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Macau vista sob as lembranças portuguesas

Cena de "A última vez que vi Macau". cortesia

Um filme que mistura as recordações de infância de um imigrante português com o clima sombrio do cinema "noir". Como pano de fundo, Macau, a mítica ex-colônia encravada em uma península da China.

Esse desafio foi levado às telas por João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata, autores do único longa-metragem lusófono a concorrer ao principal prêmio do Festival Internacional de Cinema de Locarno em 2012. swissinfo.ch encontrou os cineastas nos bastidores do evento.

As primeiras cenas do filme catapultam o espectador a outro universo. É quando o pivô da história, uma travesti nos seus quarenta anos, surge em um cenário de cabaré, trajando roupas asiáticas, e inicia o play back da canção “You kill me”, interpretada pela atriz americana Jane Russell no clássico “Macao” do diretor austro-americano Josef von Sternberg de 1952. Enquanto seus lábios voluminosos acompanham a letra, dois tigres se digladiam ao fundo da tela. 

O choque dos primeiros minutos é intencional para João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata, diretores de “A última vez que vi Macau”, o único longa-metragem lusófono a concorrer ao principal prêmio no Festival Internacional de Cinema de Locarno em 2012. Abertamente inspirados nos filmes “noir”, o estilo surgido nos anos 1940 e caracterizado por cenários sombrios e personagens de moral duvidosa envolvidos em tramas policiais, os portugueses já decepcionam logo aqueles que esperavam no filme um documentário clássico sobre essa antiga colônia lusitânica.

O objetivo é diverso. “Nosso filme partiu de um confronto de duas memórias e de duas ficções: de um lado as memórias do João Rui, que viveu em Macau quando era criança; e por outro as minhas, a de alguém que nunca havia estado por lá”, revela João Pedro Rodrigues à swissinfo.ch. Se parece estranho alguém ter memórias de uma cidade desconhecida, o cineasta retruca afirmando que suas viagens eram através das telas. “Só conhecia Macau do cinema clássico americano, que reinventou os códigos do cinema para mostrar um extremo oriente que não é real.”

Viagem atribulada 

Os dois autores explicam que o ponto de partida de “A última vez que vi Macau” foi a ideia de fazer um documentário sobre a infância de João Rui Guerra da Mata. Entre 1971 e 1974 ele e sua família viveram na colônia levados pelo pai, oficial da marinha portuguesa transferido para esse espaço esprimido entre a Península de Macau, as ilhas da Taipa e de Coloane e o istmo de Cotai.

Com parte do financiamento garantido por fundos portugueses voltados ao setor cultural, e escorados na experiência de vários anos de trabalho conjunto, os cineastas chegaram pela primeira vez em Macau em 2009, uma viagem que acabou se repetindo por mais duas vezes. Se um deles logo recuperou as lembranças da infância ao redescobrir a antiga casa ou a escola, o outro sofreu impacto provocado por esse espaço da mistura dos vestígios do passado colonial com a modernidade dos arranha-céus.

“Assim o filme nasceu desse confronto”, explica João Pedro Rodrigues. Um confronto que terminou levando os dois a desistir do documentário e passar para a ficção. “Quando chegamos, percebemos que Macau não precisaria de mais um documentário, pois olhávamos a volta e víamos ficções em todo lado”, reforça João Rui Guerra da Mata. “É uma ficção contaminada pelas minhas memórias.”

O português cosmopolita, nascido em Moçambique, considera que essa era a melhor forma de apresentar Macau. “Todos os documentários feitos sobre ela focam aquilo que é mais óbvio: a arquitetura portuguesa que ainda subsiste ou os casinos de Las Vegas. O que nos interessava eram as pequenas vias, onde podia haver mistério, ficção ou elementos do ‘film noir’.”

Um filme de suspense

O resultado se concretizaram em 150 horas filmadas quase que aleatoriamente, segundo a inspiração ou através do encanto dos autores pelas cenas que presenciavam no dia a dia. Depois, em Lisboa, os dois se lançaram no duro trabalho de montagem de vários meses, onde também foram incluídas imagens dos arquivos pessoais, fotos tiradas nos anos 1970 e já amareladas pelo tempo, que muitas vezes são confrontadas no filme para dar o paralelo entre o passado e o presente. No processo foi costurado, então, uma trama quase todo narrado em off, onde os atores surgem apenas de soslaio, sem mostrar os rostos.

Na história, um homem recebe um pedido desesperado de ajuda de uma ex-amante, Candy, a travesti da cena inicial, que se radicou em um exílio voluntário em Macau e depois se envolveu com pessoas perigosas. Ao chegar à cidade onde vivera trinta anos atrás, o homem vive um desencontro atrás do outro e passa a ver Candy como um fantasma. Ela alimenta suas lembranças de infância, que vão se concretizando em cada esquina e edifício da cidade, percorridos na busca incessante ou através dos diferentes ruídos gravados ao acaso. Uma série misteriosa de assassinatos o acompanha a cada passo. Candy é morta. Ao final, o próprio personagem perece sem corpo. Só sobra o hotel vazio, o cigarro aceso na cama e um telefone fora do gancho.

Crítica ao passado colonial 

Trata-se de um filme conceitual, admite João Pedro Rodrigues no prospecto do filme distribuído à imprensa em Locarno. Possivelmente pouco palatável para os cinéfilos que esperariam um roteiro melhor costurado. Porém os cineastas não escondem que sua principal intenção é transmitir a mensagem através do subentendido, dos sons e das imagens.

Obviamente “A última vez que vi Macau” também não escapa de ter uma mensagem política. “Macau deve ter sido a única colônia portuguesa, que verdadeiramente nunca foi portuguesa”, afirma João Rui Guerra da Mata. A declaração, paradoxal, é uma pontada contra a história colonial de Portugal. “Durante a ditadura, aquilo foi considerado um dos nossos bastiões na Ásia. E muito dinheiro havia em Macau. Tudo está escrito em português, mas ninguém fala português. Ao contrário de Hong Kong, que foi uma conquista de território. Mas lá os colonizadores (ingleses) deixaram universidades, educação. Já nós portugueses deixamos muito pouco”, lamenta o cineasta. 

Uma realidade chocante, levando-se em conta os 400 anos de história da colonização lusitânica em Macau. Mas não seriam as calçadas em pedra portuguesa, os diversos edifícios históricos, os monumentos e placas escritas em dois idiomas provas existentes dessa influência? “Na década de 1980 os portugueses achavam que tinham de deixar obra feita. Mas minha opinião, a obra se faz através da cultura e não dos edifícios”, reflete João Rui Guerra da Mata.

Crise na cultura portuguesa 

As primeiras impressões da China já haviam sido oferecidas em Locarno em 2011, quando os dois cineastas portugueses exibiram “Alvorada Vermelha”, um curta-metragem premiado no festival IndieLisboa. Nele, o grande mercado municipal de Macau, com seus feirantes, frutas e animais, ruídos e multidões, dá uma impressão perfeita do exotismo asiático.

Porém em 2012, João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata chegam a Locarno anunciando que seu longa-metragem só foi finalizado graças ao apoio de produtores franceses. A crise em Portugal afeta a cultura em todos os seus níveis. A primeira vítima são os fundos voltados para a produção do cinema nacional. “E isso ocorrem em um momento em que nunca se produziu tantos filmes portugueses”, diz da Mata.

É um diretor português, nascido em Lisboa em 1966. Ele iniciou a sua atividade como realizador em 1997.

Começou como assistente de direção e montagem em filmes de realizadores como Alberto Seixas Santos, Teresa Villaverde.

O seu primeiro longa-metragem foi O Fantasma, uma história sobre os afetos numa relação entre dois homens.

Odete (2005) foi a seu segundo, e esteve presente no Festival de Cannes. A maior parte do seu trabalho foi desenvolvido com a produtora Rosa Filmes. (Fonte: Wikipédia em português)

Nasceu em Lourenço Marques, Moçambique. Começou a trabalhar em cinema em 1995.

Foi professor de Art Direction / Production Design na Escola Superior de Teatro e Cinema (ESTC) de 2004 a 2011.

Como Art Director / Production Designer trabalhou em várias curtas e longas metragens, destacando-se a colaboração com o realizador João Pedro Rodrigues, em cujos filmes foi também é co-argumentista.

Foi assistente de realização dos documentários ESTA É A MINHA CASA e VIAGEM À EXPO (1997/1999), do mesmo diretor. Esta colaboração estendeu-se à realização em 2007, tendo co-realizado as curtas-metragens CHINA, CHINA – 39th Quinzaine des Réalisateurs, Cannes.

Prêmio de Melhor Curta-Metragem e Prémio do Público do Festival de Belfort e ALVORADA VERMELHA (2011) – Prémio de Melhor Curta-Metragem do Festival IndieLisboa, estreia internacional no Festival de Locarno e a longa-metragem A ÚLTIMA VEZ QUE VI MACAU (2012).

Em 2012 realiza O QUE ARDE CURA, a sua primeira curta-metragem a solo, que estreou no Festival IndieLisboa no passado mês de abril. (Fonte: (Fonte: Agência da Curta Metragem – http://www.curtas.pt)

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