Locarno quer marcar a diferença
Estruturas reforçadas, uma programação mais pontual dando preferência aos interesses dos profissionais da área, mas sem esquecer-se do público.
O Festival Internacional do Cinema de Locarno pretende ser o espaço exclusivo do cinema de qualidade, do cinéfilo que se distancia das massas. Na sua 61° edição, brasileiros e portugueses também estarão presentes.
Ao denominá-lo de “menor dos grandes”, os organizadores colocam Locarno no mesmo páreo de outros festivais de prestígio, como os realizados em Cannes, Berlim ou Veneza. O objetivo é ressaltar que o evento não está limitado às fronteiras da Suíça, mas que tem aspirações internacionais.
Para os amantes e entendidos da denominada “sétima arte”, nada mais inspirador do que assistir a um filme na Piazza Grande, o coração de uma cidade que mistura elementos alpinos e italianos às margens do majestoso Lago Maggiore. Difícil é convencer a mídia de que a falta de estrelas de Hollywood não significa pouco prestígio. Mas Locarno não quer ser veículo de lançamento para os “blockbusters” americanos, e sim espaço de destaque para películas de autor e apresentação de novos talentos. Uma pretensão justificável, mas não ausente de problemas.
De fato, a 61° edição do Festival Internacional do Cinema de Locarno começou com alguns deles. Seu programa sofreu mudanças até o último dia, para infelicidade dos jornalistas. A atriz americana Anjelica Huston, que deveria receber o prêmio “Excellence Award” e presente no filme do diretor Clark Greggs “Choke”, cancelou sua participação por questões “pessoais” e de agenda. Nos jornais, alguns críticos consideravam a maior parte dos filmes apresentados como “cheios de boas intenções, mas carentes de qualidades do bom cinema”.
Arte é uma questão de gosto. Durante uma coletiva de imprensa em Berna, o presidente do Festival de Locarno, Marco Solari, foi sucinto ao definir seu evento. “Ele tem uma saúde estonteante, mas uma estabilidade precária. Locarno precisa absolutamente se desenvolver”, completou.
Solari e seu diretor artístico, Frédéric Maire, apresentaram as novidades do festival que ocorre de 6 a 16 de agosto. Sua maior preocupação é diferenciá-lo dos outros eventos semelhantes, um meio onde a concorrência é cada vez maior, e destacar seu relacionamento próximo com os profissionais do cinema e os verdadeiros cinéfilos. Isso sem esquecer também do conforto do público pagante.
Maior contribuição
Os dois organizadores mostraram que o governo helvético aumentou sua contribuição em 150 mil francos, totalizando 1,3 milhão de francos, quantia nada desprezível para um evento cultural. As estruturas do festival também foram reforçadas com a abertura de uma nova área – “Industry Lounge” – e a edição de uma nova revista – “Industry Guide” –, reservados aos compradores profissionais vindos de todas as partes do mundo para reservar os direitos nos filmes mais interessantes.
Duas outras novidades estruturais também irão beneficiar o público. O sistema de legendas eletrônicas irá funcionar para as duas principais seções de competição: a internacional de longas-metragens e a de “Cineastas do Presente”. Isso parece um detalhe, mas é uma verdadeira melhora para as pessoas que não dominam uma dúzia de idiomas.
Outro elemento, mais festivo, é a criação do “Pardoway”, um local destinado aos encontros pós-festivais, que não existia desde o fechamento, ao final de 2006, do Grand Hotel de Locarno. Afinal, como pode um festival de cinema sobreviver sem festas e ambientes mundanos, que combinam tão bem com uma das cidades mais chiques da Suíça.
Os primeiros prêmios
Apesar de estar começando agora, o Festival de Locarno já entrega alguns prêmios. O primeiro deles é a homenagem, em forma de mostra retrospectiva, ao cineasta, produtor e ator italiano Nanni Moretti.
Um dos melhores exemplos do cinema de autor, Moretti se destacou em visão irônica e sarcástica dos lugares-comuns e das problemáticas do mundo juvenil de seu tempo, para depois desembocar em uma crítica social intransigente e moralista. Além da exibição dos melhores filmes, Locarno será a plataforma para o lançamento de um livro em colaboração com a revista francesa Cahiers du Cinema.
O troféu “Leopardo de Honra” vai para o diretor israelense Amos Gitaï, que é premiado pelo conjunto da sua obra. Já o troféu “Raimondo-Rezzonico”, destinado a premiar as melhores contribuições ao cinema independente, será recebido pela produtora americana Christine Vachon (“Boys don’t Cry”).
Cinema lusófono
A competição “Cineastas do presente” será destinada, em 2008, a dar espaço à produção cinematográfica da América Latina. Dos 17 filmes apresentados, dos quais doze têm sua estréia mundial, dois vêm de países lusófonos: “A zona”, do cineasta português Sandro Aguilar, e “Filmefobia”, do brasileiro Kiko Goifman.
Na competição internacional, a mais importante, os portugueses estão representados com um filme: “Um amor em perdição”, do cineasta Mário Barroso. A película conta a história de um adolescente violento, imprevisível e solitário, que passa o tempo provocando confusões. Originário de uma família rica, mas detestado pelos pais, o jovem só consegue mudar a sua vida confusa através do amor e dos livros. A oposição dos pais da sua amada termina levando-o mais uma vez à revolta.
Mário Barroso formou-se em escolas de cinema da Bélgica e da França. Além de já ter realizado um longa-metragem – “O milagre segundo Salomé” (2004)-, ele colaborou como diretor de fotografia de filmes dirigidos por outros diretores conhecidos, como Manoel de Oliveira e João César Monteiro.
Na competição “Leopardos do futuro” será exibido o filme “Dez Elefantes”, da brasileira Eva Randolph. Na seção “Play Forward”, um espaço destinado às experimentações e a outros formatos tecnológicos, três filmes brasileiros serão exibidos: “Saltos”, de Gregorio Graziosi; “Sebastião: o homem que bebia querosene”, de Carlos Magno Rodrigues; e “Solidão pública”, de Daniel Aragão.
Cao Guimarães, artista plástico e cineasta brasileiro, não apenas será membro do júri na competição “Leopardos do futuro”, como também apresentará na seção “Open Doors”, uma mostra apoiada pelas agências de cooperação do governo suíço e voltada para as promessas futuras do cinema, seu filme “Andarilho” (2007). Além dele, outros três cineastas brasileiros também participam da mostra, incluindo João Salles, com “Santiago” (2006).
Piazza Grande
O espaço mais prestigioso do Festival de Locarno é, com certeza, a Piazza Grande, um espaço majestoso cercado por prédios históricos pintados com cores alegres. Durante os dez dias do evento, oito mil cadeiras são colocadas em cima dos paralelepípedos frente a um gigantesco telão. Os moradores vizinhos aproveitam a ocasião para abrir suas janelas e assistir a uma seleção excepcional de boas películas.
Dentre os pontos fortes das projeções noturnas estão o filme de abertura – “Brideshead Revisited” -, uma adaptação do cineasta inglês Julian Jarrold do romance da escritora Evelyn Waugh sobre a vida de nobres católicos ingleses entre as duas guerras mundiais.
Outros filmes esperados pelo público são o “Berlin Calling”, um excitante perfil da capital alemã feito com o DJ Paul Kalkbrenner e a atriz alemã Corinna Harfouch, e “Nordwand”, do cineasta alemão Philipp Stölzl, sobre o drama da escalada do paredão norte da montanha suíça Eiger em 1936, um tema sobre o qual a swissinfo já publicou uma reportagem (clique AQUI para lê-la).
Estrelas
A falta de estrelas internacionais é compensada em Locarno pela presença de personalidades da política. Durante as apresentações na Piazza Grande, muitos deles sentam lado ao lado com o público, como ocorreu em 2005, com a presença do chanceler alemão Gerhard Schröder. Sua sucessora, Angela Merkel, é esperada para prestigiar a exibição de filmes alemães, cujos cineastas recebem mais espaço em Locarno do que em outros festivais semelhantes, como o de Cannes. Clássicos do cinema, como o “Milagre de Berna” (Das Wunder von Bern) ou “A vida dos outros” (Das Leben der Anderen), que ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro em 2007, já foram mostrados no espaço mais privilegiado do festival suíço.
Outro exemplo de pessoas que, após a participação em Locarno, se revelam estrelas de porte internacional ocorreu em 1991. Foi quando a atriz e diretora franco-italiana Valeria Bruni Tedeschi – irmã da modelo Carla Bruni, atual esposa do presidente francês Nicolas Sarcozy – apareceu para acompanhar o diretor Alain Tanner na apresentação do seu filme “O homem que perdeu a sua sombra” (L’homme qui a perdu son ombre). Talvez uma vantagem de estar presente no “menor dos grandes festivais de cinema” foi ter podido, como contam testemunhas, esbarrar com ela até nas esquinas da cidade. Locarno não tem tapetes vermelhos.
swissinfo, Alexander Thoele (com agências)
O 61° Festival Internacional do Cinema de Locarno se realiza de 6 a 16 de agosto.
A tela gigante na Piazza Grande, a praça central de Locarno, exibe 20 filmes. Da competição internacional participam 18 filmes. No total, 380 películas (curtas e longas metragens) serão exibidas durante o festival.
O cineasta israelense Amos Gitai irá receber o troféu “Leopardo de Honra”, uma homenagem aos maiores diretores de cinema ainda vivos. A retrospectiva é dedicada ao cineasta italiano Nanni Moretti.
O festival também inclui outras seções, como as dedicadas aos jovens diretores de cinema ou aos filmes relacionados aos direitos humanos.
Do júri da competição “Cineastas do presente” participa o diretor brasileiro Cao Guimarães.
Na competição internacional:
– UM AMOR DE PERDIÇÃO
de Mario Barroso – Portugal/Brasil – 2008 – 100 min
Com Tomás Alves, Rui Morisson, Ana Padrão, Catarina Wallenstein, Virgílio Castelo, Patrícia Franco, William Brandão.
Competição “Cineastas do presente”
– A ZONA (Uprise)
de Sandro Aguilar – Portugal – 2008 – 99 min
com Isabel Abreu, António Pedroso, Gustavo Sumpta, Cátia Afonso, Tiago Barbosa e Guilherme Pina Cabral.
– FILMEFOBIA
de Kiko Goifman – Brésil/Allemagne – 2008 – 80 min
avec Jean-Claude Bernardet, Cris Bierrenbach, Hilton Lacerda, Livio Tragtenberg, Ravel Cabral.
Competição “Leopardos do futuro”
– DEZ ELEFANTES, de Eva Randolph, Brasil
Seção “Play Forward”
– SALTOS de Gregorio Graziosi – 2008 – Brasil – 8 min
– SEBASTIÃO – O HOMEM QUE BEBIA QUEROSENE de Carlos Magno Rodrigues – 2007 –
Brasil – 10 min
– SOLIDÃO PÚBLICA de Daniel Aragão – 2008 – Brasil – 16 min
Open Doors 2008
– ANDARILHO de Cao Guimarães – Brasil – 2007 – 80
– BAIXIO DAS BESTAS de Cláudio Assis – Brasil – 2006 – 82′
– JOGO DE CENA de Eduardo Coutinho – Brasil – 2008 – 104′
– SANTIAGO de João Salles – Brasil – 2006 – 80′
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