Lembrando a viagem que nunca teve volta
Pouco mais de duas mil pessoas saíram do cantão de Friburgo no século 19 rumo ao Brasil para criar um novo paraíso: Nova Friburgo. Muitos deles morreram no caminho.
Na Suíça, uma associação que une as duas cidades organiza uma delegação de duzentas pessoas para visitar seus “conterrâneos” em outubro de 2009. swissinfo entrevista seu presidente e fala de uma história que emociona suíços até hoje.
Dentre os passeios oferecidos aos suíços do estrangeiro durante o seu congresso anual no último final de semana, em Fribourg, seguramente o mais marcante ocorreu em Estavayer-le-Lac, localizado às margens do lago de Neuchâtel.
Não foi apenas a beleza do pequeno vilarejo medieval com seus castelos, muralhas, casarões e o azul profundo do lago que deixaram lembranças nos expatriados. O ponto alto do programa foi mais singelo e atingia o fundo dos seus corações: escutar a história e visitar o monumento em homenagem aos imigrantes suíços que partiram do porto de Estavayer-le-Lac em direção ao futuro incerto na nova cidade que iriam fundar, Nova Friburgo no Brasil.
O monumento foi inaugurado em 1981, quando um grande grupo de “friburguenses” brasileiros veio à Suíça reencontrar suas origens durante uma viagem oficial. Esse dia foi relembrado com emoção pela anfitriã do passeio. “Não só eu, mas uma centena de pessoas presentes chorou quando viu os descendentes de suíços desembarcando simbolicamente no porto, como fizeram seus ancestrais há tantos anos”, disse Thérèse Meyer-Kaelin, deputada-federal.
Em meio ao grupo de participantes, swissinfo encontrou Raphaël Fessler, presidente da Associação Friburgo-Nova Friburgo, a quem fez algumas perguntas sobre as relações entre as duas cidades irmãs.
Como se iniciou a sua relação com Nova Friburgo?
Raphaël Fessler: Foi quando eu encontrei, em 1981, a delegação que veio de Nova Friburgo para festejar no nosso país o 500° aniversário da entrada do cantão de Friburgo na Confederação Helvética. Nesse momento descobri a história dos imigrantes suíços em Nova Friburgo. Mas na verdade ela começou bem antes, graças a um historiador chamado Martin Nicoulin, que se apaixonou pela história. Ele escreveu uma tese de doutorado sobre o tema intitulada “A gênese de Nova Friburgo” (n.r: La Genese de Nova Friburgo. Emigration et Colonisation Suisse au Brésil 1817-1827. Martin Nicoulin. Fribourg: Editions universitaires, 1973) e que se tornou posteriormente um best-seller no cantão. Ela levou um grande número de pessoas a pensar na idéia de um reencontro, pois havíamos perdido o contato com esses suíços desde o século 19.
Depois de tanto tempo, quando foi o primeiro encontro entre os “friburguenses” dos dois países?
R.F.: Foi em 1977, quando se organizou a primeira viagem oficial de suíços do cantão de Friburgo para Nova Friburgo. Lá a delegação teve uma acolhida extremamente calorosa. Em 1981, foi a vez dos brasileiros virem para cá.
Praticamente a cada dez anos fazemos um grande encontro, uma viagem oficial onde participam não apenas amigos, mas também artistas, músicos, cantores e autoridades. A próxima viagem já está marcada para outubro de 2009. Será uma delegação suíça composta por aproximadamente 200 pessoas que irá para o Brasil.
Lá iremos festejar os 30 anos da Associação Friburgo-Nova Friburgo, uma organização que funciona como motor das relações entre o Brasil e a Suíça.
No seu discurso você falou que a associação está enviando um brasileiro à Friburgo com a incumbência de administrar a Casa Suíça. É verdade que alguns projetos lá, como a queijaria, estavam meio mortos?
R.F.: De fato, existem algumas idéias no Brasil que são meio efêmeras. Mas a queijaria existe desde 22 anos e nunca parou de funcionar. Ela só reduziu um pouco o volume das suas atividades. Só havia o lado cultural que estava sendo negligenciado.
Mas agora tivemos a sorte de encontrar a pessoa ideal. Ela se chama Maurício Pinheiro, um brasileiro de Nova Friburgo e que viveu sete anos em Berna, sendo casado também com uma bernesa. Ele terá a missão delicada, mas apaixonante, de animar essa Casa Suíça e transformá-la em um ponto de encontro para todos, não apenas os descendentes de suíços. Ela é um instrumento extraordinário de comunicação, mas que estava sub-explorada.
O responsável pela queijaria em Nova Friburgo é um suíço?
R.F.: Nos primeiros dois anos foi o mestre-queijeiro suíço Othmar Raemy, que hoje é chefe de uma grande empresa em Gruyère. Na época ele foi enviado ao Brasil com sua família para montar todo o complexo.
Depois ele formou um mestre-queijeiro brasileiro, que até hoje é o mesmo dos últimos vinte anos. Você pode ver que existe uma continuidade e estabilidade, algo que não é tão evidente no Brasil, um país onde as coisas se movimentam rápido.
A queijaria também deve ser um negócio rentável? Qual o público consumidor para queijos suíços no Brasil?
R.F.: Existe sim um mercado local e ele está no Rio de Janeiro, uma grande metrópole que está distante apenas duas horas de carro. Os brasileiros vêm bastante nos finais de semana visitar o museu e também comprar queijo.
A queijaria sempre foi autônoma. Agora encontramos uma nova solução para gerar mais lucros que irão assegurar a realização de outras atividades. Desde o início do ano, o mestre-queijeiro local aluga o espaço. O aluguel vai para a fundação da Casa Suíça, que então irá fazer as reformas necessárias no prédio – no Brasil, com o clima tropical, as construções se deterioram com uma rapidez espantosa. Além disso, o dinheiro também vai manter essas atividades culturais nos próximos meses.
Quantas famílias suíças foram repertoriadas em Nova Friburgo?
R.F.: No seu livro, o historiador Martin Nicoulin repertoriou o nome e o sobrenome de todas as pessoas que partiram, ou seja, 2.200 suíços que imigraram.
Isso representa aproximadamente 170 diferentes nomes de diferentes famílias. A maior parte desses nomes ainda está presente em Nova Friburgo, apesar de terem sofrido modificações com o passar do tempo. Existem famílias que são mais desenvolvidas do que outras. Por exemplo, os Türler no Brasil tem 3.500 membros enquanto que, no cantão de Friburgo, eles são apenas algumas centenas.
Esses descendentes têm a nacionalidade suíça?
R.F.: Precisamos esclarecer essa situação: as pessoas que partiram em 1819 para Nova Friburgo perderam a nacionalidade suíça. Hoje, os descendentes de sétima ou oitava geração não têm o passaporte helvético.
Na época eles sabiam que isso fazia parte do acordo: tratava-se de uma viagem sem volta. Mas no fundo do coração eles têm uma chama que lembra suas origens suíças.
Quando você fala em viagem sem retorno, é verdade que os suíços que imigraram para o Brasil eram os mais pobres dos pobres, dos quais as comunas simplesmente queriam se livrar?
R.F.: Das 2.200 suíços que partiram, 800 eram friburguenses. Por isso é que havia uma maioria de friburguenses e por isso é que a nova cidade se chamou Nova Friburgo. Por que havia uma maioria de pessoas do cantão de Friburgo?
Seguramente, pois nesse cantão é que foram encontrados uma quantidade maior de pobres. Porém eu lembro que também haviam 500 jurassianos. Se o cantão de Genebra enviou tão poucos foi pelo fato deste já estar entrando em processo de industrialização.
Quando houve a campanha de promoção em 1818, onde era dito ‘Nós oferecemos terras no Brasil. Venha para o Brasil!’, muitos pensaram em começar uma vida nova ou simplesmente fugir da miséria. Mas é verdade que algumas comunas se aproveitaram da situação para se livrar de apátridas, marginais e outros problemas sociais.
A grande maioria partiu cheia de esperanças para iniciar algo de novo. A Suíça não se livrou deles, além do que alguns até ganharam essa possibilidade. Mas é claro que para algumas famílias a mudança foi uma tragédia. Muitas delas morreram durante a viagem.
Como conta a história, com tantas dificuldades e sacrifícios, será que os suíços foram bem sucedidos no Brasil?
R.F.: Naquela época a viagem já era bem longa. Em primeiro lugar eles tinham de chegar na Holanda, onde ficavam muito tempo esperando em áreas insalubres os barcos que, algumas vezes, levavam até quatro meses para chegar no Brasil.
Depois era necessário subir as montanhas para encontrar os terrenos que lhes haviam sido prometidos. Os que conseguiram chegar ao seu destino eram, seguramente, os mais fortes do ponto de vista físico e moral.
Mas é preciso notar que a altitude das terras de Nova Friburgo, 900 metros acima do nível do mar, dava um clima que terminou decepcionando os suíços. Isso os levou uma parte deles a ir para Cantagalo, que era mais baixo, para cultivar café. É por isso que dizemos que o café terminou salvando os suíços no Brasil.
swissinfo, Alexander Thoele
Friburgo (em francês: Fribourg; em alemão: Freiburg ou Freiburg im Üechtland)
Línguas oficiais: alemão e francês
Cidade de Friburgo
Área de ocupação: 9,32 km²
População: 36.544 habitantes
Altitude: 610 m (o ponto mais elevado é o Schönberg: 702 metros)
Cantão de Friburgo
Área de ocupação: 1.671 km²
População: 258.252 habitantes
Ponto mais elevado: Vanil Noir com 2.389 metros
Ponto menos elevado: Lago de Neuchâtel
A cidade foi fundada em 1157 por Berchtold IV von Zähringen. O cantão faz parte da Confederação Helvética desde 1481.
Altitude: 846 metros
Ocupa uma área de 935,81 km²
População total: 173.321
Línguas oficiais: português
Principais atividades econômicas: indústria de moda íntima, olericultura, caprinocultura e indústria (têxteis, vestuário, metalúrgicas, etc).
Nova Friburgo foi inicialmente colonizada por 261 famílias suíças entre 1819-1820, totalizando 1.682 imigrantes. O município foi batizado pelos suíços ganhando o nome de “Nova Friburgo” em homenagem à cidade de onde partiram a maioria das famílias suíças – Friburgo, no Cantão de Friburgo.
Nova Friburgo foi a primeira colônia não lusitana a ser fundada no Brasil, tornando-se a verdadeira Suíça Brasileira.
A história de Nova Friburgo teve seu início em 1818, quando Dom João VI autorizou, por decreto, a imigração de 100 famílias suíças provenientes, principalmente, do Cantão de Fribourg e Berne, para a colonização agrícola da Fazenda do Morro Queimado. Do total de 2.006 emigrantes que saíram da Suíça, somente 1.621 chegaram a Nova Friburgo. Devido às condições precárias antes e durante a viagem que agravaram o estado de saúde da população, 385 pessoas morreram no percurso.
Os pequenos proprietários suíços que vieram cultivar a terra com seu próprio trabalho e de suas famílias não alcançaram êxito. Isto deveu-se à falta de apoio; às condições das terras recebidas pelos colonos, onde a grande quantidade de pedras e a densidade da mata limitavam a utilização do solo; e à dificuldade de acesso aos significativos mercados consumidores.
Em função disto, muitos colonos suíços deixaram suas terras em busca de melhores condições de vida na região cafeeira de Cantagalo. Aqueles que permaneceram, sobreviveram produzindo milho, batata, feijão, café, criando animais domésticos e fabricando laticínios (fonte: prefeitura de NF)
Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!
Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.