Os pioneiros da arte digital
Eles invadiram digitalmente a Ópera de Zurique e fizeram compras a esmo na "darknet" com um "bot". Carmen Weisskopf e Domagoj Smoljo formam o premiado duo de artistas eletrônicos "!Mediengruppe Bitnik".
O telefone toca. “Grüezi (“olá” em alemão suíço). Este é o assistente telefônico automático da ópera da cidade de Zurique. Para seu prazer e entretenimento, colocamos um microfone aberto na Ópera de Zurique. Dentro de alguns segundos você estará conectado ao vivo com a Ópera”. No início de 2007 foi possível ouvir ao vivo a ópera “Rosenkavalier” produzida na Ópera de Zurique enquanto sentado no sofá de sua sala de estar. O !Mediengruppe BitnikLink externo “hackeou” a ópera. Com a ajuda de um modem e um gerador aleatório de números telefônicos, residências particulares de Zurique foram chamadas. Quem respondeu à chamada pôde ouvir a performance ao vivo transmitida por microfones ilegalmente instalados na ópera.
A televisão suíça noticiou sobre o “ataque cultural à ópera”.
Até hoje, as instruções para “hackear a ópera em dez simples passos ” podem ser baixadasLink externo do site do Bitnik.
Em sua forma extensa, o grupo Bitnik se chama “!Mediengruppe Bitnik” e é composto por Carmen Weisskopf e Domagoj Smoljo. Os dois se encontraram, no início dos anos 90, na Faculdade de Arte de ZuriqueLink externo (ZHdL, na sigla em alemão) Ao conectar secretamente o seu próprio servidor ao da faculdade, o casal batizou de “Bitnik” um projeto quando ainda eram estudantes. “Fomos descobertos pelos informáticos da universidade, mas eles não nos puniram.”
Na série “Pioneiros Digitais da Suíça“, a swissinfo.ch retratou personalidades suíças no exterior ou com projeção internacional que reconheceram o potencial da Internet desde cedo e a utilizaram com sucesso em suas atividades. A autora, Dra. Sarah Genner, é professora de mídia e especialista em meios digitais. Seu livro ON | OFF foi publicado em 2017.
A administração da faculdade reconheceu, desde o início, as atividades digitais clandestinas dos dois estudantes como arte. Eles permaneceram ativos além de seus estudos como uma dupla, realizando projetos na interface da tecnologia e do ativismo.
Weisskopf e Smoljo ainda não se viam como artistas digitais. Somente em 2006, quando o então diretor do espaço cultural Cabaré VoltaireLink externo de Zurique, Philipp Meier, lhes pediu para fazerem um trabalho em cooperação com o cabaré Voltaire é que ficou claro para eles que “Nós fazemos arte midiática”. Meier trabalha hoje na swissinfo.ch como monitor de comunidades.
Este trabalho conjunto foi o projeto “Opera CallingLink externo”. No Cabaré Voltaire, telefones foram dependurados numa sala de exposições e, via telefônica, a transmissão ao vivo da ópera pôde ser ouvida.
Um pacote para Julian Assange
Àquela época, eu trabalhava frequentemente em cafés com WLAN enquanto preparava minha dissertação sobre Internet e democracia na Universidade de Zurique. O Cabaret Voltaire era um dos meus lugares favoritos, porque era acolhedor, tinha uma WLAN estável e tomadas acessíveis. Por acaso, ouvi uma reunião do diretor Philipp Meier com Bitnik, mas só mais tarde soube, pela mídia, que Opera Calling fora o resultado daquele encontro.
Mais tarde, em Zurique, vi exposto o interessante trabalho “Delivery for Mr. AssangeLink externo”, onde Bitnik, no auge do debate sobre o Wikileaks, enviara um pacote para Julian Assange na Embaixada do Equador em Londres. Embora eu seja pessoalmente crítico em relação ao fundador do Wikileaks, Assange, fiquei fascinado com a implementação conceitual e técnica da performance online ao vivo. Bitnik colocou um smartphone com livestream online em um pacote e o enviou para Assange em Londres. Desta forma, toda a viagem do pacote pôde ser rastreada e monitorada através do visor do pacote e GPS através de uma livestream pública enquanto estava a caminho de uma das pessoas mais vigiadas do mundo.
Qualquer mensagem digital para ele teria sido interceptada, ao passo que o segredo postal continuaria válido tanto para cartas analógicas quanto para encomendas. O serviço secreto britânico, no entanto, recebeu informação sobre a encomenda, o que levou o ministro equatoriano das relações exteriores a ter que decidir se a encomenda poderia ser entregue.
Esta performance resultou na publicação do livro “Ein Paket für AssangeLink externo” (Um Pacote para Assange, em português). À semelhança de Assange, Weisskopf e Smoljo estão convencidos de que a informação deve ser livremente acessível em democracias.
A Suíça é interessante para a arte digital
Carmen Weisskopf e Domagoj Smoljo estão juntos e na estrada como “!Mediengruppe Bitnik” há 14 anos, tendo exposto seus trabalhos em museus de Xangai, Amsterdã, São Paulo e Teerã. Hoje em dia, a dupla de Zurique vive principalmente em Berlim com seu filho.
Em entrevista via Skype, ambos enfatizam que a Suíça é um lugar interessante para a arte digital dada a presença que tem neste campo. Os museus H3KLink externo (Casa da Arte Eletrônica – Basileia), a Kunsthaus de LangenthalLink externo e o Museu de Arte de St. GallenLink externo são testemunhas disso. “Em Berlim, no entanto, os debates são mais amplos e mais inspiradores apenas por causa da grande cena artística e digital. Para o H3K Basel, Bitnik transformou um “glitch”, ou seja, um erro computacional, em um artefato acidental causado por um erro de transmissão digital em uma imagem que transforma uma obra de arte em um canteiro de obrasLink externo.
Em meu ano de pesquisa no Instituto para Internet e Sociedade em Harvard, conheci outro trabalho Bitnik em 2015. Discutimos o “Random Darknet ShopperLink externo” com interesse porque o projeto de arte lidou de forma muito vívida com aquelas questões que também nos ocuparam na pesquisa sobre a Internet. Quem é legal e eticamente responsável por atos ilegais cometidos por algoritmos?
O software “Random Darknet Shopper” do Bitnik comprou a cada semana de forma aleatória e automática cem dólares em produtos com Bitcoin em mercados negros online e, após este banho de lojas, os enviou para o local da exposição em St. Gallen. O projeto de arte ganhou manchetes internacionaisLink externo porque as drogas ilegais compradas pelo bot Darknet foram confiscadas pela polícia.
O “Darknet Bot” pertence a uma série de trabalhos de Bitnik com algoritmos autônomos (bots). Outro projeto de bots foi realizado pela dupla Bitnik em Paris em conexão com o hack do site de namoro Ashley Madison. Como em seus outros projetos, eles encaixaram inteligentemente os mundos online e offline. Eles criaram uma casa física para os chatbots femininos de Ashley Madison em um espaço de exposição em Paris. No site de encontros, os chatbots tinham sido anunciados como mulheres reais. “Só o hack deixou claro até que ponto os bots tinham flertado com homens pagantes.”
Bitnik ganhou vários prémios pelo seu trabalho, incluindo o Prémio Suíço de Arte e um prémio no Ars Electronica, o mais importante festival de arte digital. Smoljo e Weisskopf permanecem produtivos e não ficarão sem trabalho tão rapidamente em um ambiente digital em rápida mudança. Um trabalho mais recente lida com “Smart Home Devices”, que atualmente se estão presentes em muitos lares e funcionam através do controle de voz. Juntamente com o músico parisiense Low Jack, eles desenvolveram três músicas que, quando tocadas alto o suficiente, podem ativar as Alexas e Siris nos apartamentos ao redor.
No meio do debate sobre a era digital
O !Mediengruppe Bitnik orientou-se no início para as obras de Net.Art, que já haviam implementado experiências artísticas com tecnologias de Internet na década de 1990. No entanto, eles também encontraram uma compreensão artística afiliada no movimento dadaísta de Zurique e no movimento de arte Fluxus.
Os Bitnik não são os primeiros artistas digitais, mas como pioneiros, eles moldaram a arte digital internacionalmente. Graças a uma boa narrativa e ao trabalho astuto de relações públicas, eles enriqueceram os debates sociais sobre a era digital muito além da cena artística.
Adaptação: DvSperling
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