Quando a Suíça começou a se distanciar da Europa
Quando a Segunda Guerra Mundial terminou, há 75 anos, vastas partes da Europa e do mundo estavam em ruínas. A Suíça, por sua vez, ainda se encontrava em boa forma. O historiador Jakob Tanner revisita este período pós-guerra e suas conseqüências para as relações suíço-europeias.
swissinfo.ch: Em 1945, países inteiros tinham sido reduzidos a escombros e cinzas. Como foi o fim da guerra para a Suíça?
Jakob Tanner: Havia uma grande sensação de alívio, com sinos de igreja tocando por toda parte. A sociedade estava no limbo, sem saber o que estava por vir. Economicamente, a Suíça se destacava como tendo ainda uma infra-estrutura intacta, e uma indústria em funcionamento. Ao mesmo tempo, a atmosfera estava polarizada – desde o meio da guerra o movimento operário vinha crescendo, e uma luta pelo futuro estava começando. Em geral, o fim da guerra foi marcado por uma sensação de grande abertura.
swissinfo.ch: Que papel desempenhou a Suíça na Segunda Guerra Mundial?
J.T.: A Suíça não podia se afastar completamente do jogo de poder europeu. O país serviu como centro de negócios e comércio, inclusive de ouro, e como ninho de agentes secretos, porto seguro para o capital e para aqueles que fugiam da perseguição – o que levou o governo a fechar as fronteiras para os refugiados em 1942.
swissinfo.ch: Um conflito tão global e intenso não poderia terminar de repente, e hoje falamos de um longo período pós-guerra. O que esses anos reservavam para a Suíça?
J.T.: Nos primeiros anos depois de 1945, algumas importantes linhas de ação foram iniciadas. Poucos anos depois, por exemplo, as mulheres esperavam que sua enorme contribuição em tempo de guerra fosse recompensada com direito a voto. No entanto, o parlamento manteve a sua opinião de que a democracia era um assunto masculino. E assim o país permaneceu uma semi-democracia, com o serviço militar masculino elevado acima de tudo, e as mulheres sem direito a voto até 1971.
swissinfo.ch: Ao mesmo tempo, uma nova ordem internacional estava sendo construída.
J.T.: A Suíça acompanhou de perto a fundação da Organização das Nações Unidas (ONU). Em 1920, ela havia aderido à Liga das Nações, e a partir de 1945, como um estado pequeno e neutro, sabia que dependeria de uma nova arquitetura de segurança global. No entanto, a ideia de aderir à ONU foi rapidamente retirada da mesa – embora estivesse pronta para se envolver em organizações mais tecnocráticas, a Suíça queria se destacar politicamente.
swissinfo.ch: Também fora da Europa?
J.T.: A Suíça foi um ponto de encontro de vários movimentos europeus após a guerra. Mas a política nacional estava empenhada em agir sozinha. A ideia, tanto na época como até hoje, era de que a Europa precisava se “suiçar” antes que a Suíça pudesse europeizar-se.
swissinfo.ch: A Suíça há muito se vê como uma “exceção”, e desde 1945 se desenvolveu de uma forma singular.
J.T.: É possível encontrar tais idéias de excepcionalismo em todos os países. Nesse sentido, só existem exceções. A Suíça começou a usar este termo porque, em 1945, estava sendo pressionada a se justificar, e o status “excepcional” lhe permitiu restaurar a imagem de sua neutralidade. O argumento foi bem recebido, especialmente no plano interno.
swissinfo.ch: Mas a Suíça compartilhava muitas semelhanças com outros países?
J.T.: Sim, por exemplo, o seu “boom” econômico do pós-guerra, que foi semelhante em todos os países europeus. O Estado social, os direitos humanos, as mudanças nas viagens, no consumo e nos hábitos matrimoniais – tudo isso fazia parte de um movimento semelhante em direção a uma sociedade moderna, baseada no consumismo e na liberdade. E a Suíça não estava apenas interligada economicamente com a Europa; centenas de milhares de trabalhadores migrantes também imigravam, possibilitando um período de rápido crescimento. E apesar de sua posição neutra, a Suíça naturalmente se entendia como uma parte do Ocidente livre.
swissinfo.ch: Outra semelhança foram os crashes compartilhados, o mais grave dos anos 70.
J.T.: O colapso do sistema econômico de Bretton Woods entre 1971 e 1973 e a mudança para taxas de câmbio flutuantes, em vez de fixas, lançaram as bases para a posterior introdução do euro. Ao mesmo tempo, o período de décadas de boom econômico chegou ao fim, e uma nova forma de capitalismo financeiro global veio à tona. Isso teve conseqüências para a Suíça e mudou fundamentalmente as estruturas de poder. O velho modelo de ocupar vários cargos ao mesmo tempo – cultural, econômico, militar, político – começou a sofrer erosão, enquanto a liderança econômica e os acionistas se internacionalizaram muito.
swissinfo.ch: O fim da Guerra Fria foi outro desses momentos-chave.
J.T.: Somente à primeira vista. Na verdade, a internacionalização da economia nesse momento foi acompanhada de um revés nacionalista-mítico na Suíça. Em 1992, o governo se candidatou à adesão ao Espaço Econômico Europeu (EEE). No final do ano, porém, a resistência de direita liderada por Christoph Blocher havia bloqueado a entrada. Desde então, a imagem de uma Suíça pequena, humanitária, neutra e bem sucedida, a separou mentalmente da UE – com conseqüências até os dias de hoje.
swissinfo.ch: Na verdade, hoje em dia muitos dos valores e instituições criados depois de 1945 encontram-se sob fogo cerrado.
J.T.: Isso depende de como você diagnostica o presente, assim como a crise da Covid-19. A mídia escreve continuamente sobre os estados de emergência e as inseguranças da Segunda Guerra Mundial. Mas eu não acho que as comparações em tempo de guerra se aplicam, e elas podem provocar respostas equivocadas. Mais importante, devemos reconhecer que depois de 1945 um roteiro institucional foi posto em prática, um roteiro que se mostrou notavelmente estável. A ONU e a Organização Mundial da Saúde, fundada em 1948, ainda desempenham um grande papel, e a ideia de governança global é mais atual do que nunca.
swissinfo.ch/ets
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