que possamos fazer, porque as pessoas vão usar qualquer canal de comunicação que funcione”, disse ele.
“Eu digo aos meus alunos que a comunicação é a epítome do caminho de menor resistência”. Vocês se comunicam em qualquer forma ou modo que crie o menor número de obstáculos”.
Adaptação: DvSperling
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