Markus Raetz abre as portas da percepção em Berna
Uma nova retrospectiva de obras de arte 3D do falecido artista suíço Markus Raetz está em exibição no Museu de Belas Artes de Berna.
Um dos artistas suíços mais proeminentes dos últimos 50 anos, Raetz morreu em 14 de abril de 2020, um mês após o lockdown nacional do Covid-19. Sua obra e memória foram mencionadas em toda a imprensa suíça, embora sem alarde. Internacionalmente, seu falecimento passou quase despercebidoLink externo.
Os obituários tépidos e a impossibilidade de qualquer tipo de celebração pública da vida e obra de Raetz devido às restrições sanitárias deixaram uma lacuna que o Museu de Belas Artes de Berna (Kunstmuseum Bern) está agora tentando preencher. Uma grande retrospectiva estará em cartaz até 25 de fevereiro de 2024. Algumas das obras tridimensionais mais conhecidas de Raetz estão expostas ao lado de uma instalação espacial, Wolke (Clouds, 2020), planejada pelo artista, mas nunca executada.
Mais de meio século de atividade laboriosa deixou uma ampla gama de experimentos com materiais, superfícies e técnicas. Se alguém definisse a obra de Raetz em uma palavra, certamente seria “percepção”. Ou, mais precisamente, “alterando percepções”, mas não se restringindo às exortações psicodélicas do termo que foi motivo de grande sucesso entre muitos de seus contemporâneos nas décadas de 1960 e 1970.
Na verdade, ele era um artista de seu tempo, tendo surfado também as ondas lisérgicas da contracultura dos anos 1960. Raetz abriu o que o escritor britânico Aldous Huxley chamou de “portas da percepção” e mergulhou fundo em seu significado essencial, ou a natureza da percepção. A principal pergunta ao longo de sua carreira, segundo sua viúva, Monika, foi: “é essa a única maneira de ver as coisas?”
A exposição em Berna responde a essa pergunta, obra por obra, com um claro “não”.
Estaticamente em movimento
O crítico suíço Max Wechsler escreveuLink externo em 1984 na revista norte-americana Art Forum que “a arte de Markus Raetz pode ser definida de maneira fundamental: como a tensão entre inteligência e sensibilidade […] Crescer dessa tensão é uma espécie de campo de força que põe tudo o mais em movimento e permite que a arte apareça em toda a sua ambiguidade de sentido”.
As obras de Raetz exigem certa interação do espectador, pois mudanças de perspectiva levam a diferentes percepções das peças. A aparente simplicidade das obras, às vezes consistindo apenas em um fio arrancado, esconde estudos cuidadosos sobre os efeitos ópticos de materiais e formas. Seu irmão, um físico, também desempenhou um papel nos cálculos matemáticos de Raetz.
Raetz era uma máquina de desenhar implacável. Ele sempre tinha um caderno de rascunhos à mão que servia como um diário ilustrado de seus devaneios e estudos. Alguns dos esboços, expostos agora em Berna, podem ser contemplados ele próprios como obras de arte. Para o artista, o desenho sempre foi o primeiro passo para fazer todas as suas obras, inclusive esculturas.
Lugares certos e horas certas
Raetz teve muita sorte de estar no lugar certo na hora certa. A capital suíça, Berna, onde ele nasceu em 1941, cresceu e acabou morrendo, nunca foi um foco artístico global; exceto por um breve período na década de 1960, quando o curador pioneiro Harald Szeemann dirigiu a Kunsthalle local (1963-69). Isso coincidiu com o momento em que Raetz decidiu deixar a carreira de professor para se dedicar à arte.
Na época, Szeemann transformou Berna em um dos principais centros de vanguarda, culminando com a exposição “Quando as atitudes se tornam forma”. Sua radicalidade e a predominância da arte conceitual acabaram custando a Szeemann seu trabalho em Berna.
Raetz foi um dos artistas locais que caíram sob o feitiço de Szeemann durante aquela década. Ele acompanhou o curador em algumas de suas outras mostras internacionais, como a documenta 5 em Kassel, Alemanha (1972), outro marco na história da arte do século 20.
A influência de Szeemann foi além de sua personalidade singular e obras de arte. O ambiente criado pelo curador promoveu inúmeras conexões entre artistas suíços e a vanguarda global, aproximando do país movimentos artísticos como pop art, conceitualismo, situacionismo, Fluxus e Neo-Dadá.
Raetz também estabeleceu uma intensa amizade com a grande dama da arte suíça, Meret Oppenheim, que havia se mudado para a capital suíça em 1967 para se misturar com aquela multidão jovem e selvagem.
Quando a cena de Berna começou a murchar em 1969, Raetz e sua esposa Monika se mudaram para Amsterdã. Esse período no exterior, marcado por extensas viagens enquanto vivia em um ambiente muito mais inspirador do que a rígida Suíça, consolidou os métodos e interesses de trabalho de Raetz.
Raetz voltou definitivamente para Berna em 1976, depois de alguns anos passados em Carona, uma pequena aldeia no cantão de língua italiana de Ticino e o refúgio favorito de Meret Oppenheim até sua morte (ela também está enterrada lá). Tornou-se então um dos mais prolíficos artistas suíços, com um fluxo constante de exposições nas principais capitais europeias.
Em meados da década de 1980, Raetz teve seu avanço na cena americana graças a uma exposição individual no New Museum of Contemporary Art, em Nova York (1988). No mesmo ano, representou a Suíça na 43ª Bienal de Veneza.
Ética de trabalho
Antes de completar 50 anos, Raetz já era um nome consagrado nos circuitos de arte suíço e internacional, mas a notoriedade para ele significava simplesmente a possibilidade de trabalhar constantemente em uma produção que desafiasse não apenas a percepção das obras, mas também dos espaços.
Seus objetos 3D brincam com a percepção de seus locais de exposição expandindo-os, comprimindo-os ou distorcendo-os. Muitos deles também dialogam com as influências mais afetuosas de Raetz, como o surrealista belga René Magritte, o foto-artista americano Man Ray ou Mickey Mouse.
Talvez ainda seja cedo para fazer uma avaliação abrangente da importância de Raetz no universo da arte contemporânea. Mas ele certamente sintetiza algumas características peculiares compartilhadas por um punhado de artistas suíços que ganharam fama no exterior, como Fischli e Weiss, Max Bill, Meret Oppenheim ou Alberto Giacometti.
Poderíamos mencionar a simplicidade enganosa que leva a várias interpretações e camadas de significado; uma busca constante pela essência dos materiais e da experiência humana; os arranjos lúdicos de palavras e conceitos. Mas nada disso pode ser atribuído a qualquer tipo de “maneira suíça” de fazer arte, nem mesmo ao prolífico ethos de trabalho de Raetz, semelhante ao seu contemporâneo Jean-Frédéric Schnyder, para quem “arte é apenas trabalho”.
Os clichês dos costumes protestantes-calvinistas suíços, porém, não se aplicam à arte de Raetz. Mesmo que provoque um sorriso em vez de uma risada, reflete a alegria silenciosa que Raetz exibiu ao conceber e fazer suas peças. É muito trabalho, sim, mas fundamentalmente é diversão e prazer.
Edição: Virginie Mangin
Adaptação: DvSperling
Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!
Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.