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“Marionetes continuarão abrindo a porta à imaginação”

Imagem em preto e branco mostrando duas pessoas
Ultimamente, a arte das marionetes adaptou-se a novas formas e tecnologias. O festival MarionnETtes em Neuchâtel flerta com outras artes do mundo audiovisual e teatral e reflete sobre a marionete de hoje. "Kaffe und Zucker" ("Café e açúcar") é uma performance de Laia RiCa. ©Erich Malter

A arte das marionetes, que evoca a infância passada, está profundamente enraizada na cultura suíça. Será que as novas tecnologias podem pôr em risco esse tradicional setor?

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Se você é suíço ou suíça, ou se passou sua juventude no país, é muito provável que já tenha segurado brinquedos de madeira nas mãos. A marca de qualidade suíça de figuras de madeira trará à memória muitas lembranças da infância. Um dos brinquedos mais tradicionais que cativou jovens e adultos é a marionete. A arte das marionetes feitas artesanalmente sempre esteve profundamente enraizada na cultura suíça.

Era uma vez… um pedaço de madeira!

Por trás de cada marionete se esconde um enorme trabalho de criação e precisão. Christophe Kiss é um dos principais escultores de marionetes da Suíça. “A marionete ainda tem um futuro brilhante pela frente, pois ela corresponde a uma necessidade primordial de se expressar por meio de objetos. Ela continuará abrindo a porta para a imaginação”, afirma ele. O célebre escultor se formou na Escola Superior de Artes Visuais de Genebra (hoje chamada de Universidade de Arte e Design de Genebra (HEADLink externo). Em 1993, ele iniciou sua carreira profissional no Teatro de Marionetes, em Genebra, antes de estabelecer seu próprio ateliê alguns anos depois.

“Não há dúvida de que a tecnologia abrirá novos horizontes para as marionetes”, sublinha Kiss, que não vê nisso um aspecto negativo, mas sim um enriquecimento. Além de criar marionetes, desde o esboço até a produção final, passando pelo desenho técnico, Kiss projetou diversos personagens para cenas de filmes e videoclipes. “Cada trabalho é único”, diz ele, “e cada diretor chega com um pedido inédito, um enigma a ser resolvido”. O mais recente, diz ele à swissinfo.ch, é uma marionete de fios e outros personagens criados para o vídeo de Stephan Eicher no YouTube: “O Mais Leve do MundoLink externo“.

De acordo com o artista, uma das principais características dos personagens que ele cria é o aspecto artesanal, que aspira à maior simplicidade possível. E talvez seja essa simplicidade que assegure o futuro das marionetes. “Era uma vez… um pedaço de madeira”, assim começa a grande história de Pinóquio!

Uma mão com duas mãos de madeira
O processo de criação de uma marionete é longo e complexo. “Ele começa com a escolha de uma técnica de marionete que melhor atenda à dramaturgia do espetáculo. Em seguida, é preciso desenhar os personagens para criar suas personalidades, transformar os esboços artísticos em desenhos técnicos em escala real. Depois, esculpir os personagens em madeira ou espuma”. Christophe Kiss

Por que não voltar a ser criança?

A tradição e o amor dos suíços pelas marionetes estão espalhados por todo o país. As apresentações ocorrem em teatros nos cantões de língua alemã, francesa e italiana. Embora as peças sejam voltadas principalmente para o público jovem, cada vez mais adultos vão assistir às apresentações. Isso talvez se deva ao fato de que a mensagem transmitida por elas é destinada a um amplo público.

“Nossas peças (de Frank Demenga) são, sem exceção, críticas relacionadas ao nosso tempo: migração, mudança climática, proteção da floresta tropical, digitalização da imaginação das crianças – mas o humor e a poesia sempre desempenham um papel importante”, explica Karin Wirthner, diretora do Puppentheater Bern. “Não há limite de idade para o público de teatro de marionetes, é para todos”, afirma Kiss.

Toda semana, especialmente aos sábados e domingos, os teatros de marionetes de diferentes cidades repetem o mesmo ritual. O público entra alegremente, acomoda-se nesses teatros aconchegantes, as luzes se apagam, a cortina do palco se levanta e a apresentação começa. É um quadro vivo e em movimento, no cruzamento de várias artes: canto, dança, teatro, artes visuais e música. “O conhecimento e a experiência da figurinista, da cabelereira, do iluminador, do técnico de som e dos construtores de cenários completam a paleta”, acrescenta Kiss.

Por outro lado, os teatros de marionetes só podem acomodar um número limitado de espectadores, pois deve criar um ambiente de intimidade e proximidade. É praticamente impensável organizar um espetáculo de marionetes em um teatro grande.

E se seguirmos o rastro da popularidade das marionetes, é quase obrigatório mencionar o pintor Paul Klee, que viveu a maior parte de sua vida em Berna. “As marionetes são criaturas híbridas, objetos situados em algum lugar entre o artesanato e o brinquedo”, assinalou o artista, que inclui várias marionetes em sua obra.

Vários bonecos
Entre 1916 e 1925, Paul Klee criou marionetes de mão para seu filho Felix a partir de vários materiais. Klee costumava costurar as roupas ele mesmo, apenas os primeiros figurinos foram feitos por Sasha von Sinner (a criadora das agora famosas bonecas Sasha). Paul Klee, 1916-1925, Zentrum Paul Klee, Berna. Com a gentil autorização de Livia Klee.

“A magia do teatro de marionetes abre as portas para um mundo poético, mágico e surpreendente que nem o teatro humano nem o cinema podem oferecer”, continua Wirthner. “Por que não voltar a ser criança?”

Convergência entre tradição e novas tecnologias

Há muitos festivais dedicados a marionetes na Suíça. O Festival Internacional de MarionetessLink externo em Neuchâtel tornou-se um evento de referência, com destaque na Suíça e no exterior. “Desde o início, esse evento tem se dedicado a revelar a arte das marionetes em sua forma contemporânea, voltada principalmente para adultos – com, é claro, uma janela aberta para as crianças!”, afirma Corinne Grandjean, diretora do festival.

As novas tecnologias (vídeo, microcâmeras, música, imagens, robótica) não só fazem parte da programação do festival, como também se tornaram uma de suas principais características. “As artes cênicas (teatro, dança, concertos etc.) estão incorporando cada vez mais as marionetes”, acrescenta Corinne Grandjean, que prevê um futuro promissor e garante que conhece muitos jovens comprometidos com esta arte em particular.

Miniaturas
Shrimps Tales (“Histórias de camarões”) do Hotel Modern. © Leo van Velzen.

Corinne Grandjean explica que “a arte das marionetes evoluiu bastante na Europa desde os anos 80, especialmente com a chegada do teatro de objetos e do teatro de figuras. Os artistas que utilizam essas formas realmente propuseram uma ruptura com o antropocentrismo das marionetes. Instrumentos musicais, utensílios de cozinha, mãos ou pés, frutas e legumes… etc. podem se converter em personagens”.

Marionetes como terapia

Se a faceta lúdica e cultural das marionetes é bem conhecida, há outro aspecto, porém, menos conhecido. No início do século 20, a marionete fez sua entrada na psicanálise infantil. A suíça Madeleine Rambert introduziu a marionete como instrumento em seus métodos terapêuticos para tratar pacientes muito jovens que sofriam de diversos distúrbios, como a neurose infantil. A ideia surgiu para Rambert de que poderia ser benéfico aplicá-la a crianças com dificuldades de comunicação, e foi exatamente isso que aconteceu.

A psicanalista escreveu um artigo sobre sua experiência com esse tipo de metodologia com marionetes, no qual ela ressalta que “a marionete é um ser meio vivo, meio irreal, mas vivo o suficiente para dar a ilusão de ser algo com o qual se pode conversar, e sobre o qual a criança pode projetar seus sentimentos. Uma espécie de corpo material no qual a criança projeta sua alma”. Rambert se inspirou em Anna Freud e no romance de George Sand, “O Homem de Neve”, para desenvolver seu método de marionetes.

Além da Suíça, outros países decidiram adotar o teatro terapêutico de marionetes para tratar conflitos e dificuldades emocionais, ampliando os horizontes e aplicando-o a outros domínios da psicanálise. Esse poderoso recurso da psicologia, conhecido como teatro de marionetes reflexivo, está em plena ascensão.

Seja qual for o caso, a marionete oferece uma infinidade de possibilidades em muitos aspectos da vida, tanto no plano cultural quanto no terapêutico – ou talvez ambos estejam interligados – e abrange os mundos da criança e do adulto. “É uma arte que deveria ser reconhecida da mesma forma que a dança, o teatro e o cinema”, observou Yves Baudin, criador e diretor do teatro de marionetes La Poudrière em Neuchâtel até 2013Link externo, em uma entrevista anterior cedida à swissinfo.ch.

Edição: Samuel Jaberg

Adaptação: Karleno Bocarro

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