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Cinema: Favela de Lisboa é o palco de jovem obra-prima suíça

Jovem casal em uma motocicleta
Michael Spencer (Spira) e Iara Cardoso ainda ousam sonhar e resistir, mesmo confinados na dura realidade do bairro da Reboleira: drogas, gravidez adolescente, guerras de gangues e especuladores imobiliários. Thera Production

Filmado no bairro periférico da Reboleira em Lisboa, com um elenco não profissional, o segundo longa de Basil da Cunha, O Fim do Mundo, é um exemplo marcante de uma mudança geracional no cinema suíço, uma injeção de vitalidade trazida por cineastas de origem imigrante. Após uma série de atrasos devido à pandemia do coronavírus, o filme estreou na Suíça de língua alemã.

O Fim do Mundo foi a única produção suíça incluída na competição principal do Festival de Cinema de Locarno do ano passado. Suas referências mais óbvias são Do the Right thing, de Spike Lee (EUA, 1989), Boyz in the Hood de John Singleton’ (EUA 1991), ou La Haine, de Mathieu Kassovitz (França, 1995): filmes centrados na falta de perspectivas dos jovens encalhados na periferia da sociedade, procurando uma saída. 

O aspecto suíço do filme está todo atrás da câmera. A produção é helvética e seu diretor, Basil da Cunha, é suíço filho de imigrantes portugueses. O filme é parte de um projeto de longo prazo que ele começou a conceber quando se mudou para a Reboleira em 2009, entre seus estudos de cinema em Genebra, onde terminou seu primeiro longa-metragem, Até ver a luz. “Eu não fui parar na Reboleira com um plano”, disse ele à swissinfo.ch em Locarno. “Eu era um estudante com pouco dinheiro à procura de um lugar para morar, e foi lá que achei um aluguel que podia pagar em Lisboa”.

Não demorou muito para que ele se integrasse à comunidade. “A Reboleira é como uma pequena aldeia, todo mundo conhece todo mundo”, lembra ele. “Graças ao rap – e há muitos rappers lá – eu me tornei amigo dos jovens e me familiarizei com seus problemas”.

Estes problemas são comuns a todas as comunidades marginalizadas em todo o mundo: drogas, gravidez na adolescência, disputas de gangues, mas em “O Fim do Mundo” há outra ameaça, sem rosto: os especuladores imobiliários que pouco a pouco estão desmantelando a pobre, mas vibrante comunidade da Reboleira.

Da Cunha começou a escrever uma história que poderia ser interpretada por seus amigos adolescentes de então, mas a realidade superou seus planos iniciais. O personagem principal, Spira, pouco se distingue do Spira da vida real (Michael Spencer), que passou oito anos de sua adolescência em um reformatório por causa de pequenos delitos. O roteiro final começa com o retorno de Spira a Reboleira, um rapaz que já havia perdido sua inocência.

Junto com Spira, todos os outros atores não-profissionais interpretam praticamente a si próprios, e esta proximidade com a dinâmica humana da Reboleira confere um efeito dramático notável. Este núcleo em volta de Basil Da Cunha já havia participado de outros curtas-metragens autoproduzidos, e o sucesso desfrutado pelo filme em festivais na Suíça e no exterior deu a Da Cunha um impulso renovado para continuar trabalhando com a equipe da Reboleira.

“Cada vida lá vale um filme, então eu poderia dizer que tenho pelo menos 40 histórias potenciais para desenvolver”, disse ele.

À vontade nos dois mundos

A dupla nacionalidade de Da Cunha, suíça e portuguesa, não é fonte de qualquer crise de identidade, ao contrário. Ele se sente à vontade na Suíça e em Portugal, e em ambos os contextos, sua vida sempre foi marcada por uma mistura cultural.

Ele cresceu entre os imigrantes na cidade de Morges, no cantão francófono de Vaud. Na Reboleira, a maioria da população é ou descende de imigrantes das antigas colônias portuguesas na África (Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, e especialmente de Cabo Verde).

Eles representam uma camada da sociedade portuguesa que só recentemente começou a aparecer nas telas locais. Essa comunidade também encontra-se fortemente presente no filme Vitalina Varela, de Pedro Costa, primeira produção portuguesa a receber o Pardo d’Oro (Leopardo de Ouro), o principal prêmio em Locarno, em 2019 – e também falado em uma mistura de português e dialeto cabo-verdiano.

Estes párias da sociedade portuguesa, segregados não só econômica, mas também racialmente, ainda têm dificuldades para serem aceitos como parte do mesmo país, como explica da Cunha nesta entrevista em vídeo:



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