A camponesa suíça que conquistou o mundo
Antes de partir para descobrir o mundo no final do século XIX, Lina Bögli vivia na Suíça como uma camponesa indigente. A descrição literária de seu périplo, que durou quase uma década, foi um grande sucesso.
Em julho de 1882, enquanto Lina Bögli esperava no porto de Trieste pelo navio a vapor que lhe permitiria empreender a primeira parte de sua viagem ao redor do mundo, o medo tomava conta dela. Ainda não é tarde demais para parar com esta bobagem e voltar para casa, pensa ela.
De qualquer maneira, ninguém sabe de seus projetos na Suíça, por isso ela não teria que temer o escárnio. Foi então que uma funcionária portuária lhe revelou o nome do barco em que devia embarcar: “Avante”. O medo que havia tomado conta dela desaparece na mesma hora.
Um centro “Lina Bögli”
O novo Zentrum Lina Bögli Link externo foi inaugurado dia 11 de maio em Herzogenbuchsee, Cantão de Berna. A exposição retrata a vida e a carreira da escritora suíça. Outras mulheres pioneiras, contemporâneas de Lina Bögli, também estão no centro das atenções. Parte da exposição é dedicada ao movimento de mulheres desde o final do século XIX até aos nossos dias.
“O mar já não me assusta, a multidão estrangeira já não me intimida, sinto-me cheia de uma nova coragem entusiasta, porque estou convencida de que, neste momento decisivo, Deus me deu a ordem de ir em frente. Parece-me que não posso mais temer nada e certamente não hesitarei mais. A partir de agora, “avante” será o meu lema!”
Nessa altura, Lina Bögli já tinha 34 anos e tinha passado quase metade da sua vida fora da Suíça. No entanto, sua nova aventura é arriscada, pois ela só tem dinheiro para financiar a primeira etapa de sua jornada. Da Itália, ela viaja para o Mar Vermelho e Sri Lanka, depois para a Austrália, onde chega com apenas alguns centavos no bolso e precisa encontrar trabalho rapidamente.
O resto da viagem passa pela Nova Zelândia, Samoa e Havaí. Depois atravessa o Oceano Pacífico para chegar aos Estados Unidos, que ela viaja de oeste a leste. Ela então volta para a Europa saindo do Canadá. Dez anos depois, em 12 de julho de 1902, ela chega a Cracóvia, na Polônia, de onde havia saído para descobrir o mundo.
Resistente, determinada e confiante
O primeiro livro dela sobre essa viagem chama-se “Vorwärts” (avante). Será também o seu maior sucesso literário. Com base em suas anotações do diário, ela escreve um romance epistolar bem composto, no qual descreve a uma amiga na Suíça sua vida durante esta década de viagens ao redor do mundo.
A viagem é lenta. Lina Bögli não tem nenhum dinheiro, tendo que trabalhar para se alimentar e financiar sua viagem. Como professora e poliglota, com uma experiência de vários anos a serviço de uma família principesca polonesa, ela não tem dificuldade em encontrar emprego em escolas particulares ou famílias ricas.
Lina Bögli cresceu em Oschwand, um vilarejo na região de Oberaargau, no cantão de Berna. Muito cedo, ela mostrou tenacidade e determinação. A família de Lina é pobre e as suas perspectivas são sombrias. A menina quer ser professora, mas faltam os meios para aceder a esta formação. Em vez disso, aos 12 anos de idade, seus pais a tiram da escola e a enviam trabalhar para uma família de agricultores no Jura.
Aos dezessete anos, ela encontra trabalho na casa de uma família rica suíça em Nápoles, onde ela tem acesso à biblioteca e mergulha na literatura mundial. Após oito anos na Polônia, ela aprende os códigos da vida na alta sociedade e consegue economizar dinheiro suficiente para finalmente fazer uma formação de professora.
Precursora do movimento feminino
Mas o que levou esta mulher, que já tem trinta anos, a viajar pelo mundo sem recursos financeiros adequados? Lina Bögli tinha um bom emprego, mas a certa altura isso já não era suficiente para ela.
“Para nós, mulheres, as barreiras são tantas que é impossível avançar sem se esbarrar nelas. Sim, ser homem seria liberdade! O que eu faria eu se fosse homem? Certamente grandes viagens para conhecer o mundo e as pessoas”.
No entanto, Lina Bögli provou que esta liberdade também estava aberta a uma mulher – desde que ela estivesse disposta a aceitá-la. Mais tarde, ela empreendeu uma viagem de três anos pela Ásia. Em Nanjing, na China, ofereceram-lhe uma cadeira em alemão e francês na primeira universidade feminina do país. No entanto, as diferenças culturais eram grandes demais. De sua estadia na Ásia saiu uma reportagem de viagem, “Immer vorwärts” (Sempre avante).
Durante muito tempo, circularam rumores de que Lina Bögli nunca havia empreendido esta viagem e que os seus livros eram pura ficção. O fato de uma mulher, ainda por cima pobre, ter percorrido o mundo sozinha era difícil de acreditar, e não só para os seus contemporâneos. Só quando os seus diários foram descobertos na década de 1990 é que as dúvidas foram definitivamente dissipadas.
“Para nós, mulheres, as barreiras são tantas que é impossível avançar sem se esbarrar nelas”
Esses diários também explicavam mais detalhadamente as razões de sua partida: um tempestuoso caso de amor com um oficial polonês, destinado ao fracasso, pois os dois não tinham dinheiro para pagar a caução matrimonial exigida pelo exército. Esta desilusão precipitou a partida de Lina Bögli.
A independência como razão de viver
Lina Bögli foi certamente uma observadora atenta do seu tempo, mas não era politizada. Ela estava perturbada pelas injustiças sociais e também pelo fato de que, como mulher, ela tinha menos voz do que um homem. No entanto, dela não derivou nenhuma reivindicação política. Mesmo assim, ela foi considerada uma pioneira pelo movimento das mulheres, já que ela quebrou uma série de convenções e tabus durante sua vida.
A independência era essencial para ela. Ela provou isso não só ao longo de sua vida, mas também além dela: ela se assegurou que seu funeral fosse realizado no prédio da escola de Oschwand e até mesmo organizou a refeição fúnebre na pousada do vilarejo, deixando tudo pago antes de sua morte, inclusive sua lápide, que mostra uma pomba voando sobre um globo terrestre com a inscrição: “Vorwärts – Aufwärts” (Avante – Para o alto).
Adaptação: Fernando Hirschy
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