Lex Netflix: Quo vadis, Helvetia?
Em que direção vai a Suíça? O eleitorado suíço está pronto para decidir se as plataformas internacionais de streaming devem ser forçadas a investir na indústria cinematográfica nacional. Suíça irá seguir seus vizinhos no apoio à produção nacional ou ficará para trás no competitivo mercado cinematográfico?
Em 15 de maio de 2022, o eleitorado vota sobre uma emenda à Lei federal de cultura e produção cinematográfica denominada “Lex Netflix”. Com a mudança proposta, o governo quer regulamentar a presença de grandes plataformas internacionais de streaming na Suíça, exigindo que elas invistam quatro por cento de sua receita no país em produções audiovisuais suíças.
A mudança deve gerar entre 18 milhões de francos (19,3 milhões de dólares) e 30 milhões (32,2 milhões) a mais por ano para a indústria cinematográfica suíça, de acordo com estimativas do ministério da CulturaLink externo (BAK) e do ParlamentoLink externo.
Os profissionais do ramo cinematográfico são amplamente a favor da proposta. Durante uma discussão no mais recente festival Think Cinema em Lausanne, em março, o cineasta Fred Baillif disse: “Não entendo como alguém poderia ser contra”.
No entanto, houve suficiente oposição em nível político para forçar uma votação nacional sobre a emenda. As alas jovens dos principais partidos (PLR, SVP, PLV e PC) já haviam anunciado um referendo antes que o governo decidisse impor uma taxa de quatro por cento.
Em alguns setores, a resistência à proposta tem sido feroz. Em um post no tweet, Philippe Nantermod, vice-presidente do Partido Liberal (PLR, na sigla em francês), descreveu a lei como “Schwarzenbach 2.0”, em referência ao referendo de 1970 que visava reduzir significativamente o número de estrangeiros residentes no país.
Nantermod contestou o slogan dos promotores da emenda: “E se sua próxima série favorita fosse suíça?” Para ele, o slogan significa que a identidade nacional é tudo o que importa, quando na verdade a frase simplesmente reconhece que o streaming em geral, e o Netflix em particular, deram um novo destaque global a produções de todo o mundo, seja Itália, Finlândia, Turquia, Indonésia, Coréia do Sul ou Brasil.
Consumidores suíços já pagam
Os opositores também alegam que a emenda não tem precedentes ao ditar como as empresas privadas devem reinvestir seus lucros. Entretanto, uma verificação dos fatos publicada no site dos promotores da emendaLink externo diz que este não é o caso. A regra dos quatro por cento já se aplica aos distribuidores nacionais, como a Swisscom TV.
Os críticos do referendo também dizem que a lei levaria a preços mais altos para as várias ofertas de assinatura dos serviços. Netflix, no entanto, está aumentando seus preços somente em determinados territórios, independentemente da legislação local. Na Suíça, uma assinatura “premium” subiu de 21,90 francos para 24,90. Os apoiadores da emenda argumentam que, como os serviços de streaming, incluindo Netflix, são mais caros na Suíça do que em outros países, é justo que esses mesmos serviços deem algo em troca.
De acordo com o site de proteção ao consumidor ComparitechLink externo, a Suíça e Liechtenstein são, de fato, os dois países com as taxas de assinatura Netflix mais caras, sendo que as assinaturas custam entre dois e cinco francos a mais, dependendo do país e/ou do nível de assinatura. Como revelou Comparitech, apesar do preço mais alto, o catálogo de programas de TV e filmes disponíveis aos consumidores suíços é menor em comparação com outros mercados. Os cineastas apoiam firmemente a emenda, sendo consenso que o voto “sim” colocaria a Suíça em pé de igualdade com outros países europeus.
Comparação europeia
Leis semelhantes já estão em vigor em países como a Espanha e a França. A emenda proposta, dizem seus defensores, manteria a indústria cinematográfica suíça competitiva em nível europeu.
Na AlemanhaLink externo, os serviços de streaming são obrigados a investir no fundo cinematográfico nacional se sua receita anual relacionada ao cinema no país exceder 500 mil euros (512 mil francos). A taxa é de 1,8% ou 2,5%, dependendo se a receita é de até ou acima de 20 milhões de euros. Netflix se recusou inicialmente a fazer os pagamentos necessários entre 2014 e 2019, argumentando que não tinha nenhuma presença real alemã desde que sua sede europeia na época estava situada na Holanda.
Na Grã-Bretanha, não existe atualmente qualquer lei que regule a relação da Netflix com a indústria cinematográfica local. No entanto, o serviço de streaming se uniu recentemente à Creative UK para lançar uma iniciativa chamada “BreakoutLink externo“, que visa apoiar o desenvolvimento e o financiamento de novos longas-metragens no país. Pelo menos um projeto receberá um orçamento de produção de 1,5 milhões de libras (1,84 milhões de francos) e uma distribuição global garantida na plataforma.
Batalha dos festivais
O caso francês é notável, dada a relação às vezes desconfortável do país com os serviços de streaming. Além de investir em produções locais, a Netflix também assinou um novo “windowing agreement”, um acordo que estipula o prazo entre o lançamento de um filme nos cinemas e seu lançamento via streaming. Nele, Netflix recebe acesso a títulos produzidos por terceiros 15 meses após sua estreia nos cinemas.
Anteriormente, a lei francesa ditava que todos os filmes que recebessem um lançamento teatral padrão não estariam disponíveis em plataformas por um período de 36 meses. É por isso que Netflix não lança seus filmes originais nos cinemas franceses, exceto para eventos especiais e retrospectivas.
Os filmes do Netflix não aparecem no Festival de Cannes desde 2017, quando o clamor do público por dois títulos Netflix na competição principal levou à implementação de uma nova regra no ano seguinte: todos os filmes inscritos para as mostras competitivas do festival devem ter um lançamento normal em cinemas na França.
Até hoje, Cannes continua sendo o único festival com tal regra, segundo Alberto Barbera, diretor do Festival de Veneza. Barbera, que está no leme em Veneza desde 2012, foi o primeiro diretor a permitir um filme Netflix em competição. “Em 2015, quando exibimos Beasts of No Nation, ninguém realmente se preocupou com o fator Netflix”, disse. “As reclamações começaram com o protesto de Cannes e sua mudança de regras”.
Tal sistema é viável no caso de Veneza? “Não, de forma alguma, porque a França é uma exceção”, disse Barbera. “Cinema e ir ao cinema têm um status muito especial lá, o que não é realmente o caso em nenhum outro lugar. Não consigo me lembrar da última vez que cada filme que esteve na competição principal em Veneza em um determinado ano recebeu um lançamento teatral na Itália”.
Impulso à economia
Há também a questão do impulso econômico geral para além da esfera cinematográfica. “Os hotéis, empresas e restaurantes locais ficaram entusiasmados em nos acolher porque o dinheiro usado para filmar o programa é reinvestido em outros setores, mais notadamente no turismo”, disse Monnard. “Toda a população se beneficia disso, não apenas o setor cultural. Os quatro por cento proporcionarão salários e oportunidades de trabalho para as pessoas”.
Monnard também aponta que os investimentos serviços de streaming são obrigados a fazer correspondem a uma fração do que eles têm que pagar em outros lugares. Na França, por exemplo, a taxa fica entre 12 e 25%.
Netflix se prepara
A emenda proposta ainda está a várias semanas de ser votada, mas o Netflix já está trabalhando arduamente. Ele abriu um escritório em Berlim para tratar de todos os assuntos nos países DACH, ou seja, na Alemanha (D), Áustria (A) e Suíça (CH).
Em novembro passado, Wolf Osthaus, diretor regional de políticas públicas do Netflix, expôs a estratégia suíça durante uma palestra no Mercado Digital de Genebra, um evento sobre inovação audiovisual. Em resumo, quanto mais culturalmente específica for a estória, mais amplo será seu interesse.
Se uma ideia de roteiro funcionará melhor como um filme ou como uma série caberá aos criadores individuais e às empresas produtoras. Mas Osthaus disse para não esperar nenhum conteúdo local de terceiros. “Estamos felizes em adquirir títulos existentes como Wolkenbruch ou Neumatt para nossos espectadores globais, mas não faz muito sentido disponibilizar conteúdo suíço não-original na Suíça”, disse ele. “Você já tem Play Suisse para isso”.
Adaptação: DvSperling
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