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O embaixador da arte verde-amarela na Suíça

Ao longo de mais de uma década, o arquiteto alemão experimentou estreito contato com a cultura brasileira, forjando relacionamentos com importantes personalidades do mundo da arte verde-amarela. Copyright by the author www.dominiklabhardt.ch

O alemão Daniel Faust já organizou quase 60 exposições e 200 eventos na Basileia desde 2003. Nesses 14 anos, ele aprendeu que ser um curador é ter o privilégio de propor diálogos à sociedade.

“É ô mêu xeitinho”, diz com sotaque Daniel Faust. O diretor da Fundação Brasileia explica que essa é a razão pela qual recebeu a mais alta honraria concedida pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil, o Prêmio Itamaraty de Diplomacia Cultural. Arquiteto por formação, Faust declara-se apaixonado pela arte brasileira e diz ter encontrado a vocação da sua vida no trabalho de promoção cultural que exerce à frente do instituto sediado em Basileia. Quem escuta o curador falando fluentemente a língua portuguesa logo se convence desse carinho pelo Brasil.

Tudo começou em 2003, quando um prédio nas docas do Reno foi transformado em museu para abrigar a coleção de arte deixada por Walter Wüthrich. Wüthrich era um suíço de Basileia, que imigrou para o Brasil na época da Segunda Guerra. Comerciante diligente, ele prosperou na nova terra, acumulando uma coleção de arte expressiva, com muitos exemplares do artista austro-brasileiro Franz Widmar. No leito de morte do pintor, o empresário Wüthrich prometeu ao artista que honraria seu talento montando uma exposição permanente do acervo. O empreendedor suíço faleceu em 2002, mas o legado foi honrado por meio da fundação Brasilea -trocadilho de Brasil com Basileia- que surgiu no ano seguinte.

Daniel Faust não chegou a conhecer Wüthrich, mas esteve junto à instituição Brasilea desde o princípio. Foi Faust quem coordenou as obras, que deram vida nova à antiga oficina náutica onde a coleção reside atualmente. “Eu comecei como arquiteto responsável”, recorda. “Durante todos os encontros dos conselheiros eu estava presente escutando. Em algum ponto eu comecei a escrever propostas de ação para o instituto, porque sempre tive interesse em arte, design, cultura, viagens, migração, outras nacionalidades e países”, conta.

Desde 2003, Faust já organizou quase 60 exposições e 200 eventos. Nesses 14 anos, ele aprendeu que ser um curador é ter o privilégio de propor diálogos à sociedade. “Eu descobri esse poder de apresentar, de mostrar os temas, de dar o foco a um debate”, avalia. E é o filtro do poderoso olhar de Faust e a habilidade de fazer amigos, ou melhor “o xeitinho”, que fizeram dele merecedor do prêmio, acredita.

Faust viajou muito, desde cedo, e sempre teve um contato intenso com a latinidade. Em 1985, aos dez anos, foi ao Brasil pela primeira vez. “Amo essa flexibilidade que você só vê no mundo dos latinos. Eles são muito mais liberais. Eles sabem viver, sabem festejar, valorizam a família”, elogia. “Aqui é tudo de concreto, lá é de madeira, de bambu, muito mais flexível”, explicou numa metáfora arquitetônica.

Amigos na arte

Ao longo de mais de uma década, o arquiteto experimentou estreito contato com a cultura brasileira, forjando relacionamentos com importantes personalidades do mundo da arte verde-amarela. É comum para ele hospedar em sua casa artistas de passagem por Basileia e igualmente ser ciceroneado por eles durante as viagens ao Brasil.

Propor debates delicados sem ofender faz parte do desafio do diretor, algo que “só funciona com a arte”, filosofa.  

É fazendo uso do poder de curador que ele propõe reflexões desconcertantes. Atualmente em cartaz, a exposição “O Estrangeiro”, de Arjan Martins, é um exemplo da discussão franca e mesmerizadora proposta por Faust.

As imagens de Martins costuram referências históricas e atuais relacionadas a imigração, colonialismo, estigma, solidariedade e rejeição. “Essa exposição não poderia acontecer em um melhor momento do que agora”, diz Faust com entusiasmo.    

As telas são resultado do trabalho intensivo do pintor na Suíça. Martins executou as peças no ateliê que estabelecu a convite de Faust no piso térreo da fundação.

O artista conta que viveu um “silêncio necessário” para construir as composições que o levaram à montagem de “O Estrangeiro”. A preocupação dele foi propor questionamentos profundos, cuidando muito para não ser “pueril”. “A arte é muito mais do que só entretenimento”, resume.

Arjan Martins também é mais uma amizade cultivada por Faust. Juntos, o artista, o diretor, sua esposa e filhas viajaram pela Floresta Negra e arredores de Basileia. “Ele é da nossa família agora”, brinca Faust.

“Lá em casa temos uma parede com um grafiti do Zezão. Ele pintou quando ficou com a gente”, conta com orgulho. Os abstratos curvilíneos do grafiteiro paulista conquistaram apreciação pública nos anos 90 e foram tema de uma exposição da Fundação Brasilea em 2013, que incluiu ousadas intervenções.

Se certamente é um privilégio ter um grafite exclusivo, que dirá ter a oportunidade de conviver com espíritos criativos excepcionais. Um episódio que Faust recorda com carinho foi a longa caminhada que fez pelas montanhas em companhia do pintor, fotógrafo e poeta Alex Flemming. “Ele queria uma Edelweiss e nós fomos atrás de uma”. A flor branca e nobre, típica dos Alpes, não é facilmente encontrada. “Demoramos várias horas, mas achamos”, recorda Faust. “Eu deixei meu casaco de montanhismo pra ele como presente de recordação”.

Foi justamente Flemming que Faust conheceu de forma inesperada durante uma viagem ao Brasil. O arquiteto estava em Brasília apreciando o acervo particular de um grande colecionador, quando reconheceu sobre uma porta um quadro e elogiou a obra ao proprietário. Prontamente o colecionador pegou o telefone e colocou Faust em contato com o artista. Um encontro que se seguiu no Rio deu origem à exposição que ocorreu em Basileia em 2012.

O talento de Faust reside nessa peculiaridade de interações, onde ele constrói pontes entre novos e consagrados artistas; entre a latinidade e a germanidade, entre o descontraído e o oficial, entre o bambu e o concreto. “Não existe apenas uma verdade”, resume ele.

Amigos na diplomacia

“Temos uma amizade sincera e reconhecemos especialmente a dedicação, o trabalho e o entusiasmo dele na promoção da arte brasileira”, reconheceu o embaixador José Borges dos Santos Júnior, autoridade que entregou a Faust a distinção no evento de premiação em maio. “O tesouro verdadeiro dele é o amor pelas pessoas”, elogiou no discurso o presidente da fundação, Dr.Thomas Bürgi.

Foi Santos Júnior quem avisou a Faust por telefone que ele havia sido escolhido para receber a distinção. “Quando ele me ligou eu fiquei muito agradecido, mas não fazia ideia de que era um reconhecimento tão importante”, recorda Faust.

Foi somente algumas semanas depois, quando estava em uma reunião na embaixada brasileira em Roma, que Faust percebeu o peso da honraria. “Os diplomatas veteranos estavam todos me parabenizando e então eu entendi que era algo muito importante”. Entre os agraciados pelo Prêmio Itamaraty de Diplomacia Cultural estão personalidades de impacto, como o fotógrafo Sebastião Salgado.

“Brasilea: Brasil e Basileia. É um nome maravilhoso, para um projeto maravilhoso” aludiu Faust no seu agradecimento público. A julgar pelos trocadilhos, ele é mesmo a pessoa certa para conduzir a instituição: “Faust” quer dizer punho, a mão fechada como símbolo de força, em alemão. E “ele tem a energia necessária” para tocar uma instituição que é um coração “metade brasileiro, metade suíço”, resumiu o presidente Bürgi em seu discurso.


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