Locarno Shorts Weeks, uma ideia pré-pandemia perfeita para o ‘novo normal’
Locarno Shorts Weeks foi um experimento pré-pandêmico de um evento on-line, oferecendo exibições de curtas-metragens para o mundo todo em uma competição decidida pelo voto do público. Ao iniciar sua quarta edição anual, o experimento já se tornou um modelo de sucesso.
A partir de 1º de fevereiro, o festival Locarno Shorts WeeksLink externo apresenta um curta-metragem por dia, acessível de qualquer parte do mundo, gratuitamente. Cada filme estará disponível por uma semana e os espectadores são convidados a votar depois de assistir a cada filme. Esta é a quarta edição do Locarno Shorts Weeks e uma consolidação de seu formato inovador que se mostra adequado para os tempos pós-pandêmicos.
Selecionados da seção Pardi di Domani (Leopardos de amanhã, o “pardo” é o prêmio do festival de Locarno), dedicados aos curtas-metragens, os filmes não são novos lançamentos, mas escolhidos da seleção da edição 2020 do festival. “Isso é para não perturbar seu ciclo comercial, para garantir direitos livres no mundo inteiro e, ao mesmo tempo, para estender sua vida útil”, explica o crítico italiano Eddie Bertazzo, curador da seleção deste ano.
O festival online trouxe resultados tangíveis em um tempo bastante curto. Em sua primeira edição, contou quase 4.000 visitantes de 92 países. Em 2020, foram 6.557 visitas de 181 países (a pandemia ainda não se havia instalado). No ano passado, os números explodiram: cerca de 25.000 visualizações (sendo 66.811 visitas de página), um aumento de 276% em relação a 2020.
Alcance global
A seleção atual tem uma amplitude geográfica bastante vasta, cobrindo 18 países de praticamente todos os continentes, com exceção da Australásia.
Um âmbito internacional tão amplo oferece uma janela comparativa sobre as experiências formais e temáticas que estão sendo praticadas em diferentes culturas e em condições muito discrepantes. O formato do curta não é usado apenas por aspirantes a cineastas com pouco ou quase nenhum orçamento. Alguns filmes ‘cult’ começaram como curtas, como Coffee and Cigarettes e Stranger than Paradise, do americano Jim Jarmusch. Diretores consagrados e venerados – Jean-Luc Godard, Claire Dennis, entre tantos outros – se divertem com a liberdade de brincar fora dos padrões da indústria. Os curta-metragens muitas vezes permitem aos diretores desenvolver narrativas mais radicais, idéias experimentais ou caprichos pessoais.
Essa é basicamente a idéia por trás do Corti d’Autori (Curtas de autores), uma nova seção do Festival de Locarno que estreou no ano passado. Foi uma das mudanças feitas pelo diretor artístico, Giona A. Nazzaro, em seu primeiro ano tocando o festival; trazer curtas-metragens feitos por autores consagrados como Marco Bellocchio e Radu Jude, ao lado de cineastas em início de carreira.
Corti d’Autori será integrado às próximas Locarno Shorts Weeks, em 2023, anunciou Bertozzi; isto lhe permitirá manter a janela de dois anos, abrindo a perspectiva de consolidar a experiência como permanente nas futuras agendas dos festivais internacionais.
O modelo híbrido
Mas o sucesso do modelo híbrido aqui implementado por Locarno, com um evento presencial principal seguido de outro menor, online e fora de temporada, não era nada óbvio. Quando a SWI swissinfo.ch anunciou a segunda edição do minifestival em janeiro de 2020, sua principal atração era seu alcance a uma audiência global como uma interessante experiência de exibição online. Mas algumas semanas mais tarde, surgiu a pandemia do coronavírus, seguiram-se lockdowns e restrições diversas, e os eventos presenciais tiveram que se reinventar on-line.
Da noite pro dia, o que era para ser um “experimento interessante” de um festival híbrido se tornou a nova norma para os festivais internacionais de cinema. Passados já dois anos de pandemia, porém, os resultados desse novo formato para eventos apresenta resultados contraditórios.
De fato, os festivais de cinema devem muito de seu fascínio à experiência física e à interação social entre os cinéfilos, os profissionais da indústria e da mídia. Prêmios, postagens em mídias sociais e avaliações críticas em festivais são vitais para o sucesso comercial de um filme, especialmente para aqueles produzidos fora dos grandes estúdios ou plataformas de streaming poderosas. Tal é também o caso dos curtas-metragens.
Transformar o festival físico em um evento online, como muitos tentaram fazer no primeiro ano da pandemia, foi um desastre. Os planos a longo prazo dos quais os festivais dependem corriam o risco de serem interrompidos da noite para o dia por lockdowns e súbitas restrições sanitárias. Para colocar um evento online como um “plano B”, é preciso um modelo de negócios diferente, onde os contratos de distribuição de cada filme selecionado devem ser renegociados, assim como toda uma nova estratégia de marketing. Eventos online também podem diluir o comparecimento físico nos cinemas.
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Locarno se globaliza com um festival de curtas online
No entanto, podem também tornar um filme visível em territórios onde a distribuição é escassa ou inexistente. Mesmo se, ou quando, a pandemia acabar, e o público voltar aos teatros, cinemas, museus, e concertos, os festivais online certamente ficarão. Plataformas de exibição online, como a DAFilmsLink externo, uma joint-venture de 7 festivais europeus, surgiram nos últimos anos e certamente continuarão mesmo com o fim das restrições sanitárias.
Considerando tudo isso, Locarno Shorts Weeks é um modelo bastante único e inteligente. Não canibaliza o evento principal, mas aumenta o perfil do festival principal fora de temporada. Além disso, amplia o alcance internacional de um programa de filmes de nicho praticamente invisível, mal notado até mesmo pelos cinéfilos mais entusiastas. Em vez de substituir a experiência física de um festival, ele amplia o leque de possibilidades. Outros festivais deveriam tomar nota.
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