Estudante brasileiro concretiza sonho de estudar na Suíça com ajuda da internet
Weslei Ajarda é um jovem brasileiro que veio da periferia de Porto Alegre, Brasil. Sua paixão é a música e o instrumento, o contrabaixo. Depois de ingressar na orquestra sinfônica, seu sonho agora é se aperfeiçoar na Escola de Música de Genebra. Uma campanha na internet ajudou-lhe a angariar fundos suficientes para garantir a viagem à Suíça.
As notas graves do contrabaixo acústico ecoam pelas paredes do pequeno auditório. Acalmam e hipnotizam o público, de talvez 60 pessoas. Alguns, de olhos fechados, sentem as notas e a melodia, entregues a arte. Outros, tem o olhar fixo no instrumentista, um garoto negro e esguio, de cerca de 1,80 de altura e um corte de cabelo com ecos de black power.
A sala de apresentações é no espaço que um dia foi a Estação de Trens de Canoas, cidade-satélite de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, agora transformada em centro cultural. Impressiona a este repórter e provavelmente a boa parte do público a percepção de que o artista e o instrumento, quase da sua envergadura, travam um diálogo próprio, afinado. Cumplicidade que faz a interpretação da composição de Johann Sebastian Bach arrancar lágrimas abundantes de uma idosa, sentada ao meu lado.
O nome do artista é Weslei Felix Ajarda, 18 anos, uma das maiores revelações do contrabaixo acústico no Brasil e que realiza seu último concerto na terra natal antes de pegar o trem aéreo para a Suíça. Em terras helvéticas ele desembarca em 28 de agosto, onde a partir de setembro inicia uma jornada de três anos de estudos na lendária École de Musique de Genéve (Escola de Música de Genebra).
Conhecendo a música
Afora o talento, a humildade e o sorriso tímido de Weslei, caçula do naipe de baixos da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa), o que atrai e chama a atenção é a história de vida do jovem. Aos três anos ele foi apresentando à música na casa humilde da vila São João, no bairro Guajuviras, um dos mais pobres e mais violentos de Canoas.
As rodas de samba puxadas pelo pai Luis Roberto, um metalúrgico, e a mãe Rosane, operadora de telemarketing, juntavam primos, tios e avós e fascinavam o menino. “Era contagiante e quando sobrava um instrumento lá estava eu. O que eu queria era alguma forma de tocar junto”, conta ele, ao lembrar que um dos primeiros instrumentos foi um violãozinho de plástico, de cinco reais, presente de um tio.
A vontade de aprender a tocar o fez aos sete anos ingressar na banda de uma igreja evangélica da comunidade. “Foi onde tive contato com a didática da música e comecei a aprender violão com um amigo. Aprendi em quatro meses e aí entrei para a banda”, relembra.
Ingresso que trouxe uma disputa e uma lição. “Tinha um instrumento lá que era o pandeiro meia-lua, muito disputado pelas crianças que estavam na banda. Tentei a primeira, segunda, terceira. Perdi as contas de quantas vezes tentei até que me deram a liberdade de tocar o meia-lua. Não tem como um sonho se tornar realidade se você não tomar iniciativa”, afirma, rindo.
A nota no jornal
Ciente de que a música era a sua vocação Weslei ingressou em 2014 na Escola de Música da Ospa. E de forma inusitada. Estava chegando na casa de uma tia, que mostrou a ele uma pequena nota de jornal. “E disse: Weslei, você que gosta de música, porque não faz a inscrição, é grátis. Eu nem sabia o que era, mas fui lá. Dizia que era para aprender música e fui. Fiz a inscrição achando que era para contrabaixo elétrico, que era o que eu estava tocando, mas cheguei lá e me deparei com o meu atual instrumento. Eu não sabia nem o que era aquilo.
Eram 14 na turma quando começou, depois de um ano sobraram 2 e eu estava lá. No outro ano a mesma coisa, e sobrei eu. No ano seguinte renovou toda a turma e sobrou eu de novo. O que fez meu professor vender a primeira matéria comigo para um jornal”, relembra. Persistência que credita a um sentimento. “A vontade de fazer, ao comprometimento. O amor à música era o que me fazia continuar, mesmo que por muitas vezes eu tenha pensado em desistir”, argumenta ele.
Virando músico da Ospa
O ano de 2015 foi um divisor de águas na caminhada de Weslei. Impulsionado pela família e amigos fez o concurso para ingressar na Orquestra. “Achava que não ia dar nada, pois tinha pouco mais de dois anos de vivência com o meu instrumento. Mas fiz e venci em primeiro lugar. Aquilo marcou a minha vida”.
E exalta a ajuda de um professor, que o intimou a fazer aulas-extras na sua residência, além das que fazia na Escola da Ospa, para se preparar ao concurso. Conquista que o catapultou a um ambiente de apresentações com a sinfônica, ao convívio de músicos experimentados, ao reconhecimento e a conhecer o professor e contrabaixista italiano Alberto Bocini, um dos mais renomados no mundo em seu instrumento. E partir de Bocini o reconhecimento em forma de convite a École de Musique de Genéve, onde leciona. Oportunidade que gerou uma das mais instigantes etapas da vida do jovem músico e materializou uma corrente positiva de familiares e amigos para que Weslei pudesse realizar o seu sonho.
A vaquinha virtual
O sonho de Weslei começou a tomar forma em julho deste ano, quando amigos e apoiadores resolveram lançar um crowdfunding, sonhar juntos com o jovem e tentar viabilizar os R$ 52 mil necessários para custear os seis primeiros meses de ensino e estadia em terras helvéticas.
Sob título “Ajude o Weslei a Estudar na SuíçaLink externo“, a vaquinha virtual tinha como data-limite o 27 de agosto, dia do embarque para Genebra. Uma intensa agenda solidária de divulgação também foi construída em paralelo com veículos de imprensa locais, estaduais e nacionais, como a Rede Globo de Televisão, onde Weslei foi recebido pela apresentadora Fátima Bernardes.
O empurrão que tomou ainda mais corpo nas redes sociais, que potencializaram a história do menino pobre da periferia e de talento ímpar e permitiram a ele protagonizar uma apresentação solo num dos berços máximos da arte gaúcha, o centenário Teatro São Pedro, no último dia 17.
O resultado: R$ 55 mil reais arrecadados até a última quinta, 24. “O que posso dizer é que tive um sonho com três anos e pessoas para me dar o suporte, a minha família. Aos 14 anos tive o sonho de vencer o concurso e tive alguém que meu deu o suporte, o meu professor. E esse número de pessoas começou a aumentar, hoje são mais de mil que me ajudam a tornar o meu sonho realidade”, exalta Weslei, creditando ao amor a queda de barreiras aparentemente intransponíveis.
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Música, maestro!
“Percebi que não existe na vida barreiras que possam te impedir de algo, e nem dinheiro. Comecei a entender que o amor transforma a vida e te capacita a fazer mais, a fazer a diferença. Às vezes a gente acha que é incapaz de mudar o mundo. Eu vejo o que acontece a minha volta, de coisas ruins. Eu sou uma pessoa só, não posso mudar o mundo, mas as pessoas me ajudaram a mudar o meu mundo, a transformar a minha vida. E podem mudar a vida de outros tantos jovens que tem uma realidade parecida com a minha. E o futuro desse jovem depende muitas vezes de ti, de um ato teu”, exalta.
A expectativa da experiência suíça
Em Genebra uma rede de amigos brasileiros e suíços, muitos que sequer conhecem Weslei, mas se sensibilizaram pela história do jovem músico, o aguardam. “Até agora só vem informações boas da Suíça e das pessoas. Para mim estar indo à Suíça é uma honra, pelo que pesquisei, pela própria escola e a história do povo. Vou levar a minha arte, o que tenho de melhor e espero aprender e fazer felizes as pessoas lá. E pela excelência da escola e do País é o melhor lugar para eu ir agora”, afirma ele.
Acredita que o seu diferencial no aprendizado será o de ser brasileiro. “E carregar essa cultura brasileira. Mas a minha dedicação e comprometimento com a arte é que pode me diferenciar”, entende. Quanto ao futuro, é objetivo: “A princípio são três anos, a minha graduação. Sei das oportunidades que terei na Suíça, mas desejo voltar ao Brasil. Conquistei algo forte aqui e todo o suporte que estou tendo é do Brasil. E entendo que a arte tem que ser aprendida e repassada”, afirma Weslei, do alto de uma sabedoria singular a um jovem de 18 anos.
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