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“Não há limites à restituição”

Sitzende Kolonisatoren blicken in die Kamera
Soldados britânicos posam com obras saqueadas no palácio do Reino de Benin. PD/CC

Um estudo recém-publicado mostra que muitos museus na Suíça tinham obras roubadas do Benin nos seus acervos. Hoje já discutem sobre a sua restituição.

No Rieterpark, no Lago de Zurique, “o esplendor do século 19 ainda hoje está presente, propaga entusiasmado a Secretaria de Turismo de Zurique. As faias centenárias crescem aqui, e é possível contemplá-las até os Alpes. Em meio a tudo isso está o Museu Rietberg, que exibe tesouros de arte de todo o mundo.

Mas agora há alguém lá, que reivindica algo de volta do século 19: Abba Tijani. O diretor geral da Autoridade Nacional de Museus e Monumentos da Nigéria está na Suíça, por causa dos bronzes beninenses.

Ele faz parte de uma delegação nigeriana que quer discutir o futuro dos bronzes beninenses em exposição na Suíça, com um grupo de museus suíços – a chamada Iniciativa Benin Suíça.  “Queremos dar aos museus a oportunidade de devolver estas obras de arte a seus legítimos proprietários, e exibi-las legalmente – fazer a coisa certa.”

Símbolos centrais

Os bronzes beninenses se tornaram um símbolo central do debate sobre como lidar com os bens culturais da África. E não apenas porque muitos deles são, sem dúvida, arte saqueada: em 28 de fevereiro de 1897, 1.200 soldados britânicos invadiram a cidade de Benin em uma chamada “expedição punitiva”, incendiaram tudo, e subjugaram o reino ao Império Britânico.

Eles saquearam tudo o que encontraram de valor: os soldados levaram milhares de esculturas, placas memoriais, e também esculturas de marfim. Hoje, esses objetos são conhecidos sob o termo genérico de “bronzes de Benin”.

Königinmutter-Anhängermaske - Iyoba;  Ikone des Kampfes für die Restitution.
Máscara representando a rainha Iyoba, um ícone da luta pela restituição dos bronzes beninenses desde a década de 1870. CC0 1.0 Universal

O saque dos bronzes beninenses mostra claramente a violência simbólica do colonialismo. Os bronzes eram de grande importância para o reino de Benin: “Toda vez que um novo Oba – como é chamado o rei de Benin – era coroado, ele mandava fazer um novo (bronze). Isto era um símbolo de poder. Os objetos eram usados para documentar a história do reino”, explica Abba Tijani. Uma razão adicional pela qual os bronzes beninenses se tornaram tão icônicos para o debate sobre a restituição: com seu saque, história foi roubada.

De volta do front, estas esculturas logo seguiam seu caminho para o mercado de arte na Inglaterra, e de lá para colecionadoras e colecionadores e museus na Suíça. Objetos de tais “expedições punitivas” eram, antes, considerados especialmente autênticos.

Hoje, está claro: dos 96 bronzes de Benin em exposição na Suíça, 21 são certificados como provenientes de saque e 32 foram presumivelmente saqueados – ou seja, provavelmente mais da metade. Esta é a conclusão de um relatório da Iniciativa Benin Suíça, que foi preparado em cooperação com historiadoras, historiadores, curadoras e curadores da Nigéria.

Em uma declaração conjunta, foi firmado que eles estão abertos a transferir a propriedade de volta para o país, no que diz respeito aos objetos presumíveis ou certificadamente saqueados.

Iniciativa Benin Suíça

Atualmente, os museus suíços também possuem cerca de 100 objetos que se presume terem vindo do Reino do Benin. Embora ainda não haja exigências de restituição, oito museus suíços uniram forças, em um intercâmbio com pesquisadoras, pesquisadores e instituições nigerianas – a Iniciativa Benin-SuíçaLink externo – para investigar mais de perto a origem de suas coleções do Reino do Benin, na Nigéria.

Tijani aprecia muito a iniciativa “porque os museus da Iniciativa Benin Suíça abordaram a questão da repatriação antes mesmo de solicitarmos deles.”

O relatório, entretanto, é apenas o início de um processo no qual outros países já estão mais adiantados: a Alemanha concordou em devolver 1.300 bronzes em 2021, e em 2022 instituições inglesas e americanas assinaram a devolução do direito de propriedade à Nigéria. Lá, uma exposição está agora planejada, em colaboração com o Smithsonian de Washington D.C., que já devolveu vários bronzes.

O alto valor simbólico dos objetos é demonstrado pelo fato de que seu retorno já está sendo comparado com a queda do Muro de Berlim. Abba Tijani não pensa muito em tais comparações. “A repatriação do patrimônio cultural da África merece muita atenção. Mas você não pode necessariamente comparar isto com nada mais, é um processo único. Algo que nunca se esperava que acontecesse.”

Grand Durbar, Kaduna anlässlich des Schwarzafrikanischen Festivals für Kunst und Kultur
Festival de Artes e Cultura Negra Africana em 1977, Nigéria. A máscara roubada da Rainha Madre Iyoba é homenageada. CC 2.0

O saque cultural no cinema

Na verdade, levou uma eternidade desde as primeiras solicitações até a reação atual: a Nigéria exigiu pela primeira vez objetos de volta da Grã-Bretanha já na década de 1930. Outros pedidos, nas décadas de 1950 e 1960, não foram ouvidos – embora o problema da arte colonial saqueada já estivesse sendo discutido internacionalmente nos anos 1960.

Nos anos 1970, foi solicitado ao Museu Britânico o empréstimo da máscara de marfim da Rainha Madre Idia, para o festival cultural Festac77. Mesmo isto foi, por motivos curatoriais, recusado. A partir de então, a máscara tornou-se um ícone da – fracassada – exigência de restituição.

Em 2021, o diretor de Nollywood Lancelot Oduwa Imasuen, caracterizou um herói de ação nigeriano, que roubou a herança de suas antepassadas e seus antepassados do Museu Britânico.

Conteúdo externo

Quando preso pelos guardas, com as mãos cheias de esculturas, ele grita: “Soltem-me!!! Isto pertence a mim!” O cenário cinematográfico mostra como deve parecer bizarra a recusa de devolvê-los à Nigéria.  

Sem limites

O esvanecimento desta recusa tem muito a ver com Emanuel Macron, que em 2017 anunciou – em uma visita de Estado a Ouagadougou, Burkina Faso – que a França estava pronta para devolver bens culturais africanos, e encomendou um relatório central para discutir a questão da restituição. Mas, movimentos como “Rodes deve cair” e “Black lives Matter”, assim como várias iniciativas menores, também contribuíram, diz Tijani:

Rhodes Must Fall protest
Movimentos como “Rhodes deve cair” chamaram a atenção internacional para a injustiça cometida contra pessoas de cor. Reuters / Mike Hutchings

“A crescente atenção internacional à privação dos direitos das pessoas negras também contribuiu para o fato de que finalmente chegou a hora.” Assim, ele escreveu cartas a vários museus pedindo-lhes que abordassem a questão da restituição.

swissinfo.ch: Qual tem sido a reação? Você ainda encontra resistência hoje?

Abba Tijani: Não, encontramos pouca resistência. Mesmo as proprietárias e proprietários privados que têm obras emprestadas em museus concordam em grande parte, e acham que esta é a coisa certa a fazer. Somente o Museu Britânico ainda está bloqueando.

swissinfo.ch: O que acontece no caso de restituição? Como distinguir entre o que é devolvido e o que pode permanecer emprestado?

A.T.: Estes objetos foram roubados ilegalmente, e é por isso que eles deveriam pertencer 100% à Nigéria. Mas algumas de nossas obras de arte ainda devem ser expostas, também para que os museus possam contar a história do saque e da restituição. Isto deve se tornar parte da história destes objetos. Nós decidimos o que será emprestado e o que será repatriado, em diálogo com os museus. Estamos preparados para levar em consideração os conceitos das exposições.

Generaldirektor der Na­tio­nalen Museums- und Denkmalbehörde von Nigeria
Abba Tijani, diretor-geral do Instituto de Museus e Monumentos da Nigéria. Keystone / Oliver Berg

swissinfo.ch: Os objetos serão exibidos de maneira diferente na Nigéria?

A.T.: Na Europa, os bronzes são frequentemente exibidos como meras obras de arte, embora tivessem claras funções rituais. Exporemos os objetos como parte de um santuário, por exemplo, juntamente com vídeos, mostrando as cerimônias em que eles são utilizados.

swissinfo.ch: Será possível devolver os objetos à sua função ritual, após seu retorno?

A.T.: Por questões de segurança, provavelmente eles não poderão sair do museu planejado – como em Museus Vivos – onde os objetos também podem ser emprestados para rituais. Mas planejamos criar espaços onde as pessoas que têm uma relação especial com os objetos possam se retirar para contemplá-los. Lá eles podem apreciá-los tranquilamente, e até usá-los para rituais. Para nós, também é importante trabalhar com artistas contemporâneos.

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swissinfo.ch: No caso dos bronzes beninenses, fica claro que eles são arte saqueada. Como muitos outros objetos que foram trazidos para a Europa durante o colonialismo, as circunstâncias são indefinidas. Que reivindicações ainda estão pendentes?

A.T.: O saque dos bronzes beninenses é amplamente reconhecido e bem documentado. É por isso que estes estão na vanguarda do debate sobre a repatriação. Mas há tantos outros objetos que foram roubados, levados à força, e também que foram comprados em condições injustas. Estes últimos, por exemplo, porque as vendedoras e vendedores estavam completamente empobrecidos. Temos que investigar ainda mais estas histórias no futuro. Não há limite para definir quais objetos podem ser repatriados, e quais não.

Adaptação: Flávia C. Nepomuceno dos Santos

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