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“O cinismo é uma característica da minha obra”

"Starry Night", uma das obras de Vik Munik na série "Verso", exposta em St. Moritz. Jenkins & Co. Gallery, NY

Durante dez dias a mundana estação de inverno de St. Moritz ser transforma em galeria de arte à céu aberto. O evento, aberto em 24 de agosto, reúne artistas conhecidos internacionalmente, galeristas e amantes da arte.

Em 2012, A St. Moritz Art Masters teve o Brasil como tema central. Um dos grandes expoentes era Vik Muniz. Em entrevista exclusiva à swissinfo.ch, o artista plástico conhecido internacionalmente fala sobre as influências no seu trabalho e o valor da arte.

Vik Muniz é um dos artistas brasileiros mais conhecidos no exterior. Suas obras, dentre elas fotos pintadas das lembranças, retratos realizados com produtos perecíveis como chocolate ou montagem de lixo reciclado, podem ser encontradas em importantes acervos, como da Tate Modern e do Victoria & Albert Museum, ambos em Londres.

Em 2012, o evento St. Moritz Art Masters chega a sua 5° edição e tem o Brasil como tema central. Oito artistas brasileiros, dos quais se inclui Muniz, apresentam de 24 de agosto a 2 de setembro no vilarejo alpino obras e instalações em espaços diversos como igrejas, galerias, praças públicas ou garagens subterrâneas.  A entrada é gratuita para os visitantes e turistas na região.

O paulistano com residência no Rio de Janeiro e Nova Iorque fala sobre a importância da arte brasileira e também sobre trabalhos mais recentes como o realizado com a população de um grande depósito de lixo no Rio de Janeiro. Deste foi realizado um documentário, premiado em vários festivais internacionais.

swissinfo.ch: No evento St. Moritz Art Masters muitos galeristas falam de uma arte “brasileira”. Para você, como artista renomado no exterior, o que significa essa conceituação? 

Vik Muniz: Acho difícil falar que existe uma arte brasileira. É como dizer que a banana vem de Honduras. Com a globalização, o que aconteceu principalmente nos anos 1990 é que se criou um mercado internacional e que até virou instituição nas escolas de artes. Houve um aumento do número de feiras e bienais. E isso forçou quase um consenso do que seria uma arte internacional. Você pode ver que a produção brasileira hoje em dia está extremamente voltada para um mercado global. Tanto que o Brasil é um dos países que, mesmo tendo um governo que não dá a mesma atenção para as artes plásticas como os países europeus e onde não existem programas para as artes plásticas, tem muitos artistas importantes no exterior. E não necessariamente eles estão fazendo arte que reflete uma identidade brasileira.

swissinfo.ch: Durante a palestra em St. Moritz você ressaltou bastante a importância das experiências de infância na realização do seu trabalho… 

V.M.: Eu sou um artista internacional. Mas a minha ótica, a maneira como aprendi a ver o mundo, é completamente influenciada pela minha criação no Brasil. Vou te dar um exemplo: hoje tenho cinquenta anos e na época da ditadura ainda era um adolescente. Isso permeou muito a minha percepção das coisas. Na ditadura era um momento em que a gente não podia dizer o que queria e não podia confiar naquilo que era dito. Isso cria ao mesmo tempo um conceito de elasticidade metafórica muito grande: você entende que para dizer as coisas tem dizê-la de diversas maneiras. Veja as canções do Chico Buarque! A música provou muito isso. E você também começa a ficar muito cínico em relação à informação oficial. O meu cinismo em relação à informação, a maneira como questiono todas essas coisas, junto com essa abertura que tenho para tudo, são características fundamentais da minha produção e que vem diretamente da minha criação no Brasil. Mas não tento ilustrar nenhuma brasilidade no meu trabalho, apesar de trabalhar com imagens essencialmente brasileiras…

swissinfo.ch: Mas no documentário “Lixo Extraordinário”, sobre seu trabalho artístico com catadores de lixo em Duque de Caxias, você não estaria abordando também problemas sociais brasileiros? 

V.M.: Aquilo podia ter acontecido no Brasil como na Índia, México, Rússia ou qualquer lugar onde esse tipo de ambiente é possível. O fato de aquilo ter ocorrido no Brasil me permitiu transcender um pouco alguns aspectos muito superficiais, de olhar o lixão como lixão, e penetrar um pouco mais na parte mais sensível do assunto, que é falar da sensibilidade da arte. Aquilo é um problema mundial…

swissinfo.ch: Seria correto comparar você com o Sebastião Salgado? 

V.M.: O Sebastião Salgado também transcende a função de documentarista. Tem muita arte naquilo que faz, pois ele é um grande fotógrafo e esteta. No meu caso, eu queria uma relação menos de ilustração com o problema ou de denúncia. O lixão era um lugar onde as pessoas viviam do lixo, do material reciclado, e o que tentei ilustrar era a possibilidade de mostrar uma dinâmica sensual de riqueza humana através da arte, independente do contexto social e econômico. Qualquer pessoa, mesmo se nunca visitou um museu, se nunca pegou um lápis para desenhar coisa nenhuma, é suscetível ao efeito que a arte pode trazer. O filme é uma espécie de ode ao poder da arte na vida de qualquer um. Para mim isso foi muito importante.

swissinfo.ch: Porém estamos aqui em St. Moritz, um lugar mundano repleto de milionários e colecionadores de arte. Será que essas pessoas compartilham a sua visão intrínseca da arte ou estão apenas investindo ao comprar um dos seus trabalhos? 

V.M.: Acho que se fosse só pelo lado do dinheiro ninguém compraria arte. É lógico que isso cria vantagens, mas justamente para quem acredita. Grandes colecionadores também são grandes amantes, pessoas que se interessam e estudam o assunto, pois senão você não consegue ganhar dinheiro com isso. É difícil imaginar um colecionador que só vê na arte o investimento. Principalmente aqui na Suíça, onde está concentrado um grande número de colecionadores importantes, um lugar notório de colecionismo e essa coisa independente da relação com a arte, as pessoas são muito cultas e aprofundadas. O Brasil está começando a se formar uma classe de colecionador com esse nível. É algo recente. Eles não vão comprar por moda ou porque o galerista falou que é bom. Eles vão se interessar, estudar, tentar entender, contatar o artista e ler os livros. E daí eles vão querer ter uma obra em casa. No momento em que você acha que aquilo é bom, torna-se um investimento pessoal que se torna também um prazer. Mas é preciso acreditar. E se conseguir provar para todas da importância dessa obra, ela também se torna importante do ponto de vista monetário. A arte importante sempre vai ter seu valor de mercado.

swissinfo.ch: Mas o que dá o valor a uma obra?

V.M.: As pessoas falam que a arte é cara. A arte é cara, pois a arte é para todo mundo. Os museus e as galerias mostram arte de graça. Mas para tê-la em casa custa dinheiro, já que justamente aquilo tem de ter um valor, mesmo que por vezes artificial, para que aquilo encoraje as pessoas a guardar, cuidar e transmitir para as gerações futuras. Essa herança material depende de uma valorização material. Mas concordo que hoje em dia o valor de uma obra de arte está muito mais sujeito a manobras de marketing.

swissinfo.ch: Em meio à crise do euro muitos analistas consideram que o investimento na arte é uma forma de assegurar o patrimônio. 

V.M.: Com todos esses movimentos econômicos dos últimos seis anos, a arte ainda mantém um aspecto muito alto em termos de investimento. Você vê que a crise atual surgiu do mercado imobiliário, de valores tangíveis como imóveis, que era o que as pessoas mais confiavam. Mas por falta de opção, alguns começaram a investir em arte, pois o retorno é incrível. Afinal, trata-se do maior mercado ainda sem nenhum tipo de regulação.

De 24 de agosto a 2 de setembro, o evento organizado no vilarejo alpino na sua 5° edição apresenta aproximadamente 200 trabalhos de 35 artistas internacionais convidados em diversos espaços na região como galerias, bancos, garagens subterrâneas, praças públicas ou escolas.

Em 2012 a arte brasileira é o tema principal. Os artistas presentes são Adriana Varejão, Vik Muniz, Carlito Carvalhosa, Paulo Sérgio Niemeyer, Thiago Rocha Pitta, Roberto Cabot, Saint Claire Cemin e Pedro Wirz.

Como parte da homenagem a Oscar Niemeyer, pela primeira vez foi aberta à visitação para convidados a única casa projetada pelo arquiteto na Suíça, às margens do lago de St. Moritz. Ao mesmo tempo, seu bisneto, o também arquiteto Paulo Sérgio Niemeyer, apresenta uma cadeira desenhada por ele e fala também sobre projetos urbanísticos no Rio de Janeiro.

Vik Muniz nasceu em 1961, em São Paulo. Iniciou sua carreira nos anos 70 e mudou-se para Nova York em 1983, mas foi em 1995 que ganhou reconhecimento.

Neste ano conseguiu emplacar seu trabalho em duas galerias pequenas com a série Crianças de Açúcar, trabalho em que fotografou imagens de crianças formadas por açúcar.

Seu talento foi reconhecido por Charles Haggan, crítico de artes do New York Times. Com uma resenha no jornal americano teve seu passaporte para o Metropolitan Museum of Art e o Guggenheim.

O Museu de Arte Moderna (MoMA) logo o escalou para a exposição “New Photography”, a grande porta para o mundo nova-iorquino da fotografia.

Entre suas obras de maior destaque estão as duas réplicas detalhadas da Mona Lisa de Leonardo da Vinci: uma feita com geleia e outra com manteiga de amendoim.

Também trabalhou com fios, arame, caviar e xarope de chocolate, com o qual produziu uma recriação da Última Ceia de Leonardo da Vinci.

Reinterpretou várias obras de Monet, incluindo pinturas da Catedral de Rouen, que Muniz produziu com pequenas porções de pigmento borrifadas sobre uma superfície plana. Mais recentemente, tem criado obras em maior escala, tais como imagens esculpidas na terra ou feitas de enormes pilhas de lixo.

Com obras em galerias de São Francisco, Madri, Paris, Moscou e Tóquio, além de museus como Tate Modern e o Victoria & Albert Museum, de Londres, o Getty Institute, de Los Angeles, e o MAM, de São Paulo, Vik Muniz se consagrou como um artista plástico brasileiro conhecido no mundo inteiro. (Fonte: soulbrasileiro.com.br)

Em 30 de janeiro de 2010, o documentário “Lixo Extraordinário” sobre o trabalho de Vik Muniz com catadores de lixo em Duque de Caxias foi premiado no Festival de Sundance. No Festival de Berlim em 2010, foi premiado em duas categorias, o da Anistia Internacional e o público na mostra Panorama.

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