Museu celebra 50 anos de arquitetura de Mario Botta
O Museu de Arte Moderna de Rovereto, o Mart, comemora os 50 anos de carreira do arquiteto suíço Mario Botta. Ele continua a explorar novos conceitos que elevam suas obras à condição de testemunhas da sociedade moderna.
“Acho que a arquitetura reflete um determinado tempo. Temos que responder às necessidades do presente, não do futuro”, diz Mario Botta à swissinfo.ch.
O arquiteto de fama internacional apresenta para o público todas as fases do processo criativo nas suas diferentes áreas de atuação, incluindo as incursões no campo do design e da cenografia. A genialidade e a influência de Mario Botta são expostas através de 90 desenhos, quadros, esculturas, objetos, fotografias, cartas e maquetes.
A exposição revela ao espectador todo o caldeirão de formação cultural de Mario Botta e o seu percurso acadêmico e profissional, desde os tempos de estudante no Liceu Artístico de Milão e a Universidade de Veneza, em meados da década de 60, até os dias de hoje e, por que não dizer, de amanhã. Sim, pois o canteiro de obras de Mario Botta, dentro e fora da mente, está sempre em atividade.
O jovem de Mendrísio (sul da Suíça) já tinha as ideias bem claras aos 15 anos quando descobriu que a construção “tinha alguma coisa de mágico”. O aprendiz de desenhista e projetista abraçaria a geometria do compasso e o panorama da janela e, em 1962, realizaria a primeira obra: a casa da paróquia de Genestreio. Não parou mais.
A trajetória de Mario Botta seria marcada pela convivência e estudo de grandes nomes da arquitetura da época. Ele cita, por exemplo, Louis I Kahan (1901-1974), chamado de “messiânico, autor do conceito de passado como um amigo, que indagava a memória como uma defesa contra a padronização internacional provocada pela revolução eletrônica e pela sociedade de consumo”, escreveria Botta.
Além dele, o arquiteto cita ainda, entre outros, Carlo Scarpa (1906-1978), seu professor e relator da tese de formatura em Veneza – junto com o histórico de Arte, Giuseppe Mazzariol – e Le Corbusier, com quem estagiou por três meses em duas ocasiões, uma em Veneza e outra em Paris. “ Ele tinha a capacidade de interpretar e criar nas transformações em curso novas propostas, capazes de ver o futuro para modelá-lo em uma nova beleza do espaço de vida”, reverenciaria Mario Botta.
Ele segue ainda homenageando o amigo e arquiteto suíço, Max Frisch (1911-1991), “crítico de um processo tecnológico que fechava o País na sua própria fronteira”, afirmaria ele, preocupado com a transformação dos “muros de defesa em muros de prisão”. Ambos, cada um ao seu modo, demonstram fidelidade às origens do Movimento Modernista, tido como contraponto robusto à fragilidade dos modelos propostos pela homogeneização urbanística mundial em andamento, típica de uma arquitetura do “não lugar”, ou seja, qualquer lugar, sem identidade.
Mario Botta também se declara profundamente ligado ao estilo românico, carregado de “essência nos volumes, de relação com o contexto natural, com capacidade de responder às culturas locais e, ao mesmo tempo, afirmar-se como linguagem europeia”, numa globalização à antiga, por assim dizer. A valorização local inserida com personalidade num âmbito universal é um ponto cardeal nas suas criações.
Influências culturais e profissionais
Não demoraria para o então recém-formado arquiteto dar os primeiros passos impregnado pela curiosidade que vai de exemplos da literatura como a do suíço e amigo Friedrich Dürrenmat, também pintor e o colombiano Gabriel García Márquez, ao teatro de Giorgio Strehler, da escultura de Alberto Giacometti à fotografia de Robert Frank, do cinema de Pier Paolo Pasolini às pintura de Pablo Picasso, Mondrian, Paul Klee, Henry Moore, Nick di Saint Phalle, Varlin- sem falar de Giotto e Piero della Francesca. A lista é longa e não termina aqui.
Não por acaso, uma das 14 seções mais instigantes e intrigantes da exposição “Botta, arquitetura 1960-2010” é aquela dedicada aos “Encontros”, ou seja, a interpretação e a revelação de pensamentos e impressões próprias a partir de amizades e admirações por artistas e seus legados que modelaram a alma do homem e do arquiteto Mario Botta. Incluindo correspondências pessoais entre o arquiteto e o intelectual e artista alemão Rudolf Arnheim, explorador de teorias da arquitetura e que viu em trabalhos de Mario Botta a realização das mesmas.
O arquiteto suíço cresceu num mundo sem internet, sem computador e quando a televisão engatinhava e começava a ocupar o lugar do rádio como veículo de comunicação. Ao jovem aprendiz de desenho e projeto – estágio com a arquiteta suíça Tita Carloni, entre 1959-61 -, sobravam a observação no campo e a leitura de revistas e livros, além dos cinejornais e das viagens como fontes de informações visuais.
Perto da sua moradia, em Lugano (sul), eis a casa Balmelli Rovio (1956), obra de Tita Carloni, que surge para Mario Botta como “uma obra arquitetônica que evidenciava o confronto entre as geometrias e os perfis territoriais que me ofereciam uma inédita beleza que eu interpretei como um possível novo modo de habitação”, escreveria ele sobre a casa.
Depois tem a Capella Roveredo, no cantão dos Grisões (leste), a cadeira “Red and Blue” (1918), vista numa revista holandesa no fim dos anos 50, e que abriria o mundo de Gerrit Thomas Rietveld (1988-1964), que o emocionou: “sua simplicidade me fulminou como a sua carga de expressão”, anotaria o jovem Botta que , em seu ateliê, a reproduziria com fidelidade.
É deste período a casa construída sobre uma cascata na Pennsylvania pelo arquiteto Frank Lloyd Wright (1867-1959) e o novo museu Guggenheim, em Nova York, do mesmo autor. Em ambos os casos, Mario Botta absorveria a nova arquitetura americana através da “intensidade da relação entre a obra feita e o contexto ao redor que serve de testemunha entre o equilíbrio entre o cidadão e a sociedade”, registraria o arquiteto suíço.
Pluralidade
Assim, ele construía as fundações sobre as quais ergueria uma obra depois da outra, das casas unifamiliares aos locais de culto, bancos, escolas, edifícios de escritórios, museus e bibliotecas e, como última fronteira, as cantinas de vinho. Estas são vistas como um exercício e um retorno “ de uma relação entre o território modelado e cultivado com os vinhedos e os traços e as imagens do trabalho do homem ligados às raízes da terra-mãe”, assinala Mario Botta.
As obras do arquiteto estão espalhadas na Índia, nos Estados Unidos, na Bolívia, no Japão, na Coréia do Sul, na Itália, em Israel, na Alemanha, onde Mario Botta construiu pela primeira no estrangeiro: a sede do Banco Estatal, em Friburg, inaugurado em 1982, com projeto iniciado em 1977. O ano marcaria ainda a abertura do canteiro de obras de um teatro e centro cultural na França, o “ André Malraux”, em Chambéry, (1982-1987). Ambos os projetos marcariam a entrada do arquiteto suíço no cenário internacional, através da vitória em concursos e licitações públicas.
A exposição traz ainda os trabalhos de design de Mario Botta. De copos, cadeiras e mesas, a tapetes e lâmpadas, até chegar aos relógios, naturalmente. Segundo ele, longe de interpretar a banalidade dos objetos de rotina, o objetivo é “atrair a atenção para a esperança e as intuições que outros homens e outras culturas manifestaram com o tempo”. Ele se move dentro de um círculo permeável ao externo, ao novo, aberto como o seu caráter extrovertido, mas, ao mesmo tempo, fielmente ancorado no princípio de valorização da memória, presente em todas as suas obras.
E com a “arquitetura em escala menor”, cunhada por Mario Botta, desenha-se o salto em cena aberta. A intimidade com o mundo da cultura o levou, entre os anos de 1992 a 2009, a projetar panfletos e cenografias para diferentes espetáculos teatrais e líricos, dramas, comédias, de “Quebra-Nozes” ao “O Babeiro de Sevilha”, incluindo “Medea” Mario Botta aborda variados estilos com a mesma desenvoltura com que realiza as obras arquitetônicas, que funcionam à perfeição no palco.
Profissão de fé
O sucesso de Mario Botta em todos os campos da arquitetura é valorizado também pelas dificuldades e, até mesmo algumas derrotas, ao longo da carreira. Ele trouxe para a mostra cerca de 80 ítens do seu arquivo pessoal, todos realizados. Para o arquiteto interessa apenas a concretização dos projetos. E uma boa parte deles é dedicada aos templos religiosos, às rezas, ao silêncio, à meditação.
Da primeira obra, a sua estreia como aprendiz de arquiteto, na casa na paróquia de Genestrerio, até a igreja de Santa Maria Nuova, em Terranuova Baracciolini, em construção, a inspiração e, certamente, a transpiração e o talento, sempre alinharam as ideias e as realizações em nome do sagrado. Igrejas, capelas, catedrais e sinagogas nascem das pranchetas de Mario Botta como pontes entre as mãos e a alma do homem, entre o trabalho e o espírito, entre o profano e o sagrado.
“Dois mil anos de lentas e contínuas transformações comportam um confronto obrigatório com a ruptura e o redimensionamento ético-estético que a vanguarda do século XX atuou junto a cada forma de expressão”, escreve Mario Botta.
E dentro de uma igreja, talvez, esteja contida a expressão maior da transformação de ações individuais em obras coletivas, que, segundo Botta, representa a mudança permanente das obras de arquitetura, tendo como agente ativo e intérprete legítimo desse processo o arquiteto.
Mesmo assim, sendo considerado um arquiteto de grande prestígio, respeitando ao máximo a integridade da paisagem e as raízes culturais e religiosas, em algumas ocasiões, Mario Botta viu-se em meio a grandes polêmicas. No caso da reforma do teatro La Scala, em Milão, com a introdução de duas estruturas modernas, um cilindro e um cubo, adjacentes ao corpo principal em estilo neoclássico, suscitou um debate intenso na sociedade. Ele resistiu heroicamente e deu certo.
Já no caso da chamada “torre Botta”, o arquiteto não conseguiu erguer no território de Celerina, em Engadina (sudeste), o único tipo de construção que falta no seu cartel suíço: um arranha-céu. Um plebiscito popular foi contrário à obra. Faz parte. Milagres nem sempre existem, mesmo para um criador de igrejas.
Mario Botta nasceu em 1 de abril de 1943, em Mendrisio, no cantão Ticino (sul).
O arquiteto projeta, sem retribuição, a igreja de San Giovanni Battista, destruída por uma avalanche, em 1986, em Mogno, Valle Maggia.
Em 1970, Mario Botta abre um escritório profissional, em Lugano.
Nesta mesma época começa a pesquisar, a dar conferências e se dedicar a atividades didáticas.
O ensino e o contato com o jovem o levam a fundar a Academia de Arquitetura de Mendrisio, no final da década de 1990.
Entre os anos de 1982 e 87, Mario Botta fez parte da Comissão Federal Suíça das Belas Artes
Em 1995 ele recebeu o Prêmio Europeu para a Cultura.
Em 1996, o arquiteto ganhou o Merit Award for Excellence in Design by AIA, pelo projeto do Museu de Arte Moderna de São Francisco.
Em 1999, Mario Botta foi condecorado com a Legião de Honra, na França.
A matéria-prima mais usada pelo arquiteto é o “laterizio”- espécie de tijolo usado pelos romanos antigos -, pela capacidade de flexibilidade, solidez e expressividade.
A mostra no Mart vai até o dia 23 de janeiro de 2011. Ela também vai ser exposta no Centre Dürrenmatt de Neuchâtel, entre 1° de abril e 1° de agosto de 2011.
Rovereto
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